O depoimento do empresário Marcelo Odebrecht, presidente do Grupo Odebrecht, na CPI da Petrobras, foi revelador de uma cultura muito peculiar, coincidente com a visão da presidente Dilma, que também censura os colaboradores da Justiça na operação Lava Jato. Na ótica do empresário, os colaboradores são autênticos “traidores”.
Para ele, o dever de lealdade é um imperativo moral, tanto quanto aquele que deve valer entre irmãos, amigos e familiares. Sua fala nos remete ao discurso da Máfia Italiana, que sempre pregou o dever de lealdade entre seus membros e colaboradores.
O empresário afirmou que “quem nos conhece reconhece”, acrescentando seu “legado tem valores morais dos quais nunca abrirá mão”.
E arrematou com orgulho incontestável: “Entre esses valores, desde a criação, quando lá em casa minhas meninas tinham uma discussão ou uma briga”, dizia ‘quem fez isso?’, e talvez brigasse mais com quem dedurou do que quem fez os fatos”, sublinhando orgulhoso sua tábua de valores e ensinamentos transmitidos às filhas.
E arrematou com orgulho incontestável: “Entre esses valores, desde a criação, quando lá em casa minhas meninas tinham uma discussão ou uma briga”, dizia ‘quem fez isso?’, e talvez brigasse mais com quem dedurou do que quem fez os fatos”, sublinhando orgulhoso sua tábua de valores e ensinamentos transmitidos às filhas.
ENORME DESENVOLTURA
Alertado por seu advogado Nabor Bulhões, que ficou inquieto com aquela postura insólita do cliente, e atendendo sugestões ao pé do ouvido, o empresário Marcelo Odebrecht resolveu adicionar que não teria o que delatar, pois não cometeu nenhum crime.
Poderia ter ficado em silêncio, mas sua postura chamou a atenção, não apenas porque mostrou enorme desenvoltura, confiança e tranquilidade para falar abertamente aos políticos na CPI, mesmo estando sob custódia do Estado, mas, sobretudo, pela ousadia da mensagem, ao declinar abertamente valores morais contrários ao instituto da colaboração premiada e até favorável ao silêncio entre criminosos ou infratores.
Poderia ter ficado em silêncio, mas sua postura chamou a atenção, não apenas porque mostrou enorme desenvoltura, confiança e tranquilidade para falar abertamente aos políticos na CPI, mesmo estando sob custódia do Estado, mas, sobretudo, pela ousadia da mensagem, ao declinar abertamente valores morais contrários ao instituto da colaboração premiada e até favorável ao silêncio entre criminosos ou infratores.
Razões de lealdade obscura permeiam essa aderência a uma praxe de negócios do mundo subterrâneo. Não estamos aqui falando de cláusulas de confidencialidade, mas de pactos de corrupção, de lavagem de capitais, ou de crimes contra a Administração Pública, um silêncio que contrasta com interesses públicos.
É possível exigir lealdade ou segredo eterno entre partícipes dessas práticas com base em valores morais? Como é factível aceitar essa espécie de discurso público, seja de advogados, de empresários ou de autoridades?
É possível exigir lealdade ou segredo eterno entre partícipes dessas práticas com base em valores morais? Como é factível aceitar essa espécie de discurso público, seja de advogados, de empresários ou de autoridades?
PREPOTÊNCIA
Vilanizar a colaboração premiada, sem sequer examinar seus contornos jurídicos, que pressupõem limites evidentes, significa, no mínimo, falta de boa fé no debate público, um sinal de ignorância ou prepotência.
No caso de Marcelo, sua tranquilidade é tamanha que tudo indica ter informações de que em breve ganhará liberdade por algum “habeas corpus”, fruto daquela velha e arraigada sensação de impunidade que domina esse andar de cima da sociedade brasileira, especialmente quando se trata da caminhada nos tribunais superiores, onde se anulam as grandes operações da Justiça.
No caso de Marcelo, sua tranquilidade é tamanha que tudo indica ter informações de que em breve ganhará liberdade por algum “habeas corpus”, fruto daquela velha e arraigada sensação de impunidade que domina esse andar de cima da sociedade brasileira, especialmente quando se trata da caminhada nos tribunais superiores, onde se anulam as grandes operações da Justiça.
Pode até ser que Marcelo Odebrecht guarde alguma informação privilegiada que nós, pequenos mortais, não tenhamos , e daí o ar de superioridade e aquele sorriso estampado no rosto.
Por isso, também, não hesitou em exibir toda sua tranquilidade e seu discurso. Entretanto, há uma inequívoca distorção na postura de Marcelo Odebrecht, que passa uma imagem deformada à sociedade brasileira, mas, também, reveladora da subjetividade do sujeito falante, pertencente a um segmento dominado por cultura específica e por valores deformados da história brasileira: patrimonialismo, confusão entre o público e o privado, impunidade.
