"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O CARISMA DE LULA


A liderança carismática depende da crença na existência de capacidades extraordinárias ou sobrenaturais. Max Weber define carisma como certa qualidade de um indivíduo (personalidade), em virtude da qual é diferenciado das pessoas comuns e tratado como dotado de qualidades sobrenaturais, sobre-humanas ou, pelo menos, excepcionais . Destaca que é essencial que o indivíduo carismático seja reconhecido ou percebido como detentor destes atributos: Este reconhecimento é objeto de completa devoção pessoal, decorrente do entusiasmo ou do desespero e da esperança.

Descrevamos o contexto de nossa análise do carisma de Lula. O Estado brasileiro conserva características patrimonialistas, a sociedade está em processo de ruptura com o tradicionalismo (pelo efeito do caráter revolucionário do carisma) e o povo é naturalmente religioso.

Procuremos discernir as condições que tornaram possível a aparição deste chefe político divinizado brasileiro e os sentimentos religiosos e políticos que o impulsionaram ao poder (e o mantêm, embora como sujeito oculto). Um líder sindical, dotado de carisma político, conduziu greves operárias contra o regime militar, tendo sido preso na época. Nasceu, assim, o herói Lula. Até aqui, nossa narrativa descreve um sindicalista que, em seguida, se transforma em líder de um partido político socialdemocrata.

Neste ponto de nossa análise, intervém uma mutação simbólica de grande relevância histórica. O povo, em seu modo de pensar, experimentou uma conversão interna e investiu (projetou) o líder com atributos messiânicos. Na fé popular começou a encarnar o salvador, o homem enviado por Deus - mito que existiu desde sempre.

Como isto foi possível? A explicação é que o herói proletário se apropriou da opção preferencial pelos pobres e passou a interpretar um carisma semelhante ao profético. Deus não elege um pernambucano de Caetés todo ano para presidente da República. Não elege um metalúrgico todo ano para presidente (discurso de Lula, 25/01/05). ...Antes era tudo do jeito que o diabo gostava. Agora é tudo do jeito que Deus gosta (20/03/08). Favoreceu-se de uma herança cultural arcaica, submersa no inconsciente.

E qual foi a dádiva principal para assegurar o bem-estar daqueles que se entregaram com uma fé cega ao herói doravante divinizado? Foi o auxílio do governo através do programa Bolsa Família. As estatísticas oficiais contabilizam que aproximadamente 50 milhões de pessoas - ou seja, 25% da população brasileira - são beneficiadas pelo Bolsa Família.

A pergunta, inevitável, é a seguinte: se o líder carismático pedir o voto a estes beneficiários do Bolsa Família para um(a) político(a) indicado(a) por ele, não é lógico supor que estarão na obrigação de corresponder? Chegamos, assim, à inescapável conclusão que a estratégia de Lula está no centro do jogo político brasileiro. Trata-se da principal variável a influir no desfecho das lutas políticas eleitorais e possui forte componente irracional, porque alicerçado em crenças afetivas de fundo messiânico.

17 de fevereiro de 2014
Fernando Flora, O Globo

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