A notícia (Folha 02/12/13):
As Forças Especiais da Polícia Nacional da Islândia foram obrigadas, pela primeira vez na história, a matar um homem em uma operação nesta segunda-feira.
Segundo os agentes, a vítima tem 59 anos e começou a disparar sem motivo aparente da janela de seu apartamento na capital Reykjavík durante a madrugada.
Em entrevista coletiva, o chefe da polícia na cidade, Stefan Eiriksson, afirmou que os agentes chegaram ao local por volta das 3h (1h em Brasília) e tentaram em vão entrar em contato com o homem. Em seguida, atiraram bombas de gás lacrimogêneo para detê-lo, novamente sem sucesso. Diante do fracasso das primeiras tentativas, as Forças Especiais foram chamadas e entraram no apartamento por volta das 6h (4h em Brasília).
Os agentes foram recebidos a balas, sendo que uma delas passou de raspão pelo capacete de um policial. Eles responderam ao ataque baleando o homem com uma pistola 9 milímetros. O agressor foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
A polícia abriu uma investigação para determinar as razões que levaram o indivíduo a disparar e ver se ele estava sob a influência de álcool ou drogas. O comissário nacional da polícia, Haraldur Johannessen, afirmou que este foi um "incidente sem precedentes" na Islândia.
"Esta foi a primeira vez que uma pessoa morreu em uma ação como essa. A polícia lamenta esse incidente e presta as nossas mais profundas condolências à família deste homem".
Ele afirmou que, após o incidente, foi feita uma reunião entre os comandantes e a tropa e que os soldados envolvidos na morte receberão ajuda psicológica.
Este país, com uma população de apenas 322 mil habitantes, tem uma das menores taxas de criminalidade do mundo e os agentes da polícia usam suas armas de forma muito excepcional. Em geral, a polícia controla os criminosos com uso de armas não letais, como bombas de gás lacrimogêneo e armas de choque.
No Brasil, que é um dos países mais violentos do mundo, o cenário é bem diferente. A pena de morte aqui continua sendo uma realidade muito viva. A pena de morte, no Brasil, só acabou no plano formal. A constituição a proíbe (salvo em caso de guerra declarada). É verdade (art. 5º).
Mas as constituições, no nosso país, sempre foram feitas para não serem cumpridas (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, p. 182). Beccaria argumentou muito pelo fim da pena de morte (Dos delitos e das penas¸capítulo 28).
De fato, no plano formal, ela praticamente desapareceu. Mas nunca deixou de existir na prática.
De acordo com o anuário apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2012, ao menos cinco pessoas diariamente perderam a vida no fogo cruzado entre policiais e civis, no Brasil.
Ou seja, ao menos 1890 vidas foram tiradas pela ação das policias civis e militares em “situação de confronto”. Morrem, também, anualmente, centenas de policiais. Estado de natureza (Hobbes). Selvagerismo absoluto, que caracteriza nosso Estado policialesco num continuum infinito.
O número de mortos anunciado, na verdade, é muito maior, já que a disponibilidade desses dados é precária em boa parte do país, havendo uma dificuldade na mensuração.
Em comparação com alguns países do mundo, de acordo com o Anuário, o Brasil apresenta, em média, 4,6 vezes mais mortes do que o padrão de atuação dos policiais dos Estados Unidos.
O estudo, que compilou números de apenas alguns estados (por falta de informações), aponta que, em São Paulo, região com maior número de mortes dessa natureza, ocorreram 17 mortes em confronto com a polícia civil em 2012, 26% menos que em 2011. Já a polícia militar fez, em 2012, 546 vítimas durante confrontos, um aumento de 24% em relação a 2011.
Dentre os estados com disponibilidade dos dados, São Paulo e Paraná foram os que mais registraram mortes de policiais militares que estavam em serviço. São Paulo, em 2011, tinha perdido 16 policiais militares durante o trabalho, em 2012 registrou 14 mortes.
Para mortes fora de serviço, esse número mais que dobrou passando de 35 mortes em 2011 para 79 em 2012.
Já no Paraná houve um crescimento no número de mortes, registrando 21 mortes de policiais miliares em serviço, enquanto em 2011 esse número chegou a 10. Fora de serviço esse número é ainda maior, com São Paulo registrando 79 mortes em 2012.
Pernambuco e São Paulo foram os estados que mais registraram casos de pessoas mortas por policiais militares em outras circunstâncias, 10 mortes em cada estado, em 2012.
Em termos de mortes de policiais em serviço, o Brasil só perde para Estados Unidos e México.
Na polícia civil, o estado que mais registrou mortes em serviço foi o Rio de Janeiro, com 3 mortes, em 2012. São Paulo teve, nesse quesito, uma queda significativa, passando de 12 mortes em 2011, para apenas 2 em 2012. No que tange a morte de policiais civis fora de serviço, São Paulo e Rio de Janeiro foram os estados que mais registram casos, ambos registram 10 mortes cada.
A violência crônica em que vive o país, que em 2011 registrou 52.198 mortes por homicídio doloso, aliada à máxima “bandido bom é bandido morto”, banalizou o derramamento de sangue pelas policias. Consequentemente a população que mais sofre com esse tipo de ação é a mais marginalizada pela sociedade: moradores das favelas, jovens negros, sem estudo e sem trabalho, sempre associados a criminalidade.
06 de dezembro de 2013
Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.
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