São excelentes e primorosas, além de muito bem instruídas com provas documentais, as duas petições que o procurador-geral da República Rodrigo Janot deu entrada às 18h39m desta segunda-feira (dia 21), no Supremo Tribunal Federal, pedindo que o ministro Gilmar Mendes seja considerado suspeito e impedido para funcionar como relator dos Habeas Corpus 146.666 e 146.813, que deram liberdade ao chamado “Rei dos ônibus”, Jacob Barata Filho e ao presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, presos por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Rio.
Para demonstrar que todo juiz precisa ser imparcial e isento, as petições não apenas transcreveram as leis nacionais, que são os Códigos de Processo, Penal e Civil. ACORDOS INTERNACIONAIS – As duas peças invocam, ainda, a jurisprudência do próprio STF e diplomas internacionais que o Brasil subscreveu, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da ONU, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Todos realçam a imperiosidade de juízes isentos e imparciais. São 26 páginas de rica fundamentação e muito difícil de ser rejeitada pela Suprema Corte.
E Janot não tardou em agir. Se tardasse, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, poderia recusar de plano, isto é, de imediato, as duas petições. Isto porque o artigo 279 do Regimento Interno (RI) do STF dispõe que suspeição (e impedimento) de relator só pode ser arguída até 5 dias após a distribuição de processo a relator tido por suspeito e/ou impedido. Como os dois Habeas Corpus foram distribuídos a Gilmar Mendes nos dias 16 e 17 deste mês de agosto, as petições de Rodrigo Janot foram entregues ao STF dentro do prazo (dia 21) e por isso não podem ser recusadas pela presidente Cármen Lúcia.
REDAÇÃO ERRADA – Vai aqui uma observação: este artigo 279 do RI/STF precisa ser modificado. E se a suspeição ou o impedimento de relator for superveniente à distribuição, o relator deixa de ficar impedido e/ou suspeito e a parte perde o direito de ingressar com a arguição? Exemplo: se durante a tramitação de qualquer processo no STF, o relator venha ser padrinho de casamento da filha ou do filho de uma das partes envolvidas no processo, a parte contrária perde o direito de levantar a suspeição e/ou o impedimento do relator pelo fato do esgotamento do prazo de 5 dias, contados, quiçá meses ou anos atrás, quando ocorreu a distribuição?
Não podendo rejeitar as petições de Janot, a presidente Cármen Lúcia mandará ouvir Gilmar Mendes. É o que determina o artigo 282 do RI/STF. Caso Gilmar Mendes reconheça o impedimento e/ou a suspeição contra ele levantadas, o processo de arguição termina, as decisões de Gilmar se tornam nulas (o que forçosamente fará repristinar, isto é, restabelecer os efeitos e eficácia dos decretos de prisão do juiz Marcelo Bretas, com a recondução de Barata & Teixeira ao cárcere), outro relator será sorteado e Gilmar Mendes se tornará impedido até de participar da votação quando os Habeas Corpus forem apreciados, coletivamente, pela turma ou pelo plenário.
ACHA-SE INSUSPEITO – Mas tudo indica que o ministro Gilmar Mendes não se dará por suspeito nem impedido, confirmando o que tem declarado à imprensa e notas que o próprio ministro tornou públicas. Então os processos de arguição prosseguem, ouvindo-se ou não testemunhas, produzindo-se provas e ao final da instrução processual e quando tudo terminar, será da competência do plenário do STF dar a palavra final. Ou seja, Gilmar será julgado por seus colegas, que dirão se o ministro é ou não é suspeito e/ou impedido. Que não se despreze a possibilidade de que tudo isso corra em segredo de justiça, embora nenhuma lei assim autorize. Mas o STF, por ser a mais alta corte de Justiça do país, pode tudo o que à corte convém. São absolutos. Acima do STF não existe mais uma instância a quem recorrer. O STF dá a palavra final. “Roma locuta, causa finita”, como nos legaram os romanos.
Mas se o julgamento for aberto, sem ocultação e transmitido pela TV Justiça, como são todas as sessões do plenário do STF, o povo brasileiro terá a rara, e quiçá a única, oportunidade de ver um ministro da corte sendo julgado por seus pares. Isso será inédito.
DE SAIA JUSTA – Não será uma causa ou um voto de um ou mais ministros que estará sendo debatido e julgado, como acontece de ordinário nos julgamentos dos recursos da competência do plenário. O que será julgado é o comportamento, a atitude, o gesto de Gilmar Mendes, que não se considerou impedido nem suspeito de julgar seu compadre, o empresário Jacob Barata, pai de sua afilhada de casamento e de quem se tornou padrinho.
Este é o fato que certamente deixará os colegas ministros de Gilmar Mendes de “saia justa”, como se diz popularmente, sem que a expressão constitua irreverência, ainda que levíssima. “Saia justa” é uma expressão bem brasileira. É gíria (“argot”, lá na França) bem familiar e usada pela mídia em geral. Mas os senhores ministros não deixarão “a peteca cair” (outra inocente gíria brasileira). Todos vão decidir dentro da serenidade, isenção, e sem acovardamento.
E por falar em acovardamento, lembremos o próprio Gilmar Mendes, que não tolera juiz covarde. Dois ou três dias atrás o próprio Gilmar Mendes bradou, com sua voz tonitruante: “O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde, como dizia Rui Barbosa”. De pleno acordo, senhor Ministro. Nem covarde, nem parcial, nem impedido ou suspeito.
23 de agosto de 2017
Jorge Béja
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