"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

ASCENSÃO E QUEDA DE UM CERTO PT: O PARTIDO DO "TU QUOQUE"

    
No princípio, havia a negação. Pairava então o PT, límpido espírito sobre as águas. Era o “partido diferente — e de 'gente diferenciada'” (o que, à época, escrevia-se como elogio), a “opção politizada” da “elite pensante”, universitária, intelectual; partido ético.
Tão ético que votava contra a promulgação da Constituição democrática, exigindo-lhe menos “inflexões pequeno-burguesas” e mais “direitos progressistas”, como aqueles do Leste Europeude então (e ai de quem, internamente, contestasse a sabedoria de símile atitude, única dissensão à conciliação nacional: sumia dos anais, como a orgulhar a herança stalinista).

Sim, o mesmo PT montava esquemas de gangrena protomensaleira nas prefeituras do ABC paulista, aparelhava a administração municipal de Porto Alegre com as últimas tecnologias de manipulação de massas e consolidava intercâmbios internacionais com a paleotirania cubana e com as Farc, o mais abrangente cartel do narcotráfico continental. Fariam qualquer coisa pelo poder – mostravam-no documentalmente.
E diziam a seus próceres, com o poder, o que fariam. Jamais publicamente.
 
Não obstante, o chiqueiro eram os outros. Para o grande público, a estrela petista simbolizava faro de esperança, o limiar das mudanças, o empoderamento popular.
Com esse frontão, a bandeira vermelha posicionou seus quadros em todo o funcionalismo de Estado, nas redações dos jornais, nos movimentos estudantis, no clero e nos movimentos católicos de base — até mesmo no Judiciário, donde importar qualquer doutrina apta a remodelar a legalidade para algo à sua semelhança, mandando às favas a legitimidade do arcabouço jurídico: hipergarantismo, jusalternativismo, marcuseanismo, pseudo-neoconstitucionalismo, marxismo prêt-à-porter.
Duas décadasde infiltração, logo se vê, oferecem pretextos para mil talheres.
 
Leitores de Gramsci, os dirigentes partidários entendiam a sociedade como um tabuleiro de xadrez onde distribuir suas peças, ocupando posições-chave que não permitissem escapatória a seus esquemas, sequer em pensamento.
 
Quando os meios materiais de poder estavam todos a seu serviço, ou assim pareciam, veio a tomada formal: dois mil e três era o ano, na contagem dos cristãos. Entre os petistas, ano um. Começava a nova era. Reinaugurava-se o Brasil, e “nunca antes na história...”
 
Ocorre que o Brasil é país complexo, bem mais do que supunha a vã ambição dos tiranetes. Vinte anos de regime constitucional — aquela mesma Constituição que amargara a antipatia da Estrela desde a gênese — consolidaram núcleos de consciência institucional em ambientes como o Poder Judiciário, o Ministério Público e as polícias, cujas autonomias nem o poder central da Presidência, nem a guerra de guerrilha gramscista puderam aniquilar. Como mentira alguma é capaz de vida eterna, e como a sociedade respirasse, os métodos e os fins do Partido, paulatinamente, transpassaram os poros da institucionalidade sitiada.
 
Vieram os dias do Mensalão. Bastou o rompante de figura histriônica — a mais canastrona possível —, e um mar de lama rompeu o dique da cooptação, deixando entrever, do outro lado, as largas praias deSuborno e Chicana. Roberto Jefferson foi desses acidentes históricos que atestam a imprevisibilidade do humano, a fragilidade daqueles que tentam estabelecer seus domínios com base em maquiavelismos mirabolantes.
 
O discurso do “partido diferente” desmoronava a cada revelação,fraturado sob o peso das evidências. Da burocracia partidária, o núcleo central rumava abraçado para a penitenciária, e a Presidência da República nada podia fazer para livrar-lhe a cara.

Nada, isso é, além daquilo que tentou: escutas ilegais, pressão sobre os julgadores, campanhas nas mídias pagas com verba publicitária oriunda de impostos, sabotagem contra os inquéritos parlamentares, engenharia de desinformação.
Para salvar a indispensável figura de Lula, sacrificou-se a de José Dirceu — aquele que, segundo muitos, seria seu natural sucessor, com direito a curso de capacitação em Cuba nos tempos rubros do financiamento soviético e da cooperação com a KGB.
 
Cumpria a Lula, uma vez em segurança, encontrar substituto a Dirceu. Alguém que houvesse escapado ileso aos tremores de 2005, e cuja liderança não ofuscasse a sua própria, mas com know-how suficiente das necessidades e dos meandros partidários para que as fontes do poder petista não secassem em seu interlúdio — Lula, afinal, voltaria em seguida (2014 ou 2018, no mais tardar), e a perpetuidade do paraíso, para a falsa classe operária, estaria assegurada.
Esse alguém viria a ser uma mulher enérgica, potente, agressiva e impiedosa, cuja competência Lula comprovara in loco, vendo-a manejar um fabulosolaptop com toda a perícia de uma grande executiva (foi-lhe, asseguram os cronistas, prova o bastante).

