Presidente da República pode criar, extinguir ministérios, nomear e destituir seus ministros. Ele é o chefe da Nação e sabe o que convém, ou não, à sua boa administração. Assim é, pelo menos idealmente. Mas a liberdade para criar, extinguir ministérios e nomear ministros não chega a ser uma prerrogativa absoluta, discricionária, prepotente e arbitrária de um presidente da República. Nem muito menos prerrogativa imune e fora do alcance das intervenções dos poderes Legislativo e Judiciário. A criação de um ministério exige que o presidente da República envie ao Congresso um projeto de lei, porque a decisão presidencial precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. Caso contrário, o ministério não é criado. E o projeto de lei precisa estar muito bem justificado para permitir a sua criação, ou extinção.
Não se cria ministério nem se nomeia ministro por capricho. Muito menos por razões escusas. Os imperativos são a necessidade e a supremacia do interesse público. E quando as disposições constitucionais para a criação de um ministério e nomeação de ministro não forem adequadas, aí entra o Judiciário para dizer o Direito e desfazer o que foi feito ao arrepio da Carta Magna e das leis.
SECRETÁRIO NÃO É MINISTRO – A Secretaria-Geral da Presidência da República é um órgão. E o cargo que o titular deste órgão ocupa não pode ser outro, a não ser o de secretário-geral, assim como o português António Guterres é o novo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Secretaria é secretaria. Ministério é ministério. Um ministro não é secretário e nem um secretário é ministro. Questão de lógica. De nomenclatura. De razoabilidade e bom-senso.
Mas o presidente Michel Temer, que prometeu “enxugar” a máquina administrativa federal, extinguindo ministérios, recriou a Secretaria-Geral da presidência da República e outorgou a seu titular o status de Ministro do Estado. Como Temer fez isso? Através de Medida Provisória, instrumento que a Constituição Federal de 1988 criou somente para ser usado em casos de relevância urgência, uma vez que passa a ter força de lei desde o momento da sua expedição.
MEDIDA EXTREMA? – E por que Temer agiu dessa maneira? Para proteger Moreira Franco e dar-lhe a prerrogativa de somente ser investigado, processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, a corte em que os processos se eternizam e chegam à prescrição.
Citado 34 vezes em delação premiada, formalmente processada, instrumentalizada e homologada pelo STF, e apontado como beneficiário de dinheiro sujo, Temer tratou logo de baixar às pressas uma Medida Provisória (nº768, de 2.2.2017), criando ou recriando essa tal secretária-geral e pondo nela Moreira Franco na condição de ministro de Estado. Que tudo isso aconteceu por interesse público é que não foi. Nem é preciso fazer prova dessa afirmação. O ato presidencial e as circunstâncias são a prova suficiente e inconteste.
MORALIDADE ADMINISTRATIVA – Não, não está correto. Não é decente. É molecagem. É grave ultraje à consciência jurídica e inominável desrespeito ao princípio da moralidade administrativa. Foi um arranjo, uma tapeação, um salvo-conduto intencional para tirar Moreira da jurisdição do juiz federal Sérgio Moro e colocá-lo sob a proteção do STF. Sim, proteção. Porque uma corte de justiça que leva anos e anos para julgar um processo e depois anos e anos para que a decisão seja publicada no Diário da Justiça, é uma corte que dá proteção ao infrator em desfavor do interesse público e do povo brasileiro. Não é corte de Justiça. É corte de injustiça, porque quando a justiça é feita, foi tarde demais e a pena não poderá mais ser cumprida.
Não vai aqui nenhuma censura aos ministros, mas ao excesso de processos para uma corte constitucional. E processos até banais. Semana passada a 2a. turma do STF julgou um caso ocorrido 10 anos atrás em que a mulher era acusada de roubar dois chicletes e um desodorante de uma loja, mercadoria que depois ela própria devolveu ao estabelecimento. A mulher foi absolvida por 3 a 2!
