O ministro das Relações Exteriores, José Serra, discursa na transmissão de cargo no Itamaraty
Para ser fiel ao discurso de posse, em que prometeu ser vigilante com violações da "democracia, liberdades e direitos humanos em qualquer país", o ministro José Serra deve apoiar a iniciativa da Human Rights Watch de pedir à Organização dos Estados Americanos a aplicação da cláusula democrática à Venezuela.
A HRW alega que "o colapso da independência judicial na Venezuela e a consequente propagação das violações aos direitos humanos e da impunidade afetam princípios fundamentais consagrados na Carta [da OEA] e em outros acordos regionais".
Tem toda a razão, mas, para que a OEA possa de fato considerar a petição, é fundamental que um país-membro a respalde.
O Brasil deveria ser o primeiro a fazê-lo. Se a Venezuela de Nicolás Maduro pode dar palpites sobre assuntos internos do Brasil, como o fez ao considerar golpe o impeachment de Dilma, por que o Brasil não pode fazer o mesmo?
Como ensina Marcos Troyjo, em sua coluna online desta quarta-feira (18), "só na superfície, ou no senso comum, agir diplomaticamente é 'colocar panos quentes', 'engolir sapos' ou 'ficar numa boa com a turma toda'. Às vezes, diplomacia é abandonar meias palavras; deve-se falar e agir no tom mais severo possível".
No caso venezuelano não se trata de defender só a democracia, claramente violada pelo governo de Nicolás Maduro, mas de tentar salvar a própria Venezuela.
O cenário atual é descrito à perfeição por Moisés Naïm e Francisco Toro, em artigo para "The Atlantic":
"Nos últimos dois anos, a Venezuela experimentou o tipo de explosão que raramente ocorre em país de renda média como ela, exceto em caso de guerra. As taxas de mortalidade estão disparando; um serviço público depois do outro está entrando em colapso; inflação de três dígitos [720% este ano] deixou mais de 70% da população na pobreza [76%, para ser exato]; uma onda incontrolável de crime mantém as pessoas trancadas em casa à noite; consumidores têm que permanecer na fila por horas para comprar comida; bebês morrem em grande número por falta de remédios simples e baratos e de equipamento nos hospitais, assim como os mais velhos e os que sofrem de doenças crônicas."
Até a esquerda "chavista" (a do Chávez original, não a de seu sucessor desastrado) critica o governo e duvida de sua alegação que trava uma "guerra econômica" e acena com uma invasão que só ele vê.
Escrevem para o sítio "Aporrea", em que essa esquerda se expressa, Toby Valderrama e Antonio Aponte: "Outra vez, o governo fala de guerra, de invasões, de perigos estrangeiros, comportando-se como a criança que fez estragos na cozinha e acusa a irmã, a empregada (...). Que estranho esse governo que nunca se equivoca, não retifica nada, ao contrário, reafirma os decretos e condutas que todos veem que não funcionaram."
Só o referendo revogatório daria aos venezuelanos a chance de escolher um novo governo capaz de tentar condutas que, de repente, funcionem. Mas só a pressão externa permitiria, eventualmente, que ele se torne realidade.
19 de maio de 2016
Clovis Rossi, Folha de SP
Para ser fiel ao discurso de posse, em que prometeu ser vigilante com violações da "democracia, liberdades e direitos humanos em qualquer país", o ministro José Serra deve apoiar a iniciativa da Human Rights Watch de pedir à Organização dos Estados Americanos a aplicação da cláusula democrática à Venezuela.
A HRW alega que "o colapso da independência judicial na Venezuela e a consequente propagação das violações aos direitos humanos e da impunidade afetam princípios fundamentais consagrados na Carta [da OEA] e em outros acordos regionais".
Tem toda a razão, mas, para que a OEA possa de fato considerar a petição, é fundamental que um país-membro a respalde.
O Brasil deveria ser o primeiro a fazê-lo. Se a Venezuela de Nicolás Maduro pode dar palpites sobre assuntos internos do Brasil, como o fez ao considerar golpe o impeachment de Dilma, por que o Brasil não pode fazer o mesmo?
Como ensina Marcos Troyjo, em sua coluna online desta quarta-feira (18), "só na superfície, ou no senso comum, agir diplomaticamente é 'colocar panos quentes', 'engolir sapos' ou 'ficar numa boa com a turma toda'. Às vezes, diplomacia é abandonar meias palavras; deve-se falar e agir no tom mais severo possível".
No caso venezuelano não se trata de defender só a democracia, claramente violada pelo governo de Nicolás Maduro, mas de tentar salvar a própria Venezuela.
O cenário atual é descrito à perfeição por Moisés Naïm e Francisco Toro, em artigo para "The Atlantic":
"Nos últimos dois anos, a Venezuela experimentou o tipo de explosão que raramente ocorre em país de renda média como ela, exceto em caso de guerra. As taxas de mortalidade estão disparando; um serviço público depois do outro está entrando em colapso; inflação de três dígitos [720% este ano] deixou mais de 70% da população na pobreza [76%, para ser exato]; uma onda incontrolável de crime mantém as pessoas trancadas em casa à noite; consumidores têm que permanecer na fila por horas para comprar comida; bebês morrem em grande número por falta de remédios simples e baratos e de equipamento nos hospitais, assim como os mais velhos e os que sofrem de doenças crônicas."
Até a esquerda "chavista" (a do Chávez original, não a de seu sucessor desastrado) critica o governo e duvida de sua alegação que trava uma "guerra econômica" e acena com uma invasão que só ele vê.
Escrevem para o sítio "Aporrea", em que essa esquerda se expressa, Toby Valderrama e Antonio Aponte: "Outra vez, o governo fala de guerra, de invasões, de perigos estrangeiros, comportando-se como a criança que fez estragos na cozinha e acusa a irmã, a empregada (...). Que estranho esse governo que nunca se equivoca, não retifica nada, ao contrário, reafirma os decretos e condutas que todos veem que não funcionaram."
Só o referendo revogatório daria aos venezuelanos a chance de escolher um novo governo capaz de tentar condutas que, de repente, funcionem. Mas só a pressão externa permitiria, eventualmente, que ele se torne realidade.
19 de maio de 2016
Clovis Rossi, Folha de SP
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