O ministro da Fazenda afirma que há um visível exagero nas críticas sobre a gestão da política fiscal e garante que o pior já passou
SÃO PAULO — Para o ministro da Fazenda, a situação das contas públicas chegou ao seu pior momento em setembro, mas tende a melhorar. Em outubro, novembro e dezembro, previu, haverá resultados positivos no superávit primário, economia para pagar juros. Numa entrevista de uma hora e meia na sede do Banco do Brasil, na Avenida Paulista, na tarde de sexta-feira, ele falou sobre inflação, reajuste da gasolina e autonomia do Banco Central.
A economia vive um inferno astral?
—Não sei se é uma expressão apropriada, mas certamente setembro foi o pior mês do ponto de vista da política fiscal. Pior num processo de transição, saindo para uma situação melhor. Tivemos um gasto de INSS maior por causa de décimo terceiro e de gastos extraordinários, e a conta pelo uso das usinas térmicas foi de R$ 2,5 bilhões, por causa da seca. O governo está pagando para não subir a tarifa (de luz), o que prejudicaria a indústria, o comércio e o consumidor. Além disso, a receita está menor por duas razões. Primeiro, o crescimento (do PIB) em 2012 foi menor e, com isso, arrecada-se menos. Segundo, para propiciar uma recuperação, fizemos desonerações (de tributos). Mas a situação é passageira, e o resultado primário será positivo em outubro, novembro e dezembro.
Por que o mercado continua crítico, até com ameaça de revisão de rating?
—Você tem de olhar não só a árvore, mas também a floresta. Há um visível exagero (nas críticas) e duvido que venham do setor produtivo. O Brasil é um dos países que têm tido uma das melhores performances fiscais do mundo nos últimos dez ou 15 anos. (Aí, ele mostra um gráfico do FMI com os números do G-20 que colocam o Brasil como a terceira melhor performance, só atrás de Arábia Saudita e Itália). A projeção deles (do FMI) é de (superávit) primário de 1,9% do PIB e déficit nominal de 3%. Disseram que o Brasil seria o primeiro país dos Brics a ser rebaixado. No dia seguinte, a S&P (Standard & Poor’s) fez uma declaração contrária.
Por que o senhor aposta que o resultado fiscal vai melhorar?
— Porque muitas desonerações podem ser retiradas. A única que vai até 2014 é a da folha de pagamento. O crédito nos bancos públicos também pode refluir. Além disso, há o resultado das concessões, não só de Libra. Ainda haverá os leilões de Galeão e Confins, o pacote de rodovias, mais uma rodada de petróleo e gás em novembro e os leilões de linhas de transmissão de energia elétrica.
Como o senhor viu a avaliação do ex-ministro Delfim Netto de que a perspectiva futura preocupa?
— Conversei com ele por telefone. Mostrei todos os nossos planos, e ele falou que vamos bem. Estamos tomando várias iniciativas, como a volta (às alíquotas cheias) do IPI de linha branca, de automóveis. Abrimos a discussão em torno do pagamento do abono e seguro-desemprego.
O senhor disse que não será possível cumprir a meta ajustada de superávit primário de 2,3% do PIB...
—A meta do governo central é de R$ 73 bilhões, que devemos alcançar. Os governos estaduais teriam de entregar uma meta de cerca de R$ 50 bilhões e, até agora, fizeram R$ 18 bilhões. Então, não sei se vão cumprir, mas estou dando um estímulo: não estamos liberando dinheiro para os estados, via BNDES, BB e Caixa. Isso fará com que tenham um (superávit) primário maior, é inevitável. Os estados têm de pagar todo mês a dívida, que é 13% da receita corrente líquida e, como não vão receber fluxo novo, não vão gastar mais.
Qual sua previsão para o PIB brasileiro em 2014?
— Se ficar como está, sem uma recuperação internacional, dá para chegar a 3%. Mas com a recuperação internacional, modesta, mas ainda uma recuperação, dá para chegar a 4%.
A revista “The Economist” já sugeriu a sua demissão. Deve incomodar muito do ponto de vista pessoal, mas na condução da política econômica, na relação com outros ministros e com a presidente Dilma, atrapalha?
— É normal que existam pressões econômicas, de setores que sofreram perdas ou estão descontentes. Quando a “The Economist” fez essa reportagem, citou a opinião de um investidor. Era um fundo que deveria estar descontente porque baixamos a taxa básica de juros nesse período e por causa do câmbio em 2012.
Por que está tudo tão caro no Brasil? Os preços estão fora do padrão?
— É por causa do câmbio, mas tínhamos algumas pressões de preços. A energia elétrica, por exemplo, era uma delas, e fizemos uma correção.
O déficit externo tem crescido rapidamente e preocupa, não?
— Isso tem a ver principalmente com a conta petróleo, que representa US$ 17 bilhões. Por quê? A nossa produção de petróleo atrasou um pouco e temos que acelerar as refinarias (para produzir mais derivados de petróleo). Mas a curva de produção da Petrobras é ascendente a partir de 2014. Além disso, o Brasil tem um fluxo de capital externo maior que a soma de México, Peru e Colômbia. Mas o turista continua fazendo a festa, apesar do dólar. E o governo está fazendo a coisa certa. Mas a gente apanha porque tem cachorro e apanha porque não tem...
Quem reclama mais?
— Reclama quem ganhava com arbitragem (entre juros e câmbio), mas o Brasil continua sendo uma boa alternativa. O Tesouro fez uma venda de títulos no exterior e a demanda foi de US$ 10 bilhões. Atendemos US$ 3,2 bilhões. O Brasil fez este ano o maior IPO (oferta inicial de ações) do mundo, do BB Seguridade.
E o reajuste da gasolina? O senhor é contra a fórmula apresentada pela Petrobras?
— A fórmula tem que ser muito bem elaborada. Não podemos ter um modelo que vá indexar a economia. Não adianta ser boa para uma coisa e estragar a outra. Não pode fazer de improviso. A Petrobras tem um sistema de correção que vem usando há um longo tempo.
A Petrobras foi usada politicamente para segurar preços e a inflação?
— Não, absolutamente. Antes de maio, os preços estavam alinhados. Houve três reajustes de gasolina e diesel. A gasolina estava empatando com o mercado externo e o diesel, até mais caro. O que desalinhou? O câmbio e o Fed (BC americano).
Se tiver que subir a gasolina, vai ser independentemente do que acontecer com a inflação?
— Todo ano tem reajuste e continuará. Claro que se pode observar o cenário (de inflação), mas a decisão é autônoma.
O senhor é a favor da autonomia do Banco Central?
— Eu acho que o BC já tem autonomia. Ela existe desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Não se mudou nada. Não acho que seja preciso mudar.
10 de novembro de 2013
Cristina Alves, Agnaldo Novo e Ascânio Seleme - O Globo
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