Por isso, também, não hesitou em exibir toda sua tranquilidade e seu discurso. Entretanto, há uma inequívoca distorção na postura de Marcelo Odebrecht, que passa uma imagem deformada à sociedade brasileira, mas, também, reveladora da subjetividade do sujeito falante, pertencente a um segmento dominado por cultura específica e por valores deformados da história brasileira: patrimonialismo, confusão entre o público e o privado, impunidade.
SEUS AMIGOS
Os políticos que o contratam são seus “amigos” e o “ex-presidente” da República chegou a ser quase um funcionário de luxo de sua empresa, ao ponto de ganhar apelido de “Brahma”. De onde poderia vir a ojeriza aos colaboradores? Ora, do fato de que entregam seus comparsas e auxiliam a desmantelar estruturas criminosas.
O colaborador pode mentir e caluniar? Pode, claro, mas esse é um problema que a Justiça deve enfrentar dentro do sistema jurídico, pois a palavra dos colaboradores, por si só, não tem valor isolado.
O colaborador pode mentir e caluniar? Pode, claro, mas esse é um problema que a Justiça deve enfrentar dentro do sistema jurídico, pois a palavra dos colaboradores, por si só, não tem valor isolado.
E colaboradores mentirosos sairão extremamente prejudicados, pois terão admitido fatos, confessado ilícitos, e poderão perder suas imunidades. Ou seja, quem entra no circuito da colaboração premiada, deve estar preparado para assumir riscos.
Até porque, como se sabe, um colaborador faz relatos que devem ser acompanhados de provas, e tais provas devem ser homologadas pela Justiça, à luz do contraditório e do devido processo legal.
Até porque, como se sabe, um colaborador faz relatos que devem ser acompanhados de provas, e tais provas devem ser homologadas pela Justiça, à luz do contraditório e do devido processo legal.
Repita-se: um colaborador mentiroso pode ter seus benefícios cassados pelo Poder Judiciário sendo obrigado, inclusive, a responder por denunciação caluniosa.
Quando se cumprem as expectativas institucionais legítimas, os colaboradores dispõem de informações valiosas, oriundas das estruturas criminosas – pelos motivos mais variados – e auxiliam as autoridades públicas, aportando extratos bancários, informações contábeis, nomes de “laranjas”, nomes de empresas, o trajeto do dinheiro, testemunhas, dentre outros elementos. Assim, viabilizam punições, recuperação de ativos, e combate à impunidade.
Quando se cumprem as expectativas institucionais legítimas, os colaboradores dispõem de informações valiosas, oriundas das estruturas criminosas – pelos motivos mais variados – e auxiliam as autoridades públicas, aportando extratos bancários, informações contábeis, nomes de “laranjas”, nomes de empresas, o trajeto do dinheiro, testemunhas, dentre outros elementos. Assim, viabilizam punições, recuperação de ativos, e combate à impunidade.
DISCURSO RETRÓGRADO
O discurso retrógrado daqueles que simplesmente rejeitam esses mecanismos não tem lugar no mundo contemporâneo. Como é possível considerar imoral que alguém colabore com a Justiça trazendo essas provas para incriminar antigos companheiros de crime? Essa seria uma lógica de um delator: ele se volta contra seus antigos comparsas e passa a colaborar com autoridades do Estado.
Quando a presidente da república passa mensagens à sociedade de que os “delatores” seriam “traidores” da pátria, realmente acontece uma inversão de valores.
Não é válido passar a mensagem de que o silêncio entre criminosos compensa ou que é um valor moral. A presidente da República não dá exemplo de pátria educadora: ela deseduca.
Não é válido passar a mensagem de que o silêncio entre criminosos compensa ou que é um valor moral. A presidente da República não dá exemplo de pátria educadora: ela deseduca.
ATO FALHO
Ao alegar que não fez colaboração premiada porque não é “dedo-duro”, o empresário Marcelo Odebrecht, em plena CPI, cometeu, no mínimo, um “ato falho”, expressão de Freud, que significa dizer: um ato com significado psíquico pleno, revelando muito mais do que se possa supor superficialmente, como fragmento do que está guardado no inconsciente e que escapou em algum momento.
Trata-se de uma expressão de intenção omissiva ou de confronto entre intenções opostas, uma delas inconsciente ou oculta.
Trata-se de uma expressão de intenção omissiva ou de confronto entre intenções opostas, uma delas inconsciente ou oculta.
Não por outra razão, despertou imediata reação de seu advogado, que tentou ainda consertar o erro, fruto da arrogância ou impulsividade.
O inconsciente, aqui, possivelmente está na revelação de que existiria, sim, algo para delatar, mas que, por aderência a esta código “moral” duvidoso, que permeia gerações, não será revelado à Justiça.
O inconsciente, aqui, possivelmente está na revelação de que existiria, sim, algo para delatar, mas que, por aderência a esta código “moral” duvidoso, que permeia gerações, não será revelado à Justiça.
A corrupção, no Brasil, e nas empreiteiras, vem de longe. Em suas declarações, Marcelo Odebrecht só deixou clara uma coisa – sua certeza da impunidade.
04 de setembro de 2015
Carlos Newton
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