"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

ENTRE A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE


Permitam-me, leitores, uma pausa para comentar um assunto além das nossas fronteiras.

As imagens que ocuparam esta semana as redes sociais em todo o mundo de um menino sírio morto por afogamento após uma tentativa fracassada de fugir da violência, da perseguição e da pobreza, expõem não apenas a grave situação dos que buscam refúgio na Europa pelo Mediterrâneo. 
Elas nos impõem a amarga e recorrente sugestão de que a fronteira entre civilização e barbárie é um conceito meramente virtual. Basta um descuido para cairmos na atrocidade, desolação, atraso e na banalidade da morte.

O garoto se chamava Aylan al-Kurdi, tinha apenas 3 anos de idade e sua tragédia importa a cada um de nós, cidadãos do mundo.

Esta é, segundo se informa, a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, quando a própria Europa, para redimir-se do Holocausto, tomou a iniciativa de criar um regime humanitário para os refugiados. Lamentável que em pleno século XXI esta tradição esteja em xeque ante políticas restritivas recentemente impostas.

A travessia do Mediterrâneo é feita em precários botes superlotados, sem o mínimo de segurança, cujos donos cobram em torno de R$ 10 mil por pessoa. Um negócio milionário para os traficantes modernos de seres humanos — como Aylan. 
Informa o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) que este ano mais de 2.500 pessoas morreram em idênticas condições.

Dois anos atrás, num ataque químico em que se utilizou o gás sarin (desenvolvido pelos nazistas) mais de duas mil pessoas – uma aldeia inteira – foram dizimadas na Síria, com mais de uma centena de crianças entre as vítimas. 
Frente a esse quadro, cabe lembrar que os questionamentos sobre o frágil limite entre civilização e barbárie foram discutidos por ocasião do julgamento de Nuremberg, quando o Tribunal Militar Internacional condenou dirigentes da máquina de terror nazista. Os acontecimentos atuais mostram, que, de lá para cá, o Holocausto é ainda realidade.

Cabe agora questionar se esse ciclo inexorável de violência pode mesmo ser superado pelo gênio do homem e se, de fato, depende de uma severa mudança de curso no caminho até aqui trilhado. 
A sociedade humana — pós-industrial, pós-moderna, pós-tudo — padece dos mesmos males que seus ancestrais, desolada e perplexa, sem saber como agir quando surpreendida pela roda implacável da história, que teima em nos lembrar que a brutalidade é sempre uma escolha ao alcance das mãos.

Já o xadrez da diplomacia internacional, com seus ritos e protocolos, também parece um instrumento insuficiente e vagaroso para responder a emergência do cenário de horror como o que se assiste hoje. 
Embora distante desses acontecimentos, deve o Brasil se manifestar ao lado da prevalência dos direitos fundamentais e do respeito profundo à vida de nossos semelhantes acima de quaisquer valores, sejam eles ideológicos, políticos ou financeiros.

Nunca é demais lembrar a lição de humildade que nos deixou o famoso astrônomo Carl Sagan, já falecido, ao comentar a visão que se tem da Terra no espaço, onde não são visíveis as fronteiras nacionais, em nome das quais milhões já morreram e outros tantos estão condenados a morrer enquanto existirem armas de destruição. 
O planeta, poucos quilômetros acima de nossas cabeças, é só um frágil crescente azul, desaparecendo até se tornar um pontinho de luz imperceptível em meio a uma cidadela de estrelas.

04 de setembro de 2015
Ibaneis Rocha é presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF)


Nenhum comentário:

Postar um comentário