Esta matéria é um breve histórico sobre a trajetória do conflito entre aEta-Basca e o governo da Espanha, conflito que assumiu características de guerra permanente. Além disso, os acordos firmados entre Espanha e França sobre a repressão conjunta à ETA moldaram a consciência de grande parte da população basca de que era preciso lutar contra o governo de Madri.
Esse sentimento se generalizou, sobretudo durante a Guerra Civil (1935-1937) quando a repressão – que atingiu, inclusive padres bascos - determinou a afirmação de uma cultura de resistência do povo basco contra o que foi denominado fascismo franquista e tudo o que ele representava.
Nos anos 60 surgiu a Euskadi Ta Askatasuna (ETA) como organização armada, nacional e socialista, que se intitulou vanguarda dos trabalhadores e dos setores populares, e que seria o protagonista mais destacado de EUSKAL HERRIA (País Basco) e a organização mais combatida por todos os governos espanhóis desde então.
Mais tarde foi constituída a coordenação política de uma rede de organizações sociais, sindicais e políticas: a Kas - Koordinadora Abertzale Sozialista (Coordenadora Popular Socialista) e, no seu rastro, em 1979, seria fundado o instrumento de mediação político-institucional desse espaço independitista e socialista: a Herri Batasuna.
Euskal Herria é o único território do Estado espanhol onde a transição política pactuada pelo governo que sucedeu o general Franco e as lideranças da oposição não foi aceita.
A maioria do povo basco rejeitou a Constituição de 1978 - pacote político institucional da transição - aprovada no restante da Espanha. Também não aceitou o Pacto de Moncloa, o Estatuto dos Trabalhadores - pacote econômico-trabalhista - e, em 1986, pronunciou-se majoritariamente contra o ingresso da Espanha na Otan.
Posteriormente, nos anos 80, a ETA passou a desfechar uma série de ações armadas em diversas cidades espanholas, especialmente Barcelona, Madri e Saragoza, afastando do movimento de solidariedade para com a Organização uma importante base de apoio político.
Após mais de uma década de impasses, o movimento conseguiu reunir a maioria dos partidos, forças sindicais e sociais bascas num fórum que aprovou uma declaração política em favor de uma articulação negociada e pacífica do conflito, exigindo o direito à autodeterminação e o regresso dos presos da ETA ao País Basco, uma vez que eles estavam espalhados em diversas prisões, principalmente no Sul do país e alguns na França.
A “Declaração de Lizarra-Garazi” (cidade basca onde o fórum foi realizado) quebrou o aparente isolamento da Izquierda Abertzale (Esquerda Popular).
Diante disso, a ETA divulgou uma “Declaração Unilateral de Trégua Armada Indefinida”, considerando que a “Declaração de Lizarra-Garazi” poderia abrir um espaço para afirmar a vontade da sociedade basca em favor da negociação para uma solução pacífica e política do conflito.
Diante disso, a ETA divulgou uma “Declaração Unilateral de Trégua Armada Indefinida”, considerando que a “Declaração de Lizarra-Garazi” poderia abrir um espaço para afirmar a vontade da sociedade basca em favor da negociação para uma solução pacífica e política do conflito.
Surgiu, assim, uma coligação política impulsionada por Herri Batasuna, ampliando o espaço da Izquierda Abertzale que se chamou Euskal Herritarrok (Cidadania Basca).
Nesse âmbito, os sindicatos Lab (diretamente vinculados à Izquierda Abertzale) e o Ela-Stv (tradicionalmente ligado ao partido da burguesia basca, o PNB-Partido Nacional Basco) e que representam cerca de 60% do movimento sindical, exigiram o reconhecimento por parte do governo espanhol da Euskal Herritarrok como espaço próprio de negociação coletiva.
A proposta de negociação a favor do processo de autodeterminação tornou-se mais forte com a criação da primeira instituição nacional basca, que reuniu vereadores e prefeitos das cidades das regiões que constituem o território natural dos bascos: a Comunidade Autônoma Basca, Navarra e o País Basco francês. Em decorrência, o governo espanhol, através do 1º Ministro José Maria Aznar, reconheceu publicamente a beligerância da ETA, e aceitou negociar com ela. Esse foi considerado o acontecimento político de maior importância na história do País Basco.
Esse fato, em contrapartida, iria permitir manter ou acrescentar um acúmulo de forças e fazer avançar as lutas do País Basco.
Segundo fontes antiterroristas espanholas, a ETA renovou completamente sua infraestrutura e passou a dispor de 5 comandos operativos com 30 ativistas e cerca de 100 colaboradores. Seus artefatos, normalmente aderidos ao fundo dos automóveis demonstraram uma trágica eficácia. A ETA conta também com centenas de jovens treinados em lutas de rua e no chamado “terrorismo de baixa intensidade”.
