Poderia ser um deboche, se o autor da frase fosse outra pessoa, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve ter falado seriamente ao qualificar como "bom resultado" a inflação de outubro - 0,57%. Bom para quem? Não para os consumidores, com certeza, nem para quem acompanha, com preocupação crescente, o desarranjo cada vez mais grave da economia brasileira. O aumento de preços no varejo continuou em aceleração no mês passado. A tendência começou em agosto, depois de uma quase estabilidade em julho, quando a alta ficou em apenas 0,03%, uma taxa de país muito civilizado.
O ritmo havia diminuído a partir do início do ano, graças, principalmente, a mais alguns truques do governo, como a redução compulsória das contas de eletricidade e o corte das tarifas de transporte público em várias cidades importantes. Mas o efeito dos truques logo se evaporou e os preços voltaram a um ritmo mais compatível com uma economia muito desajustada.
Segundo o ministro, os números de outubro foram melhores que os previstos. É o consolo principal: podiam ter sido piores. Quanto a isso ele está certo, e essa avaliação tem sido confirmada a cada mês pela aceleração do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência principal para a política monetária administrada pelo Banco Central (BC). "É um IPCA normal para esta época do ano", disse o ministro, referindo-se a preços de alimentos na entressafra, como a carne.
É uma explicação das mais esfarrapadas. A oscilação sazonal de preços da comida, no Brasil, tem sido, há muito tempo, bem menor do que foi até o fim dos anos 80 e qualquer pessoa razoavelmente informada sabe disso. Aumentos importantes são em geral determinados por outros fatores, como a irregularidade do tempo, a variação do câmbio ou alta das cotações internacionais.
O aumento do dólar, desde o meio do ano, pode ter afetado alguns preços, mas nem isso basta para explicar a aceleração dos aumentos a partir de agosto. Mesmo com a pressão cambial, preços no atacado têm perdido impulso. Em outubro, os produtos agropecuários ficaram em média 0,42% mais caros. Em setembro a alta havia sido de 2,04%.
No ano, ficaram 2,33% mais baratos. São dados da Fundação Getúlio Vargas. Além do mais, seria muito difícil, com base em alguns aumentos, como o da carne bovina, explicar a ampla contaminação do sistema de preços. Em outubro, 67,7% dos bens e serviços representados no IPCA ficaram mais caros, segundo informou logo cedo, na quinta-feira, a Rosenberg & Associados. Em setembro, o índice de difusão havia ficado em 57,8%.
Não tem sentido, portanto, repetir o velhíssimo e enganador ritual de apontar o vilão da inflação - num mês a carne, em outro o tomate, em outro a passagem de transporte coletivo e assim por diante. O encarecimento de um bem ou serviço pode afetar os preços relativos, mas só provoca inflação, isto é, só afeta o conjunto dos preços, quando as condições do mercado favorecem a propagação. Um índice de difusão bem superior a 60% reflete de forma indiscutível essas condições.
Mesmo com aumento de juros e alguma retração do consumidor, a demanda continua vigorosa, alimentada por um elevado nível de emprego, ganhos ainda robustos para boa parte das famílias e crédito em expansão. Adicione-se a isso um fator especialmente importante - a gastança refletida na deterioração das contas de governo.
O ministro Mantega ainda poderia apontar um resultado aparentemente positivo: em 12 meses o IPCA aumentou 5,84%. Essa foi a menor taxa desde o início do ano. Mas repetiu a registrada em dezembro de 2012 e, além disso, é preciso levar em conta dois pontos: 1) o acumulado voltará a subir, se for mantida a aceleração mensal; e 2) a inflação continua muito longe da meta oficial, de 4,5%, e muito acima dos padrões observados na maior parte dos países relevantes para o comércio brasileiro.
Não há sinal, por enquanto, de uma efetiva convergência para a meta. Dirigentes do BC, em geral mais realistas que o ministro da Fazenda, continuam mostrando desconforto diante da inflação. O ministro deveria levá-los mais a sério.
10 de novembro de 2013
Editorial do Estadão
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