Formados na mesma escola de pensamento econômico, a de Chicago, que teve o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman como mentor, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o economista Paulo Rabello de Castro não se reconhecem na defesa do ajuste das contas públicas. Crítico contumaz do descontrole fiscal em todas as esferas de governo no Brasil, Paulo Rabello não vê qualquer sentido na proposta que o ministro tenta aprovar no Congresso Nacional, e a considera o retrato de uma inflação de impostos. “Ela nasce torta, fruto de uma visão de contabilidade, quando o Brasil precisa é de uma agenda completa e articulada para a retomada do crescimento, que começa com a volta do controle das contas públicas”, afirma o economista.
Nas últimas duas semanas, o economista tem se dedicado à construção de uma série de sugestões para o país retomar a capacidade de crescer, que serão apresentadas pela recém-criada Associação Brasileira de Cidadania Pela Democracia (ABCD), com sede em Belo Horizonte. Nas projeções da empresa de consultoria que leva o sobrenome de Paulo Rabello, a RC Consultores, o país está às vésperas do ápice da crise, entre setembro e outubro, sob o risco de cair num cenário de “absoluta desconfiança”. Essa é também, na visão dele, a percepção dos brasileiros que vão aderir às manifestações de rua neste domingo.
Desalinho histórico
“Há semelhanças do Brasil de hoje com o país do Plano Cruzado (em 1986), que, à época, nós dissemos que não tinha condições de funcionar porque começou errado, com um congelamento geral de preços. Tudo o que começa sem ser sustentável no tempo, a não ser que seja uma paulada, um ajustamento de arrumação como foi a URV do Plano Real (em 1994), não funciona. O truque da URV foi, justamente, a sua transitoriedade. Em 1986 havia um dever de casa fiscal a ser feito, que, tal como hoje, diz respeito, ao controle do estado, à redefinição do seu tamanho e ao seu modo de intervir. Naquele momento, nós tínhamos estatais para tudo quanto é lado, déficit de empresas estatais mais do que hoje, subsídios para segmentos considerados coitadinhos e uma disfuncionalidade cambial decorrente da fragilidade financeira do Brasil. Não temos uma inflação galopante como naquele tempo, mas temos algo que galopa, a carga tributária. Falando em planos econômicos, vamos nos lembrar de que o Plano Real transformou a hiperinflação monetária em hiperinflação tributária.”
Emergência e crescimento
“Do jeito que estamos não vamos crescer mesmo. Estimamos para este ano uma queda de 2% a 3% e 2016 é uma grande incógnita, mas, no ritmo atual, vamos ter de crescimento zero a uma retração de 1%. Vamos chegar entre setembro e outubro no ápice da crise com o risco de uma absoluta desconfiança. Por isso, a nossa proposta é uma lei emergencial para o crescimento e o orçamento, que chamamos de Leco. Temos de fazer uma política fiscal de estabilidade e equilíbrio, não para sermos bons gestores apenas, mas para propiciar que as forças produtivas da nação se libertem do governo. Na medida em que por tantos anos não fizemos o dever de casa, eu me proporia a uma agenda de crescimento gradual, mas com vistas a estar em 2018, pelo menos, numa velocidade média de crescimento de 5% ao ano. O custo da atual política monetária e cambial é altíssimo. Nos últimos 12 meses até maio, o setor público desembolsou nada menos de R$ 408,8 bilhões em juros da dívida. Comparado ao período do governo Lula, a cifra significa um salto superior a R$ 250 bilhões nos últimos cinco anos na conta dos juros. Isso equivale a mais de oito Copas do Mundo por ano.”
Programa estrutural
“O lado emergencial da nossa Leco consistiria em um ano de aperto, mas seguido de um programa estrutural de melhoria da gestão, que vai atacar, por exemplo, a maneira de o SUS (Sistema Único de Saúde) trabalhar. Gasta-se a mesma coisa, mas atende-se 20% a mais de pessoas, com mais eficiência. Na conta da emergência, ficariam cortes de R$ 110 bilhões distribuídos entre 2016 e 2017, que, basicamente, se limitam a não fazer o repasse inflacionário para as verbas que hoje comandam, obrigatoriamente, aumentos ao arrepio e em ofensa à situação do povo brasileiro. Um Poder Judiciário que hoje envia para a Câmara ou as assembleias legislativas pedido de recomposição da inflação passada fere o preceito constitucional de solidariedade e, portanto, merece rejeição.”
Pura contabilidade
“O ajuste fiscal já parte torto. Não vou citar a figura do ministro porque o respeito muito. Ele vem, inclusive, da mesma escola que eu, tem muita boa vontade, está ali no sacrifício, mas está errando. O que se pretende fazer é o que se fez nos anos 90, mas que não se aplica mais hoje, quando o Brasil continua com uma alta carga de impostos, depois de uma hiperinflação tributária. Naquele momento do Plano Real criou-se um lema hoje repetido por Joaquim Levy: Onde houver despesa pública cobrirei com uma receita correspondente. Não importa a forma. Aí começa a escalada tributária. A inflação de impostos nasce dessa frase. É uma forma de ajuste fiscal arcaico pelo lado da receita. Ela (a proposta) nasce torta, fruto de uma visão de contabilidade, quando o Brasil precisa é de uma agenda transformadora e articulada para a retomada do crescimento, que começa com a volta do controle das contas públicas.”
Recado das ruas
“Que tal olharmos o ajuste fiscal necessário pelo lado da despesa, depois de uma década de esbanjamento das contas públicas? Essa é a mudança filosófica e ideológica que a sociedade brasileira quer. Quer que ao governo caiba solidariamente uma atitude compatível com o sacrifício que a sociedade tem feito há 30 anos para sustentar o estado brasileiro. As pessoas percebem essa necessidade de uma agenda completa. A presidente Dilma Rousseff não pode é continuar o discurso da mandioca e, como ela não tem programa, então que copie a agenda que é do povo."
(entrevista enviada pelo comentarista Wilson Baptista Jr.)
(entrevista enviada pelo comentarista Wilson Baptista Jr.)
20 de agosto de 2015
Marta Vieira
Estado de Minas
Nenhum comentário:
Postar um comentário