Em 12 de julho de 2003 a direção da ETA-Basca divulgou uma Nota declarando que “quer impedir ou dificultar as ações internacionais da Espanha, e por isso as empresas multinacionais serão considerados alvos militares”. O grupo fez também ameaças a jornalistas e empresários (oligarcas, ricos banqueiros e líderes econômicos) assim como aos membros das forças de Segurança do Estado, do Exército e a “todos que colaborem com as Forças Armadas”. Além disso, a ETA afirmou que continuará extorquindo empresas, exigindo o chamado “imposto revolucionário”.
No entanto, meses depois, em 9 de dezembro de 2003, foi capturado na França o chefe militar da ETA, Gorka Palácios Alday, cujo nome constava de uma lista de terroristas organizada pela União Européia.
Sem dúvida, a Eta sofreu um grande debilitamento, considerando que no ano 2000 levou a cabo 44 ações terroristas que deixaram 23 mortos, enquanto que em 2003 perpetraram 17 ações que resultaram na morte de 3 pessoas. Assim, ao que tudo parece indicar, a ETA, depois de mais de três décadas de violência que deixaram cerca de 800 mortos, estaria perto de seu fim. Na França e na Espanha estão presos 696 membros da ETA, dos quais 400 foram detidos nos anos de 2002 e 2003.
Posteriormente, em 16 de janeiro de 2004, a Corte Constitucional, a mais alta instância jurídica da Espanha, manteve na ilegalidade oBatasuna, partido considerado o braço-político da ETA.
Atividades da Eta-Basca na América Latina
Não é segredo que desde meados dos anos 80 a ETYA estabeleceu uma sólida rede de apoio em vários países da América Latina, como México, Venezuela, Uruguai e Nicarágua, entre outros, inclusive para a arrecadação de fundos, com o recurso até mesmo a atividades criminosas, como assaltos e seqüestros. Data desse período a aproximação da ETA com os regimes de Cuba e Nicarágua, que então atuavam ativamente como “exportadores da revolução”.
Na Nicarágua, em cooperação com os Serviços de Inteligência sandinistas e cubano, a ETA organizou uma rede internacional de seqüestradores, não apenas para autofinanciar-se, mas também para financiar outras organizações voltadas para a guerrilha.
Posteriormente, o grupo se incorporaria ao aparato do Foro de São Paulo. Finalmente, em maio de 1993, as atividades da ETA vieram à luz, quando explodiu em Manágua um bunker subterrâneo onde eram escondidas as armas e demais materiais e documentos tais como passaportes falsos e uma relação de 77 empresários latino-americanos “seqüestráveis”, dentre os quais o empresário Abílio Diniz, seqüestrado em São Paulo, em 1989.
Essa rede era supervisionada por Manuel Piñero Losada, já falecido, que foi chefe da Inteligência cubana e homem da estrita confiança de Fidel Castro por mais de 30 anos e que na época era o chefe do Departamento América, órgão de Inteligência do Comitê Central do Partido Comunista Cubano.
Corroborando o debilitamento da ETA, em um Comunicado enviado à imprensa em 4 de fevereiro de 2004, essa organização afirmou que está disposta a dialogar com o governo espanhol, negociando uma solução para o conflito, a fim de colocar um fim à sua campanha terrorista de mais de três décadas.
Finalmente, deve ficar claro que quando existe uma ameaça terrorista de caráter internacional, os órgãos de segurança dos países ameaçados se coordenam. Foi assim, na década de 70, na América Latina, quando os serviços de diversos países passaram a trocar informações com a finalidade de combater a Junta de Coordenação Revolucionária (JCR), criada em 1974 por organizações terroristas do Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia, após a deposição de Salvador Allende, no Chile – essa coordenação dos Serviços de Inteligência foi denominada pelas esquerdas de Operação Condor - e continua sendo assim, conforme nos dá conta a notícia divulgada em 21 de novembro de 1998 pela France-Press:
“O presidente francês, Jacques Chirac, e o Primeiro-Ministro Lionel Jospin, confirmaram ao chefe de governo espanhol, José Maria Aznar, a adesão da França à luta antiterrorista na Espanha, ao ser concluída, ontem, a reunião de cúpula França-Espanha, em La Rochelle”. Ou seja, esses dois países passaram a fazer aquilo que condenaram enfaticamente nos anos 70, na América Latina: coordenar seus Órgãos de Inteligência e suas polícias para combater o terrorismo.
Nesse caso, todavia, é interessante observar que o diligente Juiz espanhol Baltasar Garzón, que acusou e manteve preso o general Pinochet, acusando-o de responsável pela chamada Operação Condor, não viu motivos para fazer o mesmo com o presidente Jacques Chirac e o 1º Ministro José Maria Aznar.
27 de fevereiro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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