Dilma tenta mea-culpa, mas se atrapalha. Ou: Acho que ela não sabe a diferença entre “pró-cíclico” e “anticíclico”. Ou ainda: Regulador Xavier 1 e 2
A presidente Dilma Rousseff deu ao menos uma dentro: estava com a roupa certa, nesta segunda, quando chamou três jornais para conceder uma entrevista coletiva. Pelas fotos, não sei se era uma blusa ou um vestido, mas a estampa era de bom gosto. Todo o resto de sua fala é um apanhado de erros e de considerações absolutamente inverossímeis.
Sim, compreendo a situação meio desesperadora em que ela está. Mas é preciso que tenha um mínimo de respeito pela nossa inteligência. O problema é que anda mais fácil, para Dilma, acertar na roupa do que nos atos e palavras. Ela poderia ter convocado rede nacional de rádio e televisão, mas preferiu chamar a Folha, o Estadão e o Globo para inaugurar a fase Dalva de Oliveira do seu governo: “Errei, sim, manchei o teu nome…”.
É, caros leitores, a coisa está tão feia que restou à governanta ensaiar agora o caminho do “mea-culpa”, embora ela tenha feito questão de excluir, vamos dizer, o dolo político. Vamos ver, na transcrição feita pelo Estadão, como a presidente confessa o erro:
“Vocês sempre me perguntam: no que você errou? Eu fico pensando o que podia ser. Em ter demorado tanto para perceber que a situação poderia ser mais grave do que imaginávamos. E, portanto, tivéssemos que ter começado a fazer uma inflexão antes. Não dava para saber ainda em agosto (do ano passado). Porque não tinha indício de uma coisa dessa envergadura. A gente vê pelos dados. Setembro, outubro, novembro. Nós levamos muitos sustos. Nós não imaginávamos. Primeiro, que teria uma queda da arrecadação tão profunda. Ninguém imaginava isso. Nós sustentamos o investimento. Nós mantivemos a desoneração da folha. Desoneramos a cesta básica. Tem coisas que não voltamos atrás, como cesta básica. Poderíamos ter reajustado alguma dessas coisas. Cada vez que faço isso, diminuo a política de investimentos. Fizemos a política pró-cíclica. Para preservar emprego e renda. O que é possível considerar é que poderia ter começado uma escadinha. Agora, nunca imaginaria, ninguém imaginaria, que o preço do petróleo cairia de 105 em abril, 102 em agosto, para 43 hoje. A crise começa em agosto, mas só vai ficar grave mesmo entre novembro e dezembro. É quando todos os Estados percebem que a arrecadação caiu.”
Os fatos
Infelizmente, a presidente sabe que não está falando a verdade. Ou será que nem isso ela sabe? O que se vê estava absolutamente previsto, tanto é assim que ela atribuiu a Aécio Neves parte das medidas que ela já sabia que teria de adotar. Surpresa com a queda de arrecadação? É mesmo?
Em julho de 2014, ela já havia caído 1,6% em relação ao mesmo mês em 2013. Sem os R$ 7,130 bilhões do Refis em agosto do ano passado, a redução teria sido de 2,43%, mas o governo maquiou e apontou um aumento de 5,54%. Pedalada arrecadatória. Em setembro daquele ano, novo truque: o Refis entrou outra vez na conta, e a queda de 0,89% virou elevação. No mês seguinte, outubro, a queda real foi de 2,88%, mas tome a mágica do Refis, e se viu um aumento de 1,33%. Em novembro de 2014, as falácias da arrecadação extra haviam chegado ao fim, e a despencada foi de espantosos 12,86% na comparação com igual mês do ano anterior. Em dezembro, novo tombo: 8,9%.
Vale dizer: em razão da desaceleração da economia e da desastrada política de desonerações do governo, a receita fechou 2014 com queda real de 1,79% na comparação com 2013 — queda iniciada em julho. E Dilma vem agora falar que foi surpreendida?
Acho que ela não já não sabe o que diz. Sinceramente não entendi, e creio que nem ela, o que quis dizer a governanta ao afirmar: “Fizemos a política pró-cíclica”. Heeeinnn? Pró-cíclica? Quando?
A presidente esqueceu o lema do Regulador Xavier 1, para excesso de fluxo, e 2, para escassez? Nos anos Lula, sim, o governo aproveitou um período de expansão da economia para gastar dinheiro a rodo — foi pró-cíclico nefasto quando deveria ter sido anticíclico prudente. Isto é: havia excesso de fluxo, mas, mesmo assim, ministrou-se um Regulador 2 na economia. Afinal, buscava-se o jorro eleitoral.
Nos quatro primeiros anos de Dilma, os sinais de que a farra havia chegado ao fim eram evidentes e, no caso, ela deveria, de fato, ter sido pró-cíclica e, pois, atuado no sentido dos novos tempos, contendo gastos. Mas aí ela decidiu ser anticíclica, não é mesmo? Fez política agressiva de desoneração, baixou os juros na porrada e armou a arapuca que aí está. Ela só passou a ser pró-cíclica com Joaquim Levy — vale dizer: o governo é obrigado a medidas de contenção em razão da recessão.
Eu fiquei com a ligeira impressão de que a “economista” Dilma Rousseff não sabe que um governo é anticíclico quando atua contra o ciclo dado da economia e é pró-cíclico quando a favor dele. Para ser simples, mas eficiente: os governos são prudentemente anticíclicos quando são austeros em momentos de grande expansão para ser pródigos nos momentos de contração. E são pró-cíclicos quando alimentam os gastos na euforia ou apertam o cinto quando chega o período das vacas magras.
O que é melhor? Depende. Não são categorias morais. O melhor é ser prudente numa ou noutra coisa. Políticas pró-cíclicas irresponsáveis têm sempre a rebordosa — e Dilma pagou parte do preço das maluquices de Lula. Políticas anticíclicas igualmente irresponsáveis conduzem ao buraco, e Dilma paga o preço das maluquices… de Dilma.
No dias correntes, se não tomarem cuidado com a ânsia pró-cíclica de Joaquim Levy — medidas restritivas num ambiente já deprimido —, vai demorar muito para a vaca sair do brejo.
Nesse particular, eu fiquei em dúvida se Dilma estava tentando enganar os jornalistas, uma hipótese benevolente, ou se ela realmente não sabe o que diz — o que é coisa bem pior para nós.
25 de agosto de 2015
Reinaldo Azevedo
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