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Tudo, em tese, “em nome do povo”. Plebiscitos sobre o “casamento gay”, contudo, normalmente levam à sua proibição, como acaba de acontecer na Croácia.
A legislação já perdeu quase completamente a relação com a realidade, e a suposta representatividade dos políticos não engana mais ninguém.
Um rei absolutista podia dizer “o Estado sou eu”. O poder de que dispunha, contudo, era muito menor que o de um político atual; afinal, o Estado era bem menor. O que sucedeu o absolutismo, em que o rei era o Estado – e, portanto, tinha a cabeça sempre em perigo –, foi a dita democracia representativa, em que todo o poder emanaria do povo, e em seu nome é sempre exercido, aumentado e abusado, quase sem risco, por sucessivos espertalhões. Um absolutismo sem a responsabilidade, um absolutismo moderno, que só faz crescer em poder.
No século passado, essa concentração excessiva de poder deu a Hitler o controle da Alemanha e facultou-lhe assassinar em massa os que o Estado – em nome do “povo alemão”, esta abstração – considerasse subumanos. Já em nossos tempos, a truculência dos poderosos negou a humanidade de bebês na barriga da mãe, liberando o aborto em muitos países, e vem agora atacando ainda de outras formas seu maior inimigo, a instituição familiar.
A família, com sua hierarquia natural e sua capacidade de reprodução e primeira educação da prole, é o último baluarte contra o autoritarismo antinatural, e os poderosos sabem disso. Uma mãe zangada, com um chinelo na mão, manda mais que qualquer presidente. Daí a insistência de tantos poderosos em fazer com que a população seja submetida a um discurso antifamília na escola, na mídia e onde mais for possível. Daí a insistência deles em fazer do matrimônio uma mera coabitação sexuada.
E tudo, em tese, “em nome do povo”. Plebiscitos sobre o “casamento gay”, contudo, normalmente levam à sua proibição, como acaba de acontecer na Croácia. Quando ele ganha, apesar das fortunas gastas em propaganda a seu favor, é por poucos pontos.
Ora, a própria ideia de um plebiscito propondo a modificação de uma instituição de direito natural já é absurda: não faz nenhum sentido aprovar por plebiscito a possibilidade de “casar” duas pessoas do mesmo sexo, como não faria sentido querer que um plebiscito determinasse que os pais passassem a ser filhos e os filhos passassem a ser pais. Mas não importa: o que os poderosos querem é enfraquecer a família e concentrar ainda mais seu poder.
O limite desta concentração, todavia, já foi atingido. A legislação já perdeu quase completamente a relação com a realidade, e a suposta representatividade dos políticos não engana mais ninguém. A mera realidade, no entanto, não os demove; podemos esperar leis cada vez mais loucas, tentando desesperadamente dar-lhes mais poder. Afinal, é tudo “em nome do povo”.
06 de dezembro de 2013
Carlos Ramalhete é professor.
Publicado no jornal Gazeta do Povo.
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