EU VOTO AÉCIO 45
A crise de 2008 deixou sequelas em todos os países, causando desemprego e graves problemas sociais. Reduziu o crescimento mundial de uma média de 5% ao ano no período 2005/2007 para o patamar dos últimos seis anos de 3%. É uma perda de 40%. Todos, sem exceção, estão enfrentando o desafio de recuperar o crescimento. No Brasil, essa perda atingiu no mesmo período 50% e isso foi agravado nos últimos anos a despeito das várias tentativas do governo para reanimar a economia.
Sem dúvida, o maior desafio do próximo governo é conseguir restabelecer o nível de crescimento que vigorou na fase anterior à crise, próximo a 4% ao ano.
Não está claro, no entanto, no debate econômico entre os postulantes à presidência qual a estratégia que pretendem adotar face a esse desafio. Os que defendem o tripé macroeconômico e/ou a independência do Banco Central (BC) parecem acreditar que o crescimento é consequência da adoção dessas propostas. Não creio. Artigos têm surgido na defesa e no ataque dessas propostas e isso tem desviado o foco do debate que interessa.
A economia brasileira vive travada e os vários estímulos tentados pelo atual governo não deram resultado e isso porque não foram removidos os freios que desestimulam o consumo e o investimento, que são as elevadas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro.
Tentativa. A presidente ainda tentou enfrentar essa questão em abril de 2012, quando declarou não ver justificativa técnica para o alto nível das taxas de juros bancárias e determinou ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal que as reduzissem e solicitou aos bancos privados que fizessem o mesmo. Estes reagiram alegando riscos com uma possível elevação da inadimplência na sua carteira de empréstimos.
Fato é que a presidente não deu a sequência necessária à sua iniciativa que teria sido a redução sem volta da Selic para o nível da inflação, como o fizeram todos os países na taxa básica de juros, e tabelasse reduzindo as tarifas bancárias.
Os ganhos de tesouraria na aplicação de títulos do governo e as tarifas bancárias constituem parcela significativa do lucro bancário, permitindo aos bancos posição cômoda na oferta de crédito. Essas medidas induziriam o sistema bancário a competir mais duramente no mercado de crédito, trazendo como consequência a redução natural das taxas de juros.
Atendendo à orientação da presidente, o BC reduziu a Selic de