"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 22 de abril de 2018

NADA DE ERRADO COM O PACIENTE

Os consumidores ainda sofrem como medo do desemprego

Como interpretar a fraqueza dos indicadores econômicos nos últimos meses, enquanto se esperava uma aceleração por conta do efeito crescente do corte dos juros pelo BC? Será que a recuperação será bem mais lenta do que o esperado ou trata-se de um sinal falso de perda de fôlego? Em outros tempos, flutuações de curto prazo não gerariam maiores comentários. Mas depois de uma crise severa e com eleições pela frente, a lenta recuperação gera incômodo.

A crise dos últimos anos não foi uma crise qualquer, pois afetou duramente as finanças de empresas e consumidores. Não se pode esperar, portanto, uma volta rápida da economia, como foi na crise global de 2008/09, quando os fundamentos domésticos não foram afetados pelo choque externo. Esta última crise foi “made in Brazil” e machucou muito.

Os consumidores ainda sofrem com o medo do desemprego e com o elevado montante de dívidas em atraso em relação à sua renda. Ambos indicadores recuam lentamente e limitam a melhora da confiança. A volta do consumo tende a ser lenta e em etapas. Neste primeiro trimestre, por exemplo, houve um expressivo aumento de licenciamento de automóveis. Nas atuais condições, é natural que os outros setores fiquem para trás, pois o consumidor tende a ser mais conservador na decisão de adquirir outros bens e serviços.

Do lado das empresas, a situação financeira tem melhorado, mas também aos poucos.

As dívidas em atraso e a inadimplência na PJ estão em queda, mas os patamares são elevados. As concessões de crédito avançam e a qualidade do crédito melhora. Para se ter uma ideia, em 2015-16 o crédito que crescia era o associado a problemas de caixa, como cheque especial e cartão de crédito rotativo. Agora crescem linhas associadas à antecipação de receitas.

Não há muito apetite para investimentos, sendo difícil apontar o que decorre da dificuldade financeira de muitas empresas ou das incertezas eleitorais. Talvez seja mais o primeiro. Exemplo disso é a construção civil, onde empresas capitalizadas já estão investindo.

A oferta de crédito se recupera aos poucos, deixando para trás o descompasso em relação à demanda. Reflexo disso é o recuo dos spreads (diferencial entre taxa de juros final e custo de captação dos bancos). Enquanto isso, aumenta o acesso das empresas ao mercado de capitais.

Já os pedidos de recuperação judicial, após o recuo em 2017, iniciam 2018 sem motivos para celebração. E a redução do estoque de ativos problemáticos nos bancos tem sido lenta.

Este quadro acaba limitando a geração de empregos.

O mercado de trabalho perdeu o fôlego. Após um crescimento importante do emprego sem carteira e do trabalho por conta própria, ocorreu uma natural acomodação que não foi ainda compensada pela geração de empregos com carteira.

Além da dificuldade financeira das empresas, principalmente as pequenas e médias, vale notar que justamente a indústria, que é o setor que menos emprega, lidera a recuperação, até porque sentiu a crise primeiro.

Enfim, alguns fatores podem estar limitando a recuperação da atividade, mas talvez trate-se apenas de oscilações naturais de uma economia que ainda está arrancando e sente as turbulências.

Há ainda dois atenuantes. Primeiro, os estoques estão relativamente baixos na indústria. Estivessem elevados, a conversa seria outra.

O segundo está associado à informalidade. Assim como o emprego informal correu na frente do formal neste início de recuperação, o mesmo pode estar ocorrendo na oferta de bens e, principalmente, serviços. Os indicadores de atividade que não capturam o mercado informal podem estar subestimando a retomada. O segmento de turismo, por exemplo, celebrou o grande movimento no carnaval, sem que isso se refletisse no indicador de serviços no IBGE.

Por ora, não é possível afirmar que há algo de errado com o paciente. O problema é que a doença foi séria e afetou sua capacidade de reação à medicação. Além disso, os instrumentos para medir seus sinais vitais não são muito precisos.


22 de abril de 2018
Zeina Latif, Estadão

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