"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

OPORTUNIDADES QUE AS CRISES CRIAM

Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na estatal

Fernando Henrique Cardoso escreveu que precisamos mudar as regras do jogo para superarmos a crise econômica e política. Concordam economistas nacionais e estrangeiros, antigos auxiliares de governos e o professor italiano Luigi Zingales, que nos visitou recentemente e que já viu esse filme na Itália.

Para o Prêmio Nobel Douglass North, as regras do jogo numa sociedade são as instituições políticas e econômicas. Precisamos mudar as nossas, mas não é fácil. Mudanças numa democracia se fazem na arena política, onde existem dois grupos de opositores. O primeiro é formado pelas nossas piores lideranças políticas, em simbiose com os que se beneficiam da vizinhança com o Estado. Esse filme está passando agora no Brasil e é de terror. O segundo grupo é formado pelas nossas melhores lideranças políticas, que acreditam sinceramente em ações que destroem as regras que Douglass North identifica como essenciais à prosperidade. Esse filme passou no governo FHC.

O Estado regulador, braço perigoso do Executivo, cresceu com FHC. Regulamentação aumenta os custos transacionais, torna os mercados mais imperfeitos e atrai mais intervenção, o que gera menos competição, eficiência e progresso. Houve captura de reguladores, cresceu o capitalismo de compadres e a carga fiscal.

Mas foi sobre o Estado empresário que FHC perdeu a maior oportunidade. Enquanto o Estado empresário desaparecia na Austrália, Nova Zelândia, em países do ex-império soviético, na Europa e Ásia, no Brasil pouco aconteceu. Faltou convicção, confessa hoje FHC, que era contra a desestatização. A Alemanha colocou as estatais sob uma holding, anunciou no “The Economist” e vendeu todas em dois anos. Nós ficamos brincando de comissão.

Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na empresa estatal. Os defensores das estatais oferecem sempre a mesma gororoba: entreguismo de riqueza nacional; relevantes serviços públicos; função social. Como se irrelevantes fossem as empresas privadas e sua função, mineral. Nunca falam sobre atender ao consumidor, dar lucro. E a ideia de isolar estatais da política é risível.

Zingales alerta que Justiça e polícia não são suficientes para enfrentarmos corrupção no atacado. E nos recomenda que a corrupção nos costumes também precisa ser enfrentada. Outra vez, só lei não adianta. Roberto DaMatta ensina que é nossa a “ideologia do legalismo mágico (a lei resolve o costume)”. E existe simbiose parasita entre excesso de leis e regulamentos e a corrupção no varejo.


A boa notícia é que a desestatização elimina na raiz a corrupção no atacado e no varejo. Exemplo é a corrupção nos Detrans, imbricada com maus costumes no tráfego. Mas existe alinhamento de interesses entre proprietários de veículos, revendedoras, seguradoras. Em tecnologia digital, nosso atraso é brutal. Impostos e multas podem ser recolhidos por entes privados, como na Califórnia. Divergências podem ser resolvidas por juízo arbitral. Assim como a Petrobras, Detrans estatais não precisam existir.

FHC afirma que crises criam oportunidades. Ele poderia, então, guiar uma frente política para aproveitar a atual oportunidade. O Brasil está apenas bêbado. Os investidores nacionais e estrangeiros gostam do Brasil e estão à espera. Críveis reformas do Estado empresário, do Estado regulador e uma reforma fiscal coerente farão o Brasil desabrochar.


04 de abril de 2016
Odemiro Fonseca é empresário, O Globo

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