"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 10 de novembro de 2013

DOBRANDO ESQUINAS



 
É assim: na juventude a gente vai dobrando as esquinas e se embriagando, encantado com tanta novidade, com tanta gente atraente, com tanta festa e com tanto comportamento para descartar. Aprendizados, experiências, afirmação, topadas, persistência e lá prosseguimos na direção de um sonho, ora individual, ora partilhado com o desejo dos pais.
Na velhice, a gente vai andando e em cada esquina aparece uma assombração massacrando a razão, o justo, a ética, o respeito devido aos outros. Nem vamos considerar valores e princípios que são variantes da educação familiar, da crença ou descrença, do ambiente, da época. Mas podemos destacar o trivial do desprezo aos costumes e da coerência dos atos destes “civilizados” líderes, heróis, ídolos fabricados, segundo a conveniência do poder.
O poder local, obediente, ajoelhado diante de um poder maior, palpável, visível, irracional, ambicioso, violento, cruel, corrupto, corruptor, insensível, sarcástico. Um poder que anula a individualidade  e faz das liberdades farrapos, promete mundos e fundos e vende o que não lhe pertence nem foi obtido com seu trabalho, pelo melhor preço, pago em segredo, negociado a portas fechadas com bandidos e traficantes, “investidores” que querem controlar a humanidade.
Na cadeia de comando da base, estão os que executam a tarefa de manter nossas vidas na corda bamba. Os sustos que antes eram servidos em conta gotas, deixando algum espaço para a respiração, agora sufocam: o olhão do big brother nos vigia em toda parte, onde a morte ronda e mantém em suspense medroso cada ato de vida.
Um velho amigo, daqueles únicos conhecedores dos mais íntimos e confusos pensamentos da gente, na solidão dos últimos dias, me dizia que finalmente podia entender os sentimentos do burro, aquele que aparece em gravuras antigas, esquálido, perseguindo a cenoura ou feixe de capim sustentado à sua frente na ponta de uma vara, inalcançável. Meu velho amigo disse que, em sua condição de “burro”, havia dobrado os joelhos, exausto, com os olhos fechados, livre da miragem de cenouras e feixes de capim.
Ele utilizou as liberdades com a consciência que cada situação exigia, para não molestar os outros. Não a liberdade singular de fazer o que dá na telha. Mas as liberdades tradicionalmente aceitas pelos costumes, aquelas que não ferem as leis. A consciência do indivíduo livre, presente na evolução do mundo, como ponto de equilíbrio no processo de civilidade. Diferente das ideologias, filosofias, crenças que induzem à aniquilação, forma política que serve aos jogadores vorazes.
Consciência diferente das “opiniões” incutidas pela histeria dos meios de comunicação, que facilitam a nova ordem do mundo de cabeça pra baixo, com a dieta diária de imagens de sofrimento, decepção, medo que invade os lares e os corações das famílias em decomposição, sem poder mais que dizer amém a qualquer um que “prometa mundos e fundos” para mudar a situação crítica do terrorismo apadrinhado por leis confusas, interpretadas em benefício do Estado e sua corte. Tudo planejado e distribuído como o pão de cada dia pelas campanhas de propaganda.
A personificação do crime organizado está nas ruas explorando o caos. A guerra da propaganda do terrorismo é político. Os atos e os fatos  que os entendidos apresentadores de telejornais nos mostram todos os dias, situando facções opostas, apenas para esconder a vontade unificada dos bastidores do poder. Conduzem-nos como macacos. saltando de galho em galho, de uma crise para outra, de uma decepção para outra, de uma promessa para outra. Presencio isto há mais de meio século.
“O tempo é um verdadeiro sedativo para a dor: ou o sofrimento desaparece ou a pessoa aprende a viver com ele.” Como antecedeu Bertrand Russel, a propaganda nos faz pensar que “a neve é negra” e que a escuridão é luz. Os governantes trabalham em segredo e permitem que suas agências de inteligência funcionem impunes e sem supervisão, os homens que estão por trás da cena podem sequestrar os nobres ideais de liberdade, jogar as pessoas umas contra as outras, as nações umas contra as outras. Semeiam os conflitos, para vender soluções.
Dobrando a última esquina disponível, na condição de burro ou macaco, é gratificante pensar que o indivíduo livre preserva valores, que a liberdade é um valor que abre caminhos para as ações morais. Mas nada disto interessa aos professores, nem aos formadores de opinião, nem aos governantes, nem às pessoas importantes que “fazem a história”.
Como dizia Guimarães Rosa: “viver é muito perigoso”. Mas pombas! Inda é bonito ver quando uma individualidade se destaca contra a corrente, contra a rotina esmagadora e estende a mão para ajudar, com uma invenção, com uma canção ou com um pedaço de pão.
O coração bate forte e o pensamento utópico invade as células: ainda é possível que um dia, não sei quando nem como, prevaleça o que se espera como salvação. Isto presume a certeza de que no momento estamos em guerra? Ou que a situação é caótica? Ou que a esperança é uma quimera? Ou que a velhice aprofunda a ignorância e a babaquice?

10 de novembro de 2013
Arlindo Montenegro é Apicultor.

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