Mandela era um gigante, não santo milagreiro
Nelson Mandela (1918-2013)
06 de dezembro de 2013
Coluna de Caio Blinder, na Veja
Toinho de passira
A sensação de orfandade na África do Sul ficou ainda mais intensa durante esta longa espera de meses, de anos, pela morte de Mandela e deu uma medida de como foi, como é e como será difícil substituir alguém de sua estatura.
Nelson Mandela (1918-2013)
Nelson Mandela, uma lenda viva, partiu aos 95 anos de idade, em meio a uma longuíssima expectativa global. Ele era apenas um gigante, não um santo milagreiro, curandeiro das mazelas sul-africanas. Mandela fez a sua imensa e generosa parte. Trata-se de uma lição para a humanidade. Ele deu um senso de propósito para o país, tanto na era pós-apartheid, como na penosa negociação para que o regime racista fosse enterrado da forma menos sangrenta possível. Mandela negociou com os algozes brancos. Seu espírito de reconciliação racial e sabedoria política acalmaram não apenas a minoria branca, mas a maioria do país.
Mandela tinha credibilidade. Ele fizera sua própria transição de líder de um movimento de resistência (que inclusive apelava para o terrorismo) a pai da nação. De origem aristocrática, Mandela era o que África do Sul tinha mais de próximo de rei. Ele deu este senso de propósito ao país, mas sabia que não seria possível um projeto nacional meramente em torno dele. Não é à toa que sua opção foi por apenas um mandato presidencial (1994 a 1999). A rigor, Mandela nunca foi um presidente executivo. Ele tinha este papel monárquico.
Mandela delegou, ou quem sabe foi coagido a tal, o processo decisório ao futuro presidente Thabo Mbeki. Era um papel necessário para tranquilizar o pais e o mundo na transição. Que contraste com outro líder de libertação nacional e de resistência ao racismo na África, Robert Mugabe, de Zimbábue. Lá este ele, no poder desde 1980, aos 89 anos. No entanto, com sua autoridade moral, Mandela poderia ter feito mais, por exemplo, para combater a Aids.
A sensação de orfandade na África do Sul ficou ainda mais intensa durante esta longa espera de meses, de anos, pela morte de Mandela e deu uma medida de como foi, como é e como será difícil substituir alguém de sua estatura. Mandela era grande e os dirigentes que o sucederam no Congresso Nacional Africano (CNA) e no governo bem menores. São líderes, como o atual presidente Jacob Zuma, que não estão à altura de tarefas como gerar empregos, cortar a corrupção e inspirar o país como Mandela conseguiu.
A Africa do Sul pós-apartheid deixou de ser um país-pária. Acolheu o mundo na Copa do Mundo de 2010 e é um dos campeões, uma das letras, o S, na hoje melancólica e oportunista liga dos Brics. É verdade que taxas de alfabetização e padrões de vida melhoraram desde que o CNA conquistou o poder. No entanto, a desigualdade social é maior do que nos tempos da desigualdade racial. Em uma cena que o brasileiro entenderia, pipocam os protestos pelo país com a precariedade dos serviços públicos. Até a ambulância que levava Mandela para o hospital em Pretória, em junho passado, quebrou no caminho. Muito chão pela frente para o país dar um salta qualitativo.
O governo de Jacob Zuma, o CNA e vários integrantes do clã Mandela vão explorar até onde der a imagem e o legado do gigante. Faz parte do jogo. Estão aí os milhões de novos eleitores criados e nascidos sem a indignidade do apartheid (40% dos sul-africanos nasceram depois de 1994).
Mas existem outras indignidades nesta nova África do Sul. Ironicamente, o governo recorre a algumas leis de segurança da época do apartheid para cercear informações e a imprensa. Também reprime manifestantes e grevistas com a brutalidade que faz lembrar os velhos tempos. Ademais, refugiados de países vizinhos não são recebidos com a generosidade dispensada a refugiados sul-africanos em outras eras.
Na trajetória comum a tantos movimentos de libertação, o CNA torna nebulosa a linha que separa partido e estado. Imagine que contra o presidente Zuma foram movidos 783 processos por corrupção e outros crimes. A África do Sul pós-apartheid está longe de de uma tirania, mas tampouco é a nação arco-íris, vendida em alguma momentos de mais euforia e comprada por gente complacente.
A lenda viva Mandela amorteceu tensões na África do Sul. A transição pós-apartheid foi um milagre, pois não aconteceu o temido banho de sangue ou fuga em massa dos brancos, mas teve muito de pragmática. Direitos individuais foram formalmente assegurados a todos, mas a minoria branca ainda controla a economia, com a participação de setores de uma nova elite negra.
De certa forma, é necessária uma nova transição, com lideranças novas e com novos referenciais. Em um mundo ideal, sem referenciais raciais, mas isto não será possível tão cedo. Será um tarefa de gerações, para miniMandelas.
Mandela tinha credibilidade. Ele fizera sua própria transição de líder de um movimento de resistência (que inclusive apelava para o terrorismo) a pai da nação. De origem aristocrática, Mandela era o que África do Sul tinha mais de próximo de rei. Ele deu este senso de propósito ao país, mas sabia que não seria possível um projeto nacional meramente em torno dele. Não é à toa que sua opção foi por apenas um mandato presidencial (1994 a 1999). A rigor, Mandela nunca foi um presidente executivo. Ele tinha este papel monárquico.
Mandela delegou, ou quem sabe foi coagido a tal, o processo decisório ao futuro presidente Thabo Mbeki. Era um papel necessário para tranquilizar o pais e o mundo na transição. Que contraste com outro líder de libertação nacional e de resistência ao racismo na África, Robert Mugabe, de Zimbábue. Lá este ele, no poder desde 1980, aos 89 anos. No entanto, com sua autoridade moral, Mandela poderia ter feito mais, por exemplo, para combater a Aids.
A sensação de orfandade na África do Sul ficou ainda mais intensa durante esta longa espera de meses, de anos, pela morte de Mandela e deu uma medida de como foi, como é e como será difícil substituir alguém de sua estatura. Mandela era grande e os dirigentes que o sucederam no Congresso Nacional Africano (CNA) e no governo bem menores. São líderes, como o atual presidente Jacob Zuma, que não estão à altura de tarefas como gerar empregos, cortar a corrupção e inspirar o país como Mandela conseguiu.
A Africa do Sul pós-apartheid deixou de ser um país-pária. Acolheu o mundo na Copa do Mundo de 2010 e é um dos campeões, uma das letras, o S, na hoje melancólica e oportunista liga dos Brics. É verdade que taxas de alfabetização e padrões de vida melhoraram desde que o CNA conquistou o poder. No entanto, a desigualdade social é maior do que nos tempos da desigualdade racial. Em uma cena que o brasileiro entenderia, pipocam os protestos pelo país com a precariedade dos serviços públicos. Até a ambulância que levava Mandela para o hospital em Pretória, em junho passado, quebrou no caminho. Muito chão pela frente para o país dar um salta qualitativo.
O governo de Jacob Zuma, o CNA e vários integrantes do clã Mandela vão explorar até onde der a imagem e o legado do gigante. Faz parte do jogo. Estão aí os milhões de novos eleitores criados e nascidos sem a indignidade do apartheid (40% dos sul-africanos nasceram depois de 1994).
Mas existem outras indignidades nesta nova África do Sul. Ironicamente, o governo recorre a algumas leis de segurança da época do apartheid para cercear informações e a imprensa. Também reprime manifestantes e grevistas com a brutalidade que faz lembrar os velhos tempos. Ademais, refugiados de países vizinhos não são recebidos com a generosidade dispensada a refugiados sul-africanos em outras eras.
Na trajetória comum a tantos movimentos de libertação, o CNA torna nebulosa a linha que separa partido e estado. Imagine que contra o presidente Zuma foram movidos 783 processos por corrupção e outros crimes. A África do Sul pós-apartheid está longe de de uma tirania, mas tampouco é a nação arco-íris, vendida em alguma momentos de mais euforia e comprada por gente complacente.
A lenda viva Mandela amorteceu tensões na África do Sul. A transição pós-apartheid foi um milagre, pois não aconteceu o temido banho de sangue ou fuga em massa dos brancos, mas teve muito de pragmática. Direitos individuais foram formalmente assegurados a todos, mas a minoria branca ainda controla a economia, com a participação de setores de uma nova elite negra.
De certa forma, é necessária uma nova transição, com lideranças novas e com novos referenciais. Em um mundo ideal, sem referenciais raciais, mas isto não será possível tão cedo. Será um tarefa de gerações, para miniMandelas.
06 de dezembro de 2013
Coluna de Caio Blinder, na Veja
Toinho de passira
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