Michel Temer não dá boa tarde sem refletir dez vezes. Quando resolve fazer um “desabafo” é porque seu processador está sobrecarregado. Se o destampatório é despejado sobre três folhas de papel —“palavras voam, os escritos permanecem”— é sinal de que sua placa ferveu. A carta que o vice-presidente endereçou a Dilma Rousseff nesta segunda-feira é isso: a manifestação de um personagem que, com a paciência já derretida, cansou de guardar respeitoso silêncio sobre seus rancores.
“Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a
necessidade da minha lealdade”, ralhou Temer, de saco cheio das indiretas que Dilma lhe dirige desde que o processo do impeachment foi deflagrado. “Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.” Recebeu em troca a “absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB.”
Por quatro anos, Temer foi um “vice decorativo”, acionado apenas nas “crises políticas”. Ajudar nas “formulações econômicas ou políticas do país”? Nem pensar. “Éramos meros acessórios,
secundários, subsidiários.” Por quê? “Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora
e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB.”
Com o governo em pandarecos, cedeu ao apelo para que assumisse a coordenação política. “Quando se aprovou o ajuste,
nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos a
ssumidos no Parlamento não foram cumpridos.” Houve mais: “Sou presidente do PMDB e a senhora
resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um
acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido.''
Temer foi ao ponto: “Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade
para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no
PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.”
O que o vice-presidente da República disse à presidente, com outras palavras, foi o seguinte: “Vai procurar a tua turma.” Temer parece já ter reencontrado a sua tribo: “Converso, sim, senhora presidente,
com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
[…] Sou criticado por isso, numa visão
equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades
ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio
resolveu difundir e criticar.”
“Vai procurar a tua turma” pode ter vários significados. Nas entrelinhas da carta de Temer, a expressão tem duas acepções: “Vê se não chateia” e “some da minha frente”.
A carta vale por um rompimento. É como se o vice, cansado do seu papel cenográfico, desejasse substituir Dilma em vez de socorrê-la.
Resta agora esclarecer que, num hipotético governo Temer, a turma do neopresidente incluirá Renans, Barbalhos, Cunhas e outros atalho$.
Abaixo, a íntegra da carta de Temer para Dilma:
08 de dezembro de 2015
Josias de Souza
Senhora Presidente,
''Verba volant, scripta manent''.
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes
últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há
muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a
necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais
são as funções do vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada
daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora
e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível
com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio
político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no
partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, gera desconfiança e
menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice
decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que
tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era
chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir
formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios,
secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não
renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez
belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele
era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a
registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o
Ministério em razão de muitas “desfeitas'', culminando com o que o
governo fez a ele, ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome
com perfil técnico que ele, ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz
parte de uma suposta “conspiração''.
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a
coordenação política, no momento em que o governo estava muito
desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste,
nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos
assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de
60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio
com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela
coordenação.
6. De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora
resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um
acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a
senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o
deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente,
com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos oito votos do DEM, seis do PSB e três do PV, recordando que foi
aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão
equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas
oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio
resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião
de duas horas com o vice Presidente Joe Biden – com quem construí
boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a
pergunta: o que é que houve que numa reunião com o vice-presidente
dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio
da “espionagem'' americana, quando as conversas começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o ministro da Justiça, para conversar
com o vice-presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado
absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores
autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma
conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro'',
aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para
recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra
desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca
promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como presidente do PMDB, devo manter
cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade
partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá
tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no
PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.“
Respeitosamente, L. TEMER
A Sua Excelência a senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
- Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
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