"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

GETÚLIO E DILMA EM 24 DE AGOSTO


Aquela foi uma noite de cão, o 23 de agosto de 1954. Fez 61 anos domingo. Ninguém me contou. Eu vi, vivi e sofri.
Getúlio encurralado no Catete. Juscelino, generoso, corajoso e solidário, o havia levado a Belo Horizonte no dia 12 para inaugurar a siderúrgica Mannesman. Eu queria ver e ouvir Getúlio. Nunca o tinha visto de perto. Mais baixo do que pensava, mais gordo do que parecia, uma infinita tristeza no rosto, como se fosse logo chorar. Leu seu discurso com a voz forte, decidida mas tensa. Deixou claro : só morto sairia do Catete.
Juscelino fez um discurso como ele era : valente, desafiador, falando em desenvolvimento, futuro e democracia, Nada poderia fazer mais bem a Vargas naquela hora desastrada.
Getúlio resolveu dormir em Minas. De manhã, depois do café, Vargas todo arrumado para viajar, com um charuto na mão esquerda, Juscelino chamou um pequeno grupo de jornalistas, um de cada jornal, para nos apresentar. A mão miúda, gordinha, fria, parecia um filé mignon. Olhava-nos com simpatia, sorriso contido mas olhar distante, de quem não estava mais ali, perguntava o jornal onde trabalhávamos, de onde éramos.
Em nenhum instante sorriu aberto. Entrou no carro sem olhar para trás, foi para o aeroporto com Juscelino, despediu-se emocionado.
SUICÍDIO
E o golpe galopava nas rádios, jornais e tribunas do Congresso. Na noite de 23 de agosto, as rádios “Nacional”, “Tupi”, “Globo” ficaram de plantão. A “Nacional” era do governo. A “Tupi” de Chateaubriand e a “Globo” de Roberto Marinho tinham sido entregues a Carlos Lacerda, que não saia do microfone. Meia noite Vargas reuniu o ministério.
Recebeu o manifesto dos generais, levado por seu ministro da Guerra, Zenóbio da Costa. Assinou uma licença, deu a caneta a Tancredo , foi deitar-se ao amanhecer. Lacerda e Eduardo Gomes gritavam nas rádios:
– “ Licença coisa nenhuma. Ele não voltará ”.
Não voltou. Ficou para sempre. Suicidou-se às 8:30 da manhã.
A CARTA
Passei a madrugada ouvindo as rádios e um pianista cego, no “ Columbia ”, bar restaurante de jornalistas noturnos,na avenida Paraná.
A Carta Testamento começou a ser lida nas rádios. Corri para o palácio da Liberdade, cheio de jornalistas, políticos. Juscelino literalmente arrasado. Nas mãos, enrolada, a Carta Testamento. Pedi uma copia para mim, sai às pressas. A cidade já toda na rua. Armaram um palanque bem ao lado da escadaria da Faculdade de Direito. Roberto Costa e Dimas Perrin, dirigentes do Partido Comunista, comandavam :
– Na hora em que terminar de ler a Carta, não esqueça de apontar para o Consulado Americano e dizer :
– Quem matou Getúlio está ali! Foi o imperialismo americano!
O Consulado ficava exatamente ao lado da Faculdade, com uma Biblioteca Thomas Jefferson logo na entrada:
E fui lendo pausadamente, comovidamente. Não sei que ator baixou em mim. Não parecia que era eu. Até a voz ficou mais alta, poderosa. A multidão chorava e eu também. As ultimas frases li como se estivesse sobre o túmulo de Vargas. Antes de descer, o fogo já subia. Haviam posto gasolina nas revistas e jornais pendurados nos cavaletes, nos livros dentro das estantes e nas grandes fotografias de Lincoln e Jefferson.
Queimava tudo. Fogo sabe bem inglês.O incêndio do Consulado em Belo Horizonte foi uma das fotos mais impressionantes que correram o mundo no 24 de agosto. As Policias Federal, Militar e Civil avançaram batendo. Houve muita pancadaria. Estudantes e povo apanhamos muito.
MONTANHA
Montanha, um investigador enorme, grandalhão, negro, me agarrou pelo pescoço com a mão esquerda, a palma da mão bem vermelha, me sacudiu no ar e jogou no chão, como um embrulho inútil.
Na outra mão, um revolver grande, preto. Pensei que ele ia atirar:
– Ai, meu Deus! Vou morrer aos 22 anos, como Álvares de Azevedo!
Não atirou. Bateu com o revolver no meu rosto, o sangue esguichou e saiu me arrastando para o carro da policia.Roberto e Dimas pegaram um ano de cadeia. Estudantes que derramaram a gasolina seis meses cada. A Policia acusou minhas frases de serem uma senha. Sem prova me soltaram.
 DILMA
Dom Pedro I, acuado, mandou seu recado : – “ Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, digam ao povo que fico ”. Ficou pouco.
Getúlio, isolado, deu um tiro no peito. Dilma, ainda bem, não dará.
Também, e é uma pena, não sairá. Só agarrada, tirada. Falta arranjar um José Bonifácio para cuidar de Michel Temer até ele crescer.