INÚTIL GUERRA DE LIMINARES – Contra esse ato indecoroso de Michel Temer, para proteger Moreira, três ações populares foram propostas junto à Justiça Federal nas capitais de três Estados. Todas receberam liminar anulando o ato de Temer e tirando Moreira do cargo. A liminar do juiz federal de Brasília depois caiu. Foi cassada pelo Tribunal. A do Rio teve um desfecho no Tribunal Regional Federal da 2a. Região que me parece contraditório. O juiz convocado do TRF2 manteve o ministério com Moreira no cargo de ministro mas retirou de Moreira a prerrogativa do foro no STF. Como pode isso?
Sem conhecer o conteúdo da decisão dos desembargadores fica difícil lançar comentário seguro. A princípio, parece contraditória: ou Moreira é ministro do Estado e tem a prerrogativa de foro ou não é ministro.
A liminar do Amapá, na ação popular apresentada por um senador, não se tem notícia do que aconteceu com ela depois.
O certo é que essa guerra de liminares é inócua. A ação popular que vale mesmo é a primeira, a de Brasília, porque o juízo da capital federal é o único territorialmente competente para todas as demais ações, uma vez que foi ele quem despachou a primeira ação em primeiro lugar.
Logo, o juízo federal de Brasília é o juízo chamado de juízo universal para todas as ações populares sobre esse caso Temer-Moreira. Todas as demais deveriam ter sido encaminhadas a ele, juízo universal.
Logo, o juízo federal de Brasília é o juízo chamado de juízo universal para todas as ações populares sobre esse caso Temer-Moreira. Todas as demais deveriam ter sido encaminhadas a ele, juízo universal.
DECISÃO NESTA SEGUNDA – Mas a solução vem mesmo amanhã. Ao menos é o que se espera. Os mandados de segurança dos partidos políticos Rede Sustentabilidade e PSOL estão sob a relatoria do ministro Celso de Mello e o decano do STF prometeu para esta segunda-feira divulgar sua decisão, se liminarmente aceita ou rejeita os mandados de segurança. Se conceder liminar, Moreira afunda de vez. Se não conceder, ainda lhe sobra fôlego até que o plenário do STF julgue o mandado de segurança (MS).
A petição do MS da Rede está fundamentada apenas no desvio de finalidade. Ou seja, que a finalidade verdadeira é proteger Moreira e, não, o interesse público. Que Temer fez-lhe um favor. A petição da Rede, a bem da verdade, não é um primor. Poderia ter sustentado também a imoralidade administrativa. A Lei da Ação Popular, quando foi criada (Lei nº 4717, de 29.6.65), previa a anulação de atos lesivos ao patrimônio público. O desvio de finalidade, era e continua sendo, uma das modalidades de ato lesivo ao patrimônio público. Mas com a Constituição Federal de 1988, a Ação Popular foi mantida e o conceito de “ato lesivo” foi bastante ampliado, incluindo como lesividade, dentre outros, o ato que compromete a moralidade administrativa… (CF, artigo 5º, LXXIII). E o que Temer fez (Dilma tinha feito o mesmo no caso Lula) é de uma imoralidade sem tamanho, não apenas administrativa, como política, ética, filosófica, teológica, sociológica…
E por que não falsidade ideológica também? Sim, porque aquele que omite em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nela inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, não comete o crime de falsidade ideológica previsto no artigo 299 do Código Penal? E a Medida Provisória 768/2017 que Temer assinou expressa a pura verdade no que nela contém?
LACUNAS SERÃO SUPRIDAS – Não importa se a petição do Mandado de Segurança é brilhante ou não. O Direito Brasileiro herdou dos Romanos dois princípios essenciais: “Jura Novit Curia” e “Narrat Mihi Facto Dabo Tibi Ius“. Por um (O juiz conhece o Direito) e/ou por outro (Me narre o fato que te dou o Direito), Celso de Mello, o decano e induvidosamente o mais notável dos magistrados brasileiros em ação, suprirá as lacunas, caso as detecte e decidirá de forma segura e isenta.
E avesso à imoralidades administrativas e senhor do Bom Direito, Celso de Mello nesta segunda-feira vai cassar a MP 768/2017 e, consequentemente, tirar o cargo de ministro de Estado de Moreira Franco.
13 de fevereiro de 2017
Jorge Béja
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