"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 12 de dezembro de 2015

TEMER E A CRISE DO MDB DE ULYSSES À CARTA A DILMA

"Gosto das palavras. Se fosse poeta, seria parnasiano ou simbolista. A mim cabe a crítica a Flaubert: Lambe as palavras como a vaca lambe a cria". (Ulysses Guimarães, ex-deputado federal e presidente imbatível da Constituinte de 1988, fundador e guia do MDB (atual PMDB) até a morte (ou encantamento no fundo do mar). 

Principal inspirador político de Michel Temer e, provavelmente, maior estimulador do gosto do vice-presidente do Governo Dilma Rousseff pela escrita de missivas.)

Para não enganar ninguém (prós, contras ou ainda vacilantes no meio do jogo político e de poder cada vez mais pesado, neste dezembro do enterro de 2015, que ainda promete gente nas ruas neste domingo, 13). Deixo claro na frase introdutória de Ulysses, que a intenção é falar ainda da carta de Michel Temer (PMDB) à presidente Dilma Rousseff (PT).

A surpreendente missiva, que gerou um dos fatos mais significativos, esmiuçados e comentados da imprensa brasileira nas últimas décadas, ainda guarda nos subentendidos, muita pólvora e nitroglicerina concentradas. Basta uma faísca descuidada de qualquer lado e tudo corre o risco de ir pelos ares outra vez.

Apesar dos aparentes cuidados pessoais, institucionais e diplomáticos (algodão entre cristais) tomados pelo autor da carta e sua destinatária no delicado encontro a portas fechadas em Brasília.

Depois Dilma pegou o avião para Buenos Aires, aonde chegou muito atrasada para a festa da posse do liberal empresário e ex-prefeito da capital, Maurício Macri, na Presidência da Argentina. Ainda assim, a tempo de sentir no ar o cheiro forte de enxofre espalhado pela esquentada ex-colega ("companheira e amiga") Cristina Kirchner, ao deixar a Casa Rosada. Até a faixa presidencial recusou-se a passar para o adversário vencedor. Atitude hostil e temperamental, raramente vista na história do país às margens do Rio da Prata.

Dilma só aguentou duas horas na companhia do novo chefe da nação argentina. Saiu do Congresso (local da posse) direto para o aeroporto, onde pegou o avião presidencial de volta à Brasília, para reassumir o cargo que deixara protocolarmente nas mãos do vice, no dia seguinte ao encontro reservado, entre os dois, para analisar alguns complicados "pontos nos iis" da carta.

Temer, por sua vez, partia para os braços da galera do PMDB e outros descontentes com o governo petista de Dilma Rousseff no Rio Grande do Sul. Nos domínios territoriais do MST "do comandante Stedile" (na definição do ex-presidente Lula), estado até recentemente considerado um dos bastiões do PT no governo local.

Na volta da Argentina, Dilma guardou silêncio absoluto sobre a carta e sobre a reunião com o seu magoado vice. Temer falou. Na saída do Palácio do Planalto, diplomaticamente como é de seu feitio, disse aos jornalistas: ”Eu e a presidente combinamos de manter uma relação mais fértil possível". Em Porto Alegre, falando para aliados e empresários, ele foi mais expansivo: "Conversamos, eu e a presidente e, digamos assim, acertamos os ponteiros. Ela compreendeu as manifestações que fiz de caráter pessoal. Se fosse um instrumento político, teria feito outra escrita”.

Para os que estudam ou conhecem os signos básicos da comunicação e do poder, nada mais é preciso dizer ou explicar, por enquanto. "As palavras voam, os escritos permanecem", diz Temer, citando o famoso brocardo em latim, que usou na introdução da sua missiva. Esta é a chave da questão e o que precisa ficar claro, desde já, no choque PMDB-PT que estremece todos os alicerces do combalido segundo mandato do periclitante Governo Dilma.

Que ninguém se iluda: apesar de tudo que já foi dito e feito, há ainda munição de sobra nas entrelinhas da carta. Suficientes para muitos tiroteios e implosões posteriores. Não tanto pelo que está explícito no "desabafo" do vice, jogado para escanteio. Mas, principalmente, pelos subentendidos da missiva, escrita no capricho, como nos velhos tempos de grandes arroubos amorosos, tragédias de governos e memoráveis combates políticos.

Se de um lado está o PMDB, e suas vertentes mais improváveis, e do outro, no ambiente palaciano, circulam personagens dados a encrencas, como os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Edinho Silva, da Comunicação do Palácio do Planalto, (citados implicitamente na carta do vice), a explosão permanecerá sempre na dependência, apenas, do primeiro curto circuito. A conferir.



12 de dezembro de 2015
Vitor Hugo Soares

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