O advento da internet e das redes sociais fornece o antídoto mais eficaz contra uma das maiores moléstias de que sempre padeceu o povo brasileiro: a amnésia histórica.
O falecido Ivan Lessa, no seu estilo hiperbólico, escreveu certa vez que “o brasileiro, a cada quinze minutos, esquece o que lhe aconteceu nos últimos quinze minutos”.
Essa anomalia permitiu, entre nós, que a história frequentemente se repetisse como farsa e como tragédia. E estimulou políticos e partidos a se valer dos mesmos expedientes para renovar trapaças e engodos, com o objetivo de alcançar ou manter o poder. Basta conferir a gênese dos numerosos golpes e tentativas de golpe da história republicana brasileira.
No caso presente, em que o PT pretende convencer a população de que o processo de impeachment, previsto na Constituição, é um golpe, ninguém o contradiz com mais eficácia que ele próprio, o PT. Basta resgatar na internet vídeos do protagonismo do partido ao tempo em que defendeu por duas vezes a deposição, por aquela via, de dois presidentes da República.
No caso de Fernando Collor, em 1992, não estava só – e havia motivos. A sociedade se engajou e o impeachment aconteceu. O importante, porém, é conferir a argumentação de então, sustentada pelos próceres do partido. Fiquemos com Lula.
As falas estão no Youtube, mas é importante registrá-las por escrito, pois, como disse recentemente o vice Michel Temer, em carta à presidente Dilma, “verbam volant, scripta manent” (“as palavras voam, os escritos permanecem”).
Numa entrevista a um telejornal, Lula sustentava:
“O Congresso Nacional sabe da responsabilidade que hoje recai sobre os ombros da instituição e sabe que, se não votar o impeachment, ficará desacreditado na opinião pública. Acho que o Congresso Nacional tem clareza de que nós vivemos uma crise profunda de governo e somente com a saída do governo é que nós iremos resolver alguns problemas da nação”.
Não alegou um crime, embora houvesse, mas “uma crise profunda de governo” para justificar a saída do presidente. Uma crise bem menor que a atual, diga-se. Mas sigamos.
Em um programa de auditório, respondendo a uma jovem, Lula foi categórico:
“O povo brasileiro, pela primeira vez na América Latina, deu uma demonstração de que é possível que o mesmo povo que elege um político possa destituir esse político”. E concluía, categórico: “Eu peço a Deus que nunca mais o povo brasileiro esqueça essa lição”. Deus, ao que parece, o atendeu - o povo brasileiro, nas ruas hoje pelo impeachment de Dilma, não esqueceu a lição.
Em janeiro de 1999, uma semana após a posse de FHC, reeleito em primeiro turno, tem início a segunda – e dessa vez fragorosamente fracassada – campanha por novo impeachment.
Começou com o então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, num artigo para a Folha de S. Paulo. Baseava-se não num crime comum, como os já levantados pela Lava Jato, ou num crime de responsabilidade, como as pedaladas contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, condenadas pela unanimidade do TCU (algo inédito na história), mas na suposta infração que representariam atos de política econômica de alegada inspiração “neoliberal”, que teriam feito o país recorrer ao FMI. Nada menos.
No curso daquele ano, a pretexto do Proer – o plano de recuperação dos bancos, que Lula, já no poder, elogiaria -, que provocara uma CPI dos Bancos no Senado, o PT formalizou junto à Câmara, presidida por Michel Temer, um pedido de impeachment.
Foi arquivado por falta de fundamentação jurídica. O autor do pedido, o petista carioca Milton Temer (nenhum parentesco com Michel) aludia ainda ao “crime” de “estelionato eleitoral”, alegando que FHC, além dos atos do Proer (que, repita-se, seriam reconhecidos como indispensáveis pelo PT quando no poder), prometera a criação de empregos, “ao tempo em que negociava com o FMI a política de recessão em que nos encontramos”.
Comparada à crise de hoje, aquela seria um surto de prosperidade, em plena vigência do Plano Real.
José Dirceu acusou FHC de “crime de responsabilidade”, por ter “coagido” o Ministério Público – “o que é público e notório e dispensa provas”. Impeachment sem provas, em nome da democracia. A roubalheira do PT na Petrobrás é “pública e notória” e, mesmo com abundância de provas (que, inclusive, levaram José Dirceu à cadeia), é vista hoje pelo PT como “insuficiente para enquadrar a presidente”, que desde 2003 comanda a estatal.
Além do PT, subscreviam aquele pedido o PDT (partido a que então pertencia Dilma Roussef), PSB e PCdoB – os mesmos que hoje (coincidência?) falam em “golpe”.
Michel Temer arquivou a proposta, o PT recorreu ao plenário pelo desarquivamento e perdeu feio: 342 a 100.
Em momento algum, o PT admitiu a ideia de golpe, que hoje proclama. Como em 1992 (e bem ao contrário de hoje), mencionou a Constituição, o teor democrático da iniciativa e a ideia de que, se o povo elegeu, pode deseleger.
O detalhe é que o PT, naquela época, se julgava o próprio povo, que nem tomou conhecimento daquela iniciativa esdrúxula. O PT está sendo banido da História pelo Facebook.