Aquela foi uma noite de cão, o 23 de agosto de 1954. Fez 61 anos domingo. Ninguém me contou. Eu vi, vivi e sofri.
Getúlio encurralado no Catete. Juscelino, generoso, corajoso e solidário, o havia levado a Belo Horizonte no dia 12 para inaugurar a siderúrgica Mannesman. Eu queria ver e ouvir Getúlio. Nunca o tinha visto de perto. Mais baixo do que pensava, mais gordo do que parecia, uma infinita tristeza no rosto, como se fosse logo chorar. Leu seu discurso com a voz forte, decidida mas tensa. Deixou claro : só morto sairia do Catete.
Juscelino fez um discurso como ele era : valente, desafiador, falando em desenvolvimento, futuro e democracia, Nada poderia fazer mais bem a Vargas naquela hora desastrada.
Getúlio resolveu dormir em Minas. De manhã, depois do café, Vargas todo arrumado para viajar, com um charuto na mão esquerda, Juscelino chamou um pequeno grupo de jornalistas, um de cada jornal, para nos apresentar. A mão miúda, gordinha, fria, parecia um filé mignon. Olhava-nos com simpatia, sorriso contido mas olhar distante, de quem não estava mais ali, perguntava o jornal onde trabalhávamos, de onde éramos.
Em nenhum instante sorriu aberto. Entrou no carro sem olhar para trás, foi para o aeroporto com Juscelino, despediu-se emocionado.
SUICÍDIO
E o golpe galopava nas rádios, jornais e tribunas do Congresso. Na noite de 23 de agosto, as rádios “Nacional”, “Tupi”, “Globo” ficaram de plantão. A “Nacional” era do governo. A “Tupi” de Chateaubriand e a “Globo” de Roberto Marinho tinham sido entregues a Carlos Lacerda, que não saia do microfone. Meia noite Vargas reuniu o ministério.
Recebeu o manifesto dos generais, levado por seu ministro da Guerra, Zenóbio da Costa. Assinou uma licença, deu a caneta a Tancredo , foi deitar-se ao amanhecer. Lacerda e Eduardo Gomes gritavam nas rádios:
– “ Licença coisa nenhuma. Ele não voltará ”.
Não voltou. Ficou para sempre. Suicidou-se às 8:30 da manhã.
A CARTA
Passei a madrugada ouvindo as rádios e um pianista cego, no “ Columbia ”, bar restaurante de jornalistas noturnos,na avenida Paraná.
A Carta Testamento começou a ser lida nas rádios. Corri para o palácio da Liberdade, cheio de jornalistas, políticos. Juscelino literalmente arrasado. Nas mãos, enrolada, a Carta Testamento. Pedi uma copia para mim, sai às pressas. A cidade já toda na rua. Armaram um palanque bem ao lado da escadaria da Faculdade de Direito. Roberto Costa e Dimas Perrin, dirigentes do Partido Comunista, comandavam :
– Na hora em que terminar de ler a Carta, não esqueça de apontar para o Consulado Americano e dizer :
– Quem matou Getúlio está ali! Foi o imperialismo americano!
O Consulado ficava exatamente ao lado da Faculdade, com uma Biblioteca Thomas Jefferson logo na entrada:
E fui lendo pausadamente, comovidamente. Não sei que ator baixou em mim. Não parecia que era eu. Até a voz ficou mais alta, poderosa. A multidão chorava e eu também. As ultimas frases li como se estivesse sobre o túmulo de Vargas. Antes de descer, o fogo já subia. Haviam posto gasolina nas revistas e jornais pendurados nos cavaletes, nos livros dentro das estantes e nas grandes fotografias de Lincoln e Jefferson.
Queimava tudo. Fogo sabe bem inglês.O incêndio do Consulado em Belo Horizonte foi uma das fotos mais impressionantes que correram o mundo no 24 de agosto. As Policias Federal, Militar e Civil avançaram batendo. Houve muita pancadaria. Estudantes e povo apanhamos muito.
MONTANHA
Montanha, um investigador enorme, grandalhão, negro, me agarrou pelo pescoço com a mão esquerda, a palma da mão bem vermelha, me sacudiu no ar e jogou no chão, como um embrulho inútil.
Na outra mão, um revolver grande, preto. Pensei que ele ia atirar:
– Ai, meu Deus! Vou morrer aos 22 anos, como Álvares de Azevedo!
Não atirou. Bateu com o revolver no meu rosto, o sangue esguichou e saiu me arrastando para o carro da policia.Roberto e Dimas pegaram um ano de cadeia. Estudantes que derramaram a gasolina seis meses cada. A Policia acusou minhas frases de serem uma senha. Sem prova me soltaram.
 DILMA
Dom Pedro I, acuado, mandou seu recado : – “ Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, digam ao povo que fico ”. Ficou pouco.
Getúlio, isolado, deu um tiro no peito. Dilma, ainda bem, não dará.
Também, e é uma pena, não sairá. Só agarrada, tirada. Falta arranjar um José Bonifácio para cuidar de Michel Temer até ele crescer.

25 de agosto de 2015
Sebastião Nery

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