O grau de civilização e de espírito humanitário de uma sociedade se mede pela forma como ela acolhe e convive com os diferentes. Sob esse aspecto, a Europa nos oferece um exemplo lastimável que beira a barbárie. Geralmente, a estratégia era e continua sendo esta: ou marginaliza o outro, ou o submete, ou o incorpora, ou o destrói. Assim ocorreu no processo de expansão colonial.
O limite maior da cultura europeia ocidental é sua arrogância, que se revela na pretensão de ser a mais elevada do mundo, de ter a melhor forma de governo (a democracia), a melhor consciência dos direitos, criadora da filosofia e da tecnociência e, como se isso não bastasse, ser a portadora da única religião verdadeira: o cristianismo. Resquícios dessa soberba aparecem ainda no preâmbulo da Constituição da União Europeia: “O continente europeu é portador de civilização, seus habitantes a habitaram desde o início da humanidade em sucessivas etapas e, no decorrer dos séculos, desenvolveram valores, base para o humanismo: igualdade dos seres humanos, liberdade e o valor da razão”.
VIOLAÇÕES
Essa visão é somente em parte verdadeira. Ela esquece as frequentes violações desses direitos, as catástrofes que criou com suas ideologias totalitárias, guerras devastadoras, colonialismo impiedoso e imperialismo feroz que subjugaram e inviabilizaram culturas inteiras na África e na América Latina. A situação dramática do mundo atual e as levas de refugiados vindos dos países mediterrâneos se devem, em grande parte, ao tipo de globalização que ela apoia, pois configura, em termos concretos, uma espécie de ocidentalização tardia do mundo. Esse é o pano de fundo que nos permite entender as ambiguidades e as resistências da maioria dos países europeus a acolher os refugiados e os imigrantes.
Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, somente neste ano, 60 milhões de pessoas se viram forçadas a abandonar seus lares. Só o conflito sírio provocou 4 milhões de desalojados. Os países que mais acolhem essas vítimas são o Líbano (1,1 milhão de pessoas) e a Turquia (1,8 milhão).
Agora, esses milhares de indivíduos buscam um pouco de paz na Europa. Somente neste ano, cruzaram o Mediterrâneo cerca de 300 mil pessoas, entre imigrantes e refugiados. E o número cresce dia a dia. A recepção é carregada de má vontade, despertando na população manifestações que revelam grande insensibilidade e até inumanidade.
PERCALÇOS
A acolhida é cheia de percalços, especialmente por parte da Espanha e da Inglaterra. A mais aberta e hospitaleira, apesar dos ataques que se fazem aos acampamentos dos refugiados, tem sido a Alemanha. O governo da Hungria declarou guerra aos refugiados. Tomou uma medida de grande barbárie: mandou construir uma cerca de arame farpado de 4 m de altura ao longo de toda a fronteira com a Sérvia, para impedir a chegada dos que vêm do Oriente Médio. Os governos da Eslováquia e da Polônia declararam que somente aceitariam refugiados cristãos.
Essas são medidas criminosas. Todos esses sofredores não são pessoas humanas, não são nossos irmãos e nossas irmãs? Kant foi um dos primeiros a proporem uma República mundial em seu último livro, “A Paz Perpétua”. Dizia que a primeira virtude dessa República deveria ser a hospitalidade como direito e dever de todos. Ora, isso está sendo negado vergonhosamente pelos membros da Comunidade Europeia.
SOMOS UM SÓ
Que valham as palavras da física quântica Danah Zohar: “A verdade é que nós e os outros somos um só, que não há separatividade, que nós e o ‘estranho’ somos aspectos da única e mesma vida”. Como seria diferente o trágico destino dos refugiados se essas palavras fossem vividas com paixão e compaixão!
20 de setembro de 2015
Leonardo Boff
O Tempo
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