12 de dezembro de 2015
Ruy Fabiano
O falecido Ivan Lessa, no seu estilo hiperbólico, escreveu certa vez que “o brasileiro, a cada quinze minutos, esquece o que lhe aconteceu nos últimos quinze minutos”.
Essa anomalia permitiu, entre nós, que a história frequentemente se repetisse como farsa e como tragédia. E estimulou políticos e partidos a se valer dos mesmos expedientes para renovar trapaças e engodos, com o objetivo de alcançar ou manter o poder. Basta conferir a gênese dos numerosos golpes e tentativas de golpe da história republicana brasileira.
No caso presente, em que o PT pretende convencer a população de que o processo de impeachment, previsto na Constituição, é um golpe, ninguém o contradiz com mais eficácia que ele próprio, o PT. Basta resgatar na internet vídeos do protagonismo do partido ao tempo em que defendeu por duas vezes a deposição, por aquela via, de dois presidentes da República.
No caso de Fernando Collor, em 1992, não estava só – e havia motivos. A sociedade se engajou e o impeachment aconteceu. O importante, porém, é conferir a argumentação de então, sustentada pelos próceres do partido. Fiquemos com Lula.
As falas estão no Youtube, mas é importante registrá-las por escrito, pois, como disse recentemente o vice Michel Temer, em carta à presidente Dilma, “verbam volant, scripta manent” (“as palavras voam, os escritos permanecem”).
Numa entrevista a um telejornal, Lula sustentava:
“O Congresso Nacional sabe da responsabilidade que hoje recai sobre os ombros da instituição e sabe que, se não votar o impeachment, ficará desacreditado na opinião pública. Acho que o Congresso Nacional tem clareza de que nós vivemos uma crise profunda de governo e somente com a saída do governo é que nós iremos resolver alguns problemas da nação”.
Não alegou um crime, embora houvesse, mas “uma crise profunda de governo” para justificar a saída do presidente. Uma crise bem menor que a atual, diga-se. Mas sigamos.
Em um programa de auditório, respondendo a uma jovem, Lula foi categórico:
“O povo brasileiro, pela primeira vez na América Latina, deu uma demonstração de que é possível que o mesmo povo que elege um político possa destituir esse político”. E concluía, categórico: “Eu peço a Deus que nunca mais o povo brasileiro esqueça essa lição”. Deus, ao que parece, o atendeu - o povo brasileiro, nas ruas hoje pelo impeachment de Dilma, não esqueceu a lição.
Em janeiro de 1999, uma semana após a posse de FHC, reeleito em primeiro turno, tem início a segunda – e dessa vez fragorosamente fracassada – campanha por novo impeachment.
Começou com o então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, num artigo para a Folha de S. Paulo. Baseava-se não num crime comum, como os já levantados pela Lava Jato, ou num crime de responsabilidade, como as pedaladas contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, condenadas pela unanimidade do TCU (algo inédito na história), mas na suposta infração que representariam atos de política econômica de alegada inspiração “neoliberal”, que teriam feito o país recorrer ao FMI. Nada menos.
No curso daquele ano, a pretexto do Proer – o plano de recuperação dos bancos, que Lula, já no poder, elogiaria -, que provocara uma CPI dos Bancos no Senado, o PT formalizou junto à Câmara, presidida por Michel Temer, um pedido de impeachment.
Foi arquivado por falta de fundamentação jurídica. O autor do pedido, o petista carioca Milton Temer (nenhum parentesco com Michel) aludia ainda ao “crime” de “estelionato eleitoral”, alegando que FHC, além dos atos do Proer (que, repita-se, seriam reconhecidos como indispensáveis pelo PT quando no poder), prometera a criação de empregos, “ao tempo em que negociava com o FMI a política de recessão em que nos encontramos”.
Comparada à crise de hoje, aquela seria um surto de prosperidade, em plena vigência do Plano Real.
José Dirceu acusou FHC de “crime de responsabilidade”, por ter “coagido” o Ministério Público – “o que é público e notório e dispensa provas”. Impeachment sem provas, em nome da democracia. A roubalheira do PT na Petrobrás é “pública e notória” e, mesmo com abundância de provas (que, inclusive, levaram José Dirceu à cadeia), é vista hoje pelo PT como “insuficiente para enquadrar a presidente”, que desde 2003 comanda a estatal.
Além do PT, subscreviam aquele pedido o PDT (partido a que então pertencia Dilma Roussef), PSB e PCdoB – os mesmos que hoje (coincidência?) falam em “golpe”.
Michel Temer arquivou a proposta, o PT recorreu ao plenário pelo desarquivamento e perdeu feio: 342 a 100.
Em momento algum, o PT admitiu a ideia de golpe, que hoje proclama. Como em 1992 (e bem ao contrário de hoje), mencionou a Constituição, o teor democrático da iniciativa e a ideia de que, se o povo elegeu, pode deseleger.
O detalhe é que o PT, naquela época, se julgava o próprio povo, que nem tomou conhecimento daquela iniciativa esdrúxula. O PT está sendo banido da História pelo Facebook.
12 de dezembro de 2015
Ruy Fabiano
Nenhum comentário:
Postar um comentário