Os consumidores ainda sofrem como medo do desemprego
Como interpretar a fraqueza dos indicadores econômicos nos últimos meses, enquanto se esperava uma aceleração por conta do efeito crescente do corte dos juros pelo BC? Será que a recuperação será bem mais lenta do que o esperado ou trata-se de um sinal falso de perda de fôlego? Em outros tempos, flutuações de curto prazo não gerariam maiores comentários. Mas depois de uma crise severa e com eleições pela frente, a lenta recuperação gera incômodo.
A crise dos últimos anos não foi uma crise qualquer, pois afetou duramente as finanças de empresas e consumidores. Não se pode esperar, portanto, uma volta rápida da economia, como foi na crise global de 2008/09, quando os fundamentos domésticos não foram afetados pelo choque externo. Esta última crise foi “made in Brazil” e machucou muito.
Os consumidores ainda sofrem com o medo do desemprego e com o elevado montante de dívidas em atraso em relação à sua renda. Ambos indicadores recuam lentamente e limitam a melhora da confiança. A volta do consumo tende a ser lenta e em etapas. Neste primeiro trimestre, por exemplo, houve um expressivo aumento de licenciamento de automóveis. Nas atuais condições, é natural que os outros setores fiquem para trás, pois o consumidor tende a ser mais conservador na decisão de adquirir outros bens e serviços.
Do lado das empresas, a situação financeira tem melhorado, mas também aos poucos.
As dívidas em atraso e a inadimplência na PJ estão em queda, mas os patamares são elevados. As concessões de crédito avançam e a qualidade do crédito melhora. Para se ter uma ideia, em 2015-16 o crédito que crescia era o associado a problemas de caixa, como cheque especial e cartão de crédito rotativo. Agora crescem linhas associadas à antecipação de receitas.
Não há muito apetite para investimentos, sendo difícil apontar o que decorre da dificuldade financeira de muitas empresas ou das incertezas eleitorais. Talvez seja mais o primeiro. Exemplo disso é a construção civil, onde empresas capitalizadas já estão investindo.
A oferta de crédito se recupera aos poucos, deixando para trás o descompasso em relação à demanda. Reflexo disso é o recuo dos spreads (diferencial entre taxa de juros final e custo de captação dos bancos). Enquanto isso, aumenta o acesso das empresas ao mercado de capitais.
Já os pedidos de recuperação judicial, após o recuo em 2017, iniciam 2018 sem motivos para celebração. E a redução do estoque de ativos problemáticos nos bancos tem sido lenta.
Este quadro acaba limitando a geração de empregos.
O mercado de trabalho perdeu o fôlego. Após um crescimento importante do emprego sem carteira e do trabalho por conta própria, ocorreu uma natural acomodação que não foi ainda compensada pela geração de empregos com carteira.
Além da dificuldade financeira das empresas, principalmente as pequenas e médias, vale notar que justamente a indústria, que é o setor que menos emprega, lidera a recuperação, até porque sentiu a crise primeiro.
Enfim, alguns fatores podem estar limitando a recuperação da atividade, mas talvez trate-se apenas de oscilações naturais de uma economia que ainda está arrancando e sente as turbulências.
Há ainda dois atenuantes. Primeiro, os estoques estão relativamente baixos na indústria. Estivessem elevados, a conversa seria outra.
O segundo está associado à informalidade. Assim como o emprego informal correu na frente do formal neste início de recuperação, o mesmo pode estar ocorrendo na oferta de bens e, principalmente, serviços. Os indicadores de atividade que não capturam o mercado informal podem estar subestimando a retomada. O segmento de turismo, por exemplo, celebrou o grande movimento no carnaval, sem que isso se refletisse no indicador de serviços no IBGE.
Por ora, não é possível afirmar que há algo de errado com o paciente. O problema é que a doença foi séria e afetou sua capacidade de reação à medicação. Além disso, os instrumentos para medir seus sinais vitais não são muito precisos.