Alguém que, afinal, chefiara aCasa Civil, encomendara dossiês contra adversários sem corar, impusera aos brados férreos sua vontade ao Ministério de Minas e Energia e presidira o conselho da pujante Petrobrás, respondendo pessoalmente — garantiam — por todos os méritos de cada setor, atenta a tudo o que neles se passava.
A sucessora de Lula, decidia o próprio, seria a ex-guerrilheira, ex-ladra, ex-terrorista, ex-brizolista e então petroleira Dilma Vana Rousseff.
 
O cenário, ainda assim, havia mudado. Desde baixo do tapete, a sujeira transbordava — e era muito claro que o fazia à revelia daqueles que, por vinte anos, lá a acumularam. Investigavam-na, unicamente, aqueles a quem a Presidência e seus milhares de apaniguados não eram capazes de calar.

Por sua natureza, o PT pretendera um dia substituir-se à sociedade. Agora, era a sociedade — como força da natureza — a impor sua própria dinâmica ao PT: agentes fora de seu controle persistiam a seguir uma agenda republicana, e esta onda poderia levar toda a agremiação de volta à estaca zero.
Ao “partido da ética na política cumpria reinventar-se, até por carência dequadros no gozo de seus direitos políticos. Sem mais poder se dizer diferente e negar a lama onde nadava, o petismo entrava em nova fase: a fase do “tu quoque”.
 
“Tu quoque” é falácia catalogada, de cepa notória na dialética heurística. “Apelo à hipocrisia”, constante em qualquer alfarrábio. Acompanha os primórdios da ars retórica, sendo pouco mais que gênero do “argumentum ad hominem”.
Consiste em admitir o próprio pecado, mas, imediatamente, apontar pecado igual, senão maior, na pessoa do interlocutor.

A falácia lógica decorre de não se atacar a posição em debate (qual seja, a corrupção flagrante do sistema petista), atacando-se, em vez, o suposto comprometimento daquele que a denuncia: “quem resiste ao projeto petista”, inferem eles, “é tucano por associação; militarista; udenista, e ao tempo de todos estes existiu corrupção – ergo, não se levante a voz contra o ladrão da ocasião; ninguém pode fazê-lo com coerência”.
 
Por óbvio, não se recorre ao “tu quoque” com o propósito de emendar-se, mas de se escusar. “Eu o fiz, não o posso negar; mas ele o fez também! Fizemo-lo todos, e, portanto, ninguém nos há de condenar”.
 
O partido diferente, doravante, esforçar-se-ia dia a dia a afirmar a igualdade universal entre os animais da fazenda Brasília, e a si mesmo, o porco-em-chefe, como o mais igual entre os iguais.Nítida camuflagem. Nem menos, nem mais.
 
A crise do mensalão foi superada, perdidos uns poucos anéis e, noves fora, salvos todos os nove dedos. A falácia da igualdade, repetida à exaustão, desnorteou a imprensa e amedrontou os meios políticos. Poupado de críticas mais pertinentes à essência do projeto petista, o Partido logrou sobrevida e, em seguida, pleno restabelecimento de seu vigor pregresso.
 
Quando tudo parecia assentar, e o avanço petista, inebriado pelo bolivarianismo de países vizinhos, insinuava um renascimento invencível do populismo e da subversão ideológica a níveis continentais, a imprevisibilidade das coisas humanas interpôs-se, outra vez, à perfeição do planejamento.

Naqueles espaços de consciência deontológica que o PT não logrou sufocar jazia uma seção judicial da Justiça Federal, sita na cidade de Curitiba, guarnecida por juiz de nome Sérgio Fernando Moro. A ele o Ministério Público, cumprindo seu dever com autonomia funcional (para a fúria do Partido que, desde o berço, odiara na Constituição, precipuamente, ditos vestígios de “direito liberal”), deu a conhecer certa investigação apelidada “Lava Jato”.

Versava ela, a princípio, sobre a utilização de uma rede de postos de combustível e de lavagens de automóveis para a limpa de bens um tanto diferentes do objeto social: recursos financeiros de origem ilícita.
Seguindo o dinheiro, juiz, policiais e procuradores desvelariam um esquema de corrupção indissociável do instrumental petista de exercício do poder.
 
O relato alcançou a imprensa— a independente de ingerências estatais —, que o aportou ao público. Ganhou repercussão mundial. O volume de recursos envolvido tornou patente, de imediato, que se falava no maior escândalo de corrupção governamental da história moderna — do Brasil e do mundo.
Com o tramitar dos autos, já é admitido que o caso supera qualquer outro conhecido à humanidade, desde os primeiros registros escritos. Nem nos tempos dos césares. Dos faraós. De Hamurabi! Jamais um outro ente de razão arrogou para si, contra a lei e os costumes de seu tempo, tantos recursos de uma sociedade.
 
