Nos aparentemente intermináveis debates sobre impeachment, "golpe" e o futuro pós-PT, uma figura bastante relevante está sendo esquecida: Marina Silva. A ex-petista, após aparecer como preferida para as eleições presidenciais, decidiu sair da toca.
Toda a mística que cerca a possuidora de "sonhos humildes" e defensora da "nova política" faz com que tudo que saia da sua boca pareça ser uma solução mágica. Apesar de admitir a obviedade de que impeachment não é golpe, Marina se nega a apoiá-lo. Diz acreditar que a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja a solução de que o país precisa.
O que a ex-senadora esquece de mencionar é que o processo do TSE é muito lento. Na melhor das hipóteses, conseguirá adiantar as eleições de 2018 em 2 ou 3 meses. Marina sabe disso. E é por isso que diz o que diz.
O que ela realmente quer é aumentar seu capital político em cima do desgaste do governo - e, consequentemente, da desgraça do país - para garantir uma eleição tranquila em 2018. Muito nobre da parte daquela que "não desistiu do Brasil", não é?
A aura amazônico-messiânica de Marina Silva é tão intocável que não se suja nem mesmo com a lama da realidade. O gigantesco desastre ambiental em Mariana, que arruinou a vida de incontáveis famílias, passou absolutamente despercebido pela ambientalista. Até a Dilma, que, vale lembrar, é... a Dilma, teve a consciência de marcar presença e se solidarizar com as vítimas da tragédia.
"Ah, mas ela tem uma equipe liberal!", dizem alguns dos meus colegas. Dilma indicou e manteve Joaquim Levy como ministro até quando pôde. O que ele fez? Tudo o que o governo permitiu. Ou seja, praticamente nada. Não importa que peso o mercado financeiro dê para o nome que ocupa a Fazenda; no fim, o que realmente vale são as convicções e o projeto do presidente. É ingenuidade demais cair no mesmo golpe duas vezes.
O partido de Marina, a Rede Sustentabilidade, tem servido como uma espécie de saída honrosa para petistas e protopetistas. O deputado Alessandro Molon (RJ), por exemplo, iniciou sua carreira política no PT e lá permaneceu durante mais de uma década, tornando-se uma das mais importantes figuras do partido.
No ano passado, ao perceber o tamanho do furo no barco petista, fugiu para a proteção das asas da maga das selvas. Randolfe Rodrigues (AP), que era o único representante no Senado do PSOL, desembarcou do partideco que diz fazer "oposição à esquerda" para não admitir a simpatia pela canalhice petista e também buscou refúgio nos cipós de Marina. Alguém acredita que esses nomes mudaram de convicção tão facilmente quanto mudaram de legenda?
O fim do governo do PT não significa o fim do petismo. Lula e Dilma já estão eleitoralmente acabados. Mas o espírito de seu método de governo permanece vivo e representado por uma poderosa força política, que, assim como o PT de outrora, apresenta-se como messias da honestidade, de "origem humilde" e alternativa para os que querem "mudança".
Por isso, temos de ficar em alerta. Não importa quantas penas o adornem, quantos cipós o envolvam ou quanto urucum lambuze o seu rosto: o petismo será sempre petismo.
04 de abril de 2016
Kim Kataguiri. Folha de SP
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