O juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, mandou um duro recado, claríssimo para o meio jurídico, mas nem tanto para a maioria que vive fora do mundo data-venia, ao soltar ontem à noite os oito presos da Operação Custo Brasil - e não apenas o ex-ministro petista Paulo Bernardo, como determinara o ministro do STF Dias Toffoli.
O recado, que está em seu despacho, é simples e cristalino: como a Justiça é (ou deveria ser) cega, o recurso que favorece um acusado deve ser aproveitado para todos os outros na mesma situação. Ainda mais quando emana da mais alta corte do país. Em outras palavras: a decisão de Toffoli restrita a Bernardo foi responsável por impactar toda a Operação Custo Brasil, fruto de longa investigação da PF e MPF, que apura o desvio de R$ 100 milhões de empréstimos consignados, via Ministério do Planejamento e empresa Consit.
Mesmo contra a vontade do MP, que logicamente preferia perder um preso a oito, Bueno de Azevedo optou por aplicar o artigo 580 do Código Penal, que diz o seguinte: “No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”
O juiz entendeu que o fundamento para revogar a prisão preventiva de Bernardo se enquadrava nesta situação, ainda mais que o STF concedeu de ofício um habeas corpus. Ou seja: o ministro Toffoli decidiu por iniciativa própria soltar Paulo Bernardo. Normalmente, o pedido de liberdade teria de ser encaminhado ao TRF e depois ao STJ, já que Paulo Bernardo não tem foro especial.
O que a defesa solicitou ao STF foi que a investigação fosse transferida da Justiça Federal de São Paulo para o Supremo por envolver supostamente a senadora Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo – ela sim, com foro. Isso Toffoli negou. E não poderia ser diferente por uma simples razão: “Os presentes autos foram distribuídos a este Juízo Federal por determinação expressa do próprio Supremo Tribunal Federal”, lembrou o juiz Bueno de Azevedo, que classificou como “leviana” a argumentação dos advogados do ex-ministro.
O juiz discordou ainda da revogação da prisão por continuar “a achar que a expressiva quantia do dinheiro não localizado pode sofrer novos esquemas de lavagem.” E alfinetou: “A doutrina invocada na decisão do Supremo Tribunal Federal fala da possibilidade de prisão preventiva em crimes como ‘homicídio por esquartejamento ou mediante tortura, tráfico de quantidades superlativas de droga, etc.’, o que, a meu ver, reflete a tendência, ainda que inconsciente, de se considerar a existência de riscos apenas em crimes violentos, no mais das vezes cometidos apenas por acusados pobres.”
Quando, em maio de 2014, o ministro do STF Teori Zavascki mandou Curitiba enviar a Brasília os autos da então recém-aberta Operação Lava-Jato e libertar Paulo Roberto Costa, o juiz Sérgio Moro, que já havia remetido ao Supremo a parte que se referia ao então deputado André Vargas (PT-PR), perguntou se a decisão valeria para todos os presos. Moro alertou que alcançaria acusados envolvidos em tráfico e lavagem.
Cuidadoso, Teori voltou atrás, mandou soltar só Paulo Roberto, que seria preso novamente, e logo devolveu o processo para Moro. A partir daí surgiu a Lava-Jato que todos conhecemos. Em outras circunstâncias, com um processo que já era da 6ª Vara Criminal por ordem do STF, Bueno de Azevedo fez o contrário: não aceitou individualizar a decisão de Toffoli, que poderia ser entendida como privilégio a um conhecido político, e mandou soltar todos os acusados.
Como Moro, o juiz federal de São Paulo demonstra ter muita personalidade. Resta saber se a sua Custo Brasil morrerá ou não no ninho. E se novos Moros surgirão.
30 de junho de 2016
Mara Bergamaschi é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 30 de junho de 2016.
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