22 de abril de 2018
Zeina Latif, Estadão
Como interpretar a fraqueza dos indicadores econômicos nos últimos meses, enquanto se esperava uma aceleração por conta do efeito crescente do corte dos juros pelo BC? Será que a recuperação será bem mais lenta do que o esperado ou trata-se de um sinal falso de perda de fôlego? Em outros tempos, flutuações de curto prazo não gerariam maiores comentários. Mas depois de uma crise severa e com eleições pela frente, a lenta recuperação gera incômodo.
A crise dos últimos anos não foi uma crise qualquer, pois afetou duramente as finanças de empresas e consumidores. Não se pode esperar, portanto, uma volta rápida da economia, como foi na crise global de 2008/09, quando os fundamentos domésticos não foram afetados pelo choque externo. Esta última crise foi “made in Brazil” e machucou muito.
Os consumidores ainda sofrem com o medo do desemprego e com o elevado montante de dívidas em atraso em relação à sua renda. Ambos indicadores recuam lentamente e limitam a melhora da confiança. A volta do consumo tende a ser lenta e em etapas. Neste primeiro trimestre, por exemplo, houve um expressivo aumento de licenciamento de automóveis. Nas atuais condições, é natural que os outros setores fiquem para trás, pois o consumidor tende a ser mais conservador na decisão de adquirir outros bens e serviços.
Do lado das empresas, a situação financeira tem melhorado, mas também aos poucos.
As dívidas em atraso e a inadimplência na PJ estão em queda, mas os patamares são elevados. As concessões de crédito avançam e a qualidade do crédito melhora. Para se ter uma ideia, em 2015-16 o crédito que crescia era o associado a problemas de caixa, como cheque especial e cartão de crédito rotativo. Agora crescem linhas associadas à antecipação de receitas.
Não há muito apetite para investimentos, sendo difícil apontar o que decorre da dificuldade financeira de muitas empresas ou das incertezas eleitorais. Talvez seja mais o primeiro. Exemplo disso é a construção civil, onde empresas capitalizadas já estão investindo.
A oferta de crédito se recupera aos poucos, deixando para trás o descompasso em relação à demanda. Reflexo disso é o recuo dos spreads (diferencial entre taxa de juros final e custo de captação dos bancos). Enquanto isso, aumenta o acesso das empresas ao mercado de capitais.
Já os pedidos de recuperação judicial, após o recuo em 2017, iniciam 2018 sem motivos para celebração. E a redução do estoque de ativos problemáticos nos bancos tem sido lenta.
Este quadro acaba limitando a geração de empregos.
O mercado de trabalho perdeu o fôlego. Após um crescimento importante do emprego sem carteira e do trabalho por conta própria, ocorreu uma natural acomodação que não foi ainda compensada pela geração de empregos com carteira.
Além da dificuldade financeira das empresas, principalmente as pequenas e médias, vale notar que justamente a indústria, que é o setor que menos emprega, lidera a recuperação, até porque sentiu a crise primeiro.
Enfim, alguns fatores podem estar limitando a recuperação da atividade, mas talvez trate-se apenas de oscilações naturais de uma economia que ainda está arrancando e sente as turbulências.
Há ainda dois atenuantes. Primeiro, os estoques estão relativamente baixos na indústria. Estivessem elevados, a conversa seria outra.
O segundo está associado à informalidade. Assim como o emprego informal correu na frente do formal neste início de recuperação, o mesmo pode estar ocorrendo na oferta de bens e, principalmente, serviços. Os indicadores de atividade que não capturam o mercado informal podem estar subestimando a retomada. O segmento de turismo, por exemplo, celebrou o grande movimento no carnaval, sem que isso se refletisse no indicador de serviços no IBGE.
Por ora, não é possível afirmar que há algo de errado com o paciente. O problema é que a doença foi séria e afetou sua capacidade de reação à medicação. Além disso, os instrumentos para medir seus sinais vitais não são muito precisos.
22 de abril de 2018
Zeina Latif, Estadão
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