O dia de ontem foi pródigo em manifestações das mais variadas espécies sobre um só motivo: o receio de que as manifestações de junho passado voltem a tomar conta do país. Quem primeiro revelou essa preocupação recôndita foi o ex-presidente Lula, cuja língua solta acabou traindo-o no discurso de improviso que fez ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo.
Ao se autoelogiar por ter autorizado o funcionamento da universidade, Lula alertou a presidente Dilma, presente ao evento na qualidade de coadjuvante, como sói acontecer quando os dois estão juntos: “Depois que ele se forma doutor, não espere que ele ficará agradecido. Ele vai para a rua fazer manifestação contra você”.
Para evitar isso, Lula disse que só existe uma maneira: “Garantir que, depois de formado, ele possa aperfeiçoar seus estudos e o emprego do sonho dele. Quando ele conseguir isso, pode estar certa de que ele não vai mais sair para passeata”.
Portanto, Lula sabe que as passeatas foram contra o governo, e admite publicamente que é preciso fazer mais do que simplesmente criar universidades sem estrutura e sem projeto de educação.
Em seguida foi o prefeito do Rio Eduardo Paes que confirmou o aumento de passagens de ônibus no ano que vem, inevitável por previsão contratual. Mais uma vez as manifestações populares de junho, que começaram a partir de um movimento contra um aumento de R$ 0, 20 centavos nas passagens de ônibus — que, aliás, havia sido adiado a pedido do governo federal para segurar a inflação —, voltaram a rondar a conversa quando o prefeito disse que a redução ocorrida este ano “por motivos óbvios” não poderia ser mantida por muito mais tempo.
Para completar o cardápio, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke admitiu que as manifestações populares de junho quase tiraram a Copa do Mundo do Brasil. Na Costa do Sauípe às voltas com o sorteio das chaves da Copa do Mundo e os atrasos dos estádios de futebol brasileiros, Valcke relembrou que houve um momento em que se pensou em suspender a Copa das Confederações, o que tecnicamente levaria à mudança da sede da Copa de 2014.
Pois todos esses fatores estarão de volta ao cenário brasileiro no próximo ano, e com ingredientes da economia internacional que podem pressionar a combalida economia nacional. Seria a “tempestade perfeita”, raro fenômeno meteorológico que conjuga fatores climáticos produzindo ondas gigantescas e ventos de quase 300 km/h, como aconteceu em 1991 no Caribe.
Em economia, dá-se esse nome à conjunção de fatores internos e externos que pode abalar um país. Com a perspectiva de reversão da política monetária fortemente expansionista do governo dos Estados Unidos através do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), e os problemas fiscais vividos pelo país, teme-se que uma “tempestade perfeita” atinja o Brasil no próximo ano, exacerbada pelas questões políticas internas.
Justamente quando estará em disputa a reeleição da presidente Dilma, que, por isso mesmo, não terá margem de manobra para reduzir gastos públicos. Há estudos que demonstram que historicamente a utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivos político-eleitorais gera Ciclos Políticos de Negócios (CPNs), cuja principal característica é a redução do desemprego em períodos pré-eleitorais, com o objetivo de proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.
Após esse período de crescimento, no entanto, o período pós-eleitoral é caracterizado por inflação em alta, cuja consequência é a adoção de políticas macroeconômicas contracionistas. No Brasil, temos pleno emprego em uma economia que cresce a ritmo de pibinho, com previsão de piorar no próximo ano. E já temos inflação alta.
Todo o esforço da presidente Dilma será atravessar o ano sem que as diversas crises previstas afetem sua possibilidade de reeleição. Seja quem for o vencedor, porém, terá um 2015 caótico pela frente.
06 de dezembro de 2013
Merval Pereira, O Globo
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