"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 22 de abril de 2018

TEMPERAMENTO DE BARBOSA, O 'NOVO' DA VEZ, É VIRTUDE E ARMADILHA PARA ELEIÇÃO

Boa colocação no Datafolha é turvada por dúvidas sobre ideias práticas e viabilidade política

A estreia numericamente bem-sucedida de Joaquim Barbosa na corrida eleitoral, em meio à pasmaceira geral fotografada pelo Datafolha em sua mais recente pesquisa, atiçou o mercado de observação da espiral entrópica que traga o país desde 2013.

Seria enfim o ex-ministro do Supremo o verdadeiro “outsider” da eleição? A resposta é um cauteloso "agora, sim", mas isso não é necessariamente uma boa notícia para suas pretensões eleitorais.

Primeiro, ao personagem. Um menino negro e pobre que ascendeu socialmente num país desigual e chegou à sua corte suprema, enfrentando uma vez lá os poderes constituídos. Não é preciso ser um gênio do marketing para identificar a excelente embalagem do produto.

A questão maior é sobre outro aspecto a ser vendido: a personalidade de Barbosa. Ministro do STF, ele colecionou animosidades com seus antípodas da corte, embora perto do que se registra hoje no tribunal elas soem quase como provocações pueris.

Foi acusado por pares de autoritarismo, em especial no transcurso do mensalão, caudaloso processo que relatou e foi concluído sob sua presidência. Até aí, ponto para Barbosa candidato: aquele julgamento foi um prenúncio da vaga moralizante que tomou o país com a Lava Jato, cabo eleitoral de primeira.

A coisa complica quando se sai do campo da retórica incisiva e se entra na realidade, materializável na forma de debates e interpelações de jornalistas.

Barbosa não é exatamente permeável ao que considera crítica. Está condenado em segunda instância no Distrito Federal por ter mandado um repórter que lhe fez perguntas legítimas “chafurdar no lixo” em 2013 —para sua sorte, danos morais não estão no rol de crimes fatais da Lei da Ficha Limpa, senão estaria inelegível.

Um ano antes, misturara esse tom autoritário com o delicado tema do racismo, premente como sempre num país como o Brasil. Um repórter negro como Barbosa perguntou se ele estava mais sereno, dado seu histórico de atritos no STF. “Logo você, meu brother?” cobrou, dizendo que ele o questionava baseado em “estereótipos” que “eles (os jornalistas brancos presentes) foram educados e comandados para levar adiante”. É o tipo de entendimento do papel da imprensa que se vê no PT, PSOL e assemelhados.

Se tudo isso parece lateral, lembrem o preço que Ciro Gomes já pagou (e parece se coçar para pagar de novo neste ano) por sua intemperança. Há eleitor que pode até gostar disso, vide a resiliência de Jair Bolsonaro, mas é um atalho bem seguro para o fracasso à frente.

Além disso, existe também uma boa dose de dúvida sobre o que de fato Barbosa pensa sobre temas como a gestão econômica do país. Por relatos de terceiros, é um crítico de reformas vitais como a da Previdência, algo temerário com a inviabilidade fiscal do país no horizonte. É preciso escolher que cruz beijar.

Quando estava no STF, se queixava de como a pauta da corte em suas repercussões gerais era dominada pelo “poder econômico”, o que traía um pouco do petismo que ele apoiou no passado, ao votar em Lula. No ano passado, contudo, falou mais comedidamente sobre a necessidade de um Estado menos empresário.

Outro aspecto de sua eventual candidatura diz respeito ao PSB, seu partido. A sigla é mais uma federação de interesses regionais, Pernambuco à frente. A confiabilidade do PSB é tão notória que a sigla conseguiu a façanha de fazer o velho comunista Aldo Rebelo querer ser presidenciável no colo de Paulinho da Força. Benzadeus.

O PSB terá um palanque vistoso em São Paulo com Márcio França, mas só o fato de ele ter sugerido que Barbosa poderia ser vice de Geraldo Alckmin (PSDB) soa suficiente para o ex-ministro espetar umas agulhazinhas em sua efígie. Ainda assim, se a candidatura sair do papel, a estrutura dos pessebistas ultrapassa em muito a da Rede de Marina Silva, que concorre numa faixa semelhante.

Tudo isso diz respeito à eleição, que de resto ainda está bem distante. O que viria depois, a necessidade de composição com um Congresso apodrecido moralmente e vitaminado politicamente é um trabalho que parece nada digerível a Barbosa. Sobre qual plataforma o ex-ministro concorreria então?

Meu palpite: temperado com responsabilidade econômica retórica, buscaria alguma proposta disruptiva com tons de antipolítica visando atrair a unção do voto, apesar da contradição óbvia de estar numa sigla tradicional. Questionado no poder, PT tentou isso várias vezes, com suas ideias de Constituinte exclusiva para reforma política. Deu em nada. Collor, na economia, foi por essa seara salvacionista. Deu no que deu.

Cenário colocado, em que aparentes virtudes podem esconder armadilhas fatais, Barbosa é o novo da vez.


22 de abril de 2018
Igor Gielow, Folha de SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário