Dia de semana, de tarde, marmanjo está lá sem fazer nada, ao lado da moto último tipo, jogando carteado
É sempre a mesma promiscuidade. Quando neguinho escreve um texto para o jornal cobrindo o filme de elogios, pode apostar, tem lance de amizade no meio. Comigo não poderá ser diferente.
Sim, "Alemão" foi produzido por meu amigo de fé, meu irmão camarada. No filme atuam o marido da minha querida colega, o brother do meu irmão morto e o filho da minha amiga. É mais fácil gostar de coisas feitas por pessoas que falam a sua língua, qual é, vai encarar?
Mas "Alemão" não foi um caso de amor à primeira vista. Caí na armadilha que ele lança, a do "mocinho/bandido", feito pata até entender que não tinha entendido nada. E o que pega ali é que você está diante de um "Os Infiltrados" dos trópicos, em que uns dão a alma, outros a vendem e todos pagam um preço altíssimo. As coisas acabam mal, muito mal, como têm acabado na vida real, você já reparou?
Tenho visto muita gente falando horrores dos "black blocs", mesmo sem entender direito quem são.
O potencial de dano que eles atribuem ao grupo é desmesurado: "Os black blocs' esvaziaram as manifestações de junho, as pessoas ficaram com medo de ir à rua"; "Ah, se eles fossem como os caras-pintadas".
Pois é, parece que as coisas não têm chegado a bom termo de uns tempos para cá. Estamos encastelados numa torre de Babel onde um não entende o que o outro diz.
Não, veja: as manifestações perderam foco por falta de objetividade. A classe média é frouxa, não sabe o que quer, precisa que a TV diga a ela onde está o saldão da semana para que mexa a bunda do sofá. Quanto a comparar os caras-pintadas aos manifestantes de hoje, é brincadeira? Os de 25 anos atrás tinham esperança na democracia que nascia, os protestos refletiam isso. A quebradeira de hoje carrega a desconfiança e o desânimo no sis- tema. Quem ainda se ilude que seu voto irá mudar alguma coisa?
O filme com Caio Blat, Antonio Fagundes, Otávio Müller, Milhem Cortaz, Gabriel Braga Nunes, Mariana Nunes e Marcello Melo Jr. fala sobre a tentativa de pacificação dos morros cariocas. A ação se passa nas 48 horas antes da tomada do Alemão pela polícia em 2010.
Na estreia, em São Paulo, o diretor José Belmonte homenageou os moradores do morro. Enquanto aguardávamos o início da sessão, eles estavam sob fogo cerrado entre policiais e traficantes numa guerra que continua indomada.
Lembra da empolgação quando nascia o projeto das UPPs? Falava-se no teleférico, alternativa para uma geografia hostil a compras de mês, cadeirantes, bujões de gás... Eike Batista iria erguer monumentos incríveis. E o secretário de Segurança, José Maria Beltrame, bem, esse era quase um semideus.
Fui ao Vidigal conhecer o projeto. Os moradores não queriam falar e a polícia, mal treinada, oscilava entre medo e botar banca. Lembro de um soldado muito prosa, que acabou me contando que era a mulher a causadora do abuso sexual por se vestir de forma insinuante. Ô, babaca.
Saí de lá achando que era festa de fachada, que, como sempre, fariam faxina, colocariam "ordem" sem cuidar do social.
Tenho andado pela Rocinha, Heliópolis e Paraisópolis. Melhoras, há. Eu gosto da comunidade. Pessoal é divertido, sociável e bem mais inteligente do que os cretinos apáticos que conheço da vida inteira dos Jardins. Ainda assim, pouca coisa mudou no que diz respeito ao comportamento. No meio da tarde, em qualquer dia da semana, você encontra marmanjo sentado fazendo nada, jogando carteado, na maior estica, moto último tipo, carrão tunado --nem mesmo o Chiquinho Scarpa vive tão bem.
É sempre a mesma promiscuidade. Quando neguinho escreve um texto para o jornal cobrindo o filme de elogios, pode apostar, tem lance de amizade no meio. Comigo não poderá ser diferente.
Sim, "Alemão" foi produzido por meu amigo de fé, meu irmão camarada. No filme atuam o marido da minha querida colega, o brother do meu irmão morto e o filho da minha amiga. É mais fácil gostar de coisas feitas por pessoas que falam a sua língua, qual é, vai encarar?
Mas "Alemão" não foi um caso de amor à primeira vista. Caí na armadilha que ele lança, a do "mocinho/bandido", feito pata até entender que não tinha entendido nada. E o que pega ali é que você está diante de um "Os Infiltrados" dos trópicos, em que uns dão a alma, outros a vendem e todos pagam um preço altíssimo. As coisas acabam mal, muito mal, como têm acabado na vida real, você já reparou?
Tenho visto muita gente falando horrores dos "black blocs", mesmo sem entender direito quem são.
O potencial de dano que eles atribuem ao grupo é desmesurado: "Os black blocs' esvaziaram as manifestações de junho, as pessoas ficaram com medo de ir à rua"; "Ah, se eles fossem como os caras-pintadas".
Pois é, parece que as coisas não têm chegado a bom termo de uns tempos para cá. Estamos encastelados numa torre de Babel onde um não entende o que o outro diz.
Não, veja: as manifestações perderam foco por falta de objetividade. A classe média é frouxa, não sabe o que quer, precisa que a TV diga a ela onde está o saldão da semana para que mexa a bunda do sofá. Quanto a comparar os caras-pintadas aos manifestantes de hoje, é brincadeira? Os de 25 anos atrás tinham esperança na democracia que nascia, os protestos refletiam isso. A quebradeira de hoje carrega a desconfiança e o desânimo no sis- tema. Quem ainda se ilude que seu voto irá mudar alguma coisa?
O filme com Caio Blat, Antonio Fagundes, Otávio Müller, Milhem Cortaz, Gabriel Braga Nunes, Mariana Nunes e Marcello Melo Jr. fala sobre a tentativa de pacificação dos morros cariocas. A ação se passa nas 48 horas antes da tomada do Alemão pela polícia em 2010.
Na estreia, em São Paulo, o diretor José Belmonte homenageou os moradores do morro. Enquanto aguardávamos o início da sessão, eles estavam sob fogo cerrado entre policiais e traficantes numa guerra que continua indomada.
Lembra da empolgação quando nascia o projeto das UPPs? Falava-se no teleférico, alternativa para uma geografia hostil a compras de mês, cadeirantes, bujões de gás... Eike Batista iria erguer monumentos incríveis. E o secretário de Segurança, José Maria Beltrame, bem, esse era quase um semideus.
Fui ao Vidigal conhecer o projeto. Os moradores não queriam falar e a polícia, mal treinada, oscilava entre medo e botar banca. Lembro de um soldado muito prosa, que acabou me contando que era a mulher a causadora do abuso sexual por se vestir de forma insinuante. Ô, babaca.
Saí de lá achando que era festa de fachada, que, como sempre, fariam faxina, colocariam "ordem" sem cuidar do social.
Tenho andado pela Rocinha, Heliópolis e Paraisópolis. Melhoras, há. Eu gosto da comunidade. Pessoal é divertido, sociável e bem mais inteligente do que os cretinos apáticos que conheço da vida inteira dos Jardins. Ainda assim, pouca coisa mudou no que diz respeito ao comportamento. No meio da tarde, em qualquer dia da semana, você encontra marmanjo sentado fazendo nada, jogando carteado, na maior estica, moto último tipo, carrão tunado --nem mesmo o Chiquinho Scarpa vive tão bem.
14 de março de 2014
Bárbara Gancia, Folha de SP
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