Ideli Salvatti tem tudo para ser personagem menor em qualquer trama política que se preze. Mas, num governo com tão poucos atributos como o de Dilma Rousseff, ela ganhou uma das principais salas do Palácio do Planalto. Como produz quase nada como ministra de Relações Institucionais, tornou-se agora símbolo-mor de como os petistas abusam da máquina do Estado em proveito próprio. É a síntese de um governo em campanha.
Ideli é radicada em Santa Catarina e pretende conquistar novo mandato de senadora nas eleições do ano que vem. Por isso, dedica parte preciosa do seu tempo a fazer campanha política. O problema é quando faz isso usando equipamentos públicos que deveriam estar salvando vidas: em pelo menos três ocasiões neste ano, ela voou em helicópteros do Samu - o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - catarinense.
O caso foi descoberto no início de outubro pelo Correio Braziliense. Na ocasião, a assessoria da ministra disse que as aeronaves do Samu, utilizadas pela Polícia Rodoviária Federal, também servem para "transporte de autoridades" em "agendas oficiais". Será difícil agora explicar por que o helicóptero estava levando Ideli para passear enquanto vítimas de acidentes de trânsito nas estradas catarinenses poderiam estar sendo socorridas e salvas.
Segundo investigação do Ministério Público, divulgada hoje pelo Correio, nas três datas em que Ideli voou nas asas do Samu foram registrados 52 acidentes com 73 feridos e dois mortos nas rodovias de Santa Catarina. É possível que alguns dos casos demandassem a presença do helicóptero. Mas, nas três ocasiões, a ministra de Relações Institucionais ocupava a aeronave com frenética agenda eleitoral, metendo-se em cerimônias que nada têm a ver com sua área.
Ideli voou nas asas do Samu para lançar editais de obras viárias em 25 de janeiro, para encontrar-se com prefeitos em 25 de março e para reunir-se com empresários em 24 de agosto. Em suma: a ministra usou um equipamento público para turbinar sua agenda de campanha. Será ela a única que faz isso no governo de Dilma? Claro que não.
A Esplanada está coalhada de gente que só pensa nas eleições de 2014. Muitos ministros deixarão seus cargos, possivelmente, até o fim deste ano para lançarem-se sem amarras na luta por novos mandatos. Até aí nada demais. A questão é que a estrutura do governo federal já vem sendo flagrantemente utilizada nos últimos meses para campanhas. Brasília caminha em ritmo de eleição.
Os exemplos se sucedem.
Ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, por exemplo, dedica vários dias de seus expedientes para entregar retroescavadeiras e motoniveladoras em Minas, onde pretende disputar o governo. Quem deveria estar cuidando disso é o Ministério de Desenvolvimento Agrário, responsável pela distribuição do maquinário. Será que Pimentel se confundiu?
A cada nova leva de médicos estrangeiros que desembarcam nos rincões do país, os ministros-candidatos de Dilma entram em êxtase. Rumam para seus estados de origem, suas "bases eleitorais", para aparecer nas fotos recepcionando os enviados pelo Mais Médicos, seguindo estratégia traçada por Brasília, como mostrou O Globo recentemente. Não importa se deveriam estar cuidando de assuntos que não têm nada a ver com a saúde dos brasileiros. O que conta é fazer campanha.
Os auxiliares da presidente agem com toda esta desenvoltura porque o exemplo vem de cima. Dilma dedica dias e dias de seu mandato a voar pelo Brasil fazendo campanha, a pretexto de estar entregando alguma coisa, ainda que seja meia dúzia de diplomas ou um par de chaves de caminhões. Até meados de outubro, a presidente passara 51 dias do ano em deslocamentos pelo país - média de um dia por semana, segundo a Folha de S.Paulo.
A presidente acha "um absurdo" quando afirmam que o que ela está fazendo é pré-campanha, como disse em entrevista ao grupo RBS, publicada hoje pela Zero Hora e pelo Diário Catarinense.
Mas não há meias-palavras para descrever o que se passa hoje nos gabinetes de Brasília, a começar pelo mais importante deles, situado no terceiro andar do Palácio do Planalto:
não existe mais governo - se é que um dia chegou a existir; existe é um bando de gente em plena campanha eleitoral.
ITV
10 de novembro de 2013
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