"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A FALSA "IRRACIONALIDADE" DAS FARC


          Notícias Faltantes - Foro de São Paulo 
A Colômbia sofre a perfeita guerra subversiva, assimétrica, em que a propaganda, a infiltração do Estado e os atos pontuais de terror contra os civis são a melhor maneira de roubar a alma e as liberdades de um país.


O miserável ataque das FARC contra a população de Pradera (Valle) não tem nada de “irracional”. Surpreende ver o chefe de Estado colombiano se equivocar ao qualificar assim a nova infâmia do bando narcoterrorista.
 
O país se sente perdido e desprotegido quando vê que o presidente da República estima que esse atentado é “contraditório”, antes de passar, da maneira mais displicente, a outro tema, a algo menos aterrador, como se a pessoa morta e os 61 feridos dessa localidade martirizada não merecessem a compaixão e, sobretudo, a ação e a determinação do chefe de Estado para conseguir a curto e médio prazo a segurança e tranqüilidade dessa região e de toda a Colômbia.
 
Santos se foi em palavras bajuladores e se esquivou desse tema. Para ele parece inconveniente ordenar a perseguição geral das estruturas subversivas que matam colombianos onde querem, quando querem e ao ritmo que querem. Santos, em vez de fazer isso, continua com sua estratégia de golpes com conta-gotas, que não debilita as FARC, dilata as conversações e contribui para ambientar a re-eleição.
 
O sangue das vítimas ainda não havia esfriado quando Santos escolheu os apelativos mais suaves para aludir ao covarde atentado e passar, sem mais nem menos, a fazer uma espécie de elogio subliminar dos verdugos ao dizer que este ano ele assinará a paz com eles. No dia seguinte, aparecia em um jornal espanhol esta declaração: que ele “imagina os representantes das FARC sentados no Congresso”.
 
Atacar povoados, matar e mutilar fardados e civis, assim como jornalistas, sacerdotes, sindicalistas, indígenas, estudantes, é um ato totalmente racional para as FARC. São atos calculados e premeditados.
Os golpes das FARC têm um calendário e uma dosagem. Com eles, as FARC reiniciam suas “negociações” em Havana e dizem ao país que a iniciativa da guerra depende delas, que o governo não as paralisou. O ocorrido em Pradera diz que a estratégia de tensão continua por conta delas e que a Colômbia deve ceder ante suas pretensões.
 
Não há nada de “irracional” nesses atentados. Não são atos “demenciais” nem “estúpidos”, como acredita o general Leonardo Barrero, comandante das Forças Militares.
O atentado de Pradera e os anteriores não são “contraditórios” pois as FARC não são capacetes azuis. Não são dialogantes pacíficos, não são interlocutores leais, não são agentes da paz.
 
Matar colombianos faz parte da racionalidade e da cronologia política dessa gente, de seus recursos psicológicos e ideológicos mais profundos. Matar colombianos, plantar minas, seqüestrar, aterrorizar anciãos, mulheres e crianças, mentir, dialogar em falso, não só é necessário senão que é legítimo e até indispensável. Para eles, as matanças são simples episódios que ajudam a derrubada espiritual do país e que preparam a tomada do poder.
 
Esta e a construção do coletivismo são, para eles, objetivos supremos, de grande humanismo. Eles acreditam que encarnam o progresso. Em sua visão torcida e messiânica, as vítimas, inclusive as milhões de vítimas, que são o preço deste “projeto”, são muito pouco ou nada.
 
Por isso nunca fizeram a paz, e não a poderão fazer. Por isso entre as fileiras das FARC jamais surgiu um Mandela, que de terrorista carregado de ódio saltou para o contrário, graças à audácia de um De Klerk e de outros visionários, para uma perspectiva de reconciliação e colaboração entre raças e classes sociais que salvou seu país. Quem imagina Timochenko pensando assim?
 
Os assessores do presidente Santos vêem o caso de Pradera como uma “mostra de debilidade militar” das FARC. Eles pensam a guerra em termos caducos. Um atentado durante a Segunda Guerra Mundial era, com efeito, pouco útil. O paradigma de hoje é diferente. A Colômbia sofre a perfeita guerra subversiva, assimétrica, em que a propaganda, a infiltração do Estado e os atos pontuais de terror contra os civis são a melhor maneira de roubar a alma e as liberdades de um país. Inclusive e apesar de que haja o triunfo militar do Estado.
 
Os assessores não vêem isso. Acreditam que tudo vai bem. Estimam que “pressionar militarmente as FARC em meio da negociação” levará ao triunfo do Governo. Esquecem que isso já se fez no Caguán, com resultados desastrosos. Assim adormecem o país enquanto a traição avança.
 
Não, a matança de Pradera não foi um ato “irracional”. Ao utilizar essa palavra, Santos deixou ver que havia entrado no funil mental de Rodrigo Granda. Ele disse o mesmo: que era um ato que o havia “surpreendido”. Entretanto, aproveitou a tribuna para justificar o atentado e para desinformar: “as FARC vão atacar impunemente a população civil”, disse, e assegurou que o atentado “ia sobre [sic] um quartel da Polícia ou atrás de alguma patrulha militar”.
 
Sim, o que sai deste episódio é duplamente triste. Horas depois da tragédia de Pradera o poder central falou de paz a qualquer preço, de Congresso invadido por esses monstros. A mensagem é clara: cada novo massacre nos aproxima mais da paz. Com essa turva dialética os sacrifícios aumentarão mas serão mais e mais silenciados. É isso que os colombianos temos que aceitar?

23 de janeiro de 2014
Eduardo Mackenzie
Tradução: Graça Salgueiro

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