Ironicamente, a Lava Jato devolve o “mais igual” dos partidos à condição original, da qual tanto se gabava outrora: é agrupamento realmente único, diverso de tudo o quanto conhecíamos até então. Não pela lisura, é verdade, senão pela ganância, ambição e potência destrutivas. Caso persista a defender-se mediante o estratagema acima, seu discurso, de tão inverossímil, acabará por acelerar o naufrágio dele próprio.
 
O “tu quoque”, como qualquer falácia, persuade por conter em si algo de verossímil. Com efeito, a corrupção precede o PT — está aí desde Eva, Adão e Caim. As ruas lotam-se de quem, um dia, furou fila ou cruzou sinal vermelho. Todavia, sem noção de proporção, a Justiça se transmuta em virtude impossível. É exatamente este o fulcro de quem invoca o apelo à hipocrisia, sem defender-se contra o fato e limitando-se a apontar “você também”: conduzir a audiência à imobilidade, por sensação de absoluta impotência. “Uma vez que não se possa apagar todo o pecado do mundo”, conclui o argumento enganador, “absolvamos sem penitência todos os pecadores — a começar por este que vos fala, e que acaba de ser pego em flagrante”.
 
Falácias devem ser denunciadas, devolvendo o debate aos trilhos. Quem responde ao corrupto hodierno com elucubrações sobre o corrupto de 1500, virado em pó em seu caixão, qual interesse terá em mente: oferecer justiça a ambos os casos, ou deixa-los, por igual, impunes?
Que não caiamos, pois, em manobras diversionistas. Há que ter foco e consciência daquilo com que lidamos: desvios de uma tal monta que apenas se explicam como meios de quem sonha controlar a sociedade por inteiro.

A Lava Jato expôs engrenagens e óleo de um esquema único – o financiamento de uma agremiação em busca de poder totalitário e perpétuo, além do horizonte abrangível por qualquer indivíduo.
Claro está que corrupção como a petista nunca se viu, com fartura de evidências—algo que o “partido ético” de antanho, testemunha de acusação contra todos os diabos e todos os santos, não oferecia jamais durante seus vinte anos de gritas de “lobo!”.
 
Que se vejam seus frutos assombrosos: quebrou empresa de petróleo com monopólio legal, esvaziou banco de fomento com garantia estatal, arrasou o setor energético, converteu marola internacional em tsunami interno perene; deixou um país inteiro, repleto de potencial, isolado no mundo sob a condição única de estagflação e, agora, desespera-se em busca da desinstitucionalização, última tábua ao alcance para seu próprio salvamento. Os feitos do projeto petista não têm pares na Terra, embora sigam exemplos — dos infernos. Não se importam por destruir um país, desde que garantam sobre ele o seu controle.
 
O Partido do Tu Quoque acabou. Insistir em sua defesa é insanidade — tarefa inglória de militância histérica, à qual apelam os psicopatas no poder. Persistirão em tal loucura até quando? Quanto tempo passarão a abusar de nossa paciência? Terão vigor as instituições para vencerem, ao final, aqueles que as vilanizam desde o princípio? A sociedade nas ruas, reivindicando liberdade, aponta que restaurar o Brasill é, em verdade, possível.
Em verdade, em verdade, a mentira tem pernas curtas. A falácia, também.
 
17 de abril de 2015
Leonardo Faccioni


NOTA AO PÉ DO TEXTO

TU QUOQUE - conceito e aplicação prática
Tu quoque é uma expressão latina que refere-se a quebra de confiança, ofensa a boa-fé objetiva, um elemento surpresa. Essa expressão utilizada antes de Cristo, tem origem da célebre frase dita pelo imperador Julio César ao seu filho adotivo Marcus Brutus: "tu quoque Brutus filie mi", que significa, literalmente, você também Brutus meu filho. (Até tu Brutus?) Significando indignidade! No Direito Civil, tem como figura representativa a exceção do contrato não cumprido prevista no art. 476 do Código Civil:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

A pretensão desse dispositivo é evitar que aquele que não cumpre a sua obrigação , violando uma norma jurídica, venha a invocar essa mesma norma em seu favor, com isso atentando contra o princípio da boa-fé objetiva.

Na prática, é muito utilizado em questões contratuais, como por exemplo: quando nenhuma das partes cumprem com a obrigação estipulada, e depois uma delas aciona a outra judicialmente para cumprir. O fato de um cobrar o outro sem ter cumprido com a própria obrigação caracteriza ato abusivo, ilícito, vedado pelo art. 187 CC – segundo o qual todo aquele que ao exercer o seu direito extrapolar os limites, prática ato ilícito.  Dentre as modalidades dos atos ilícitos, insere-se o "tu quoque". 
 
 
 
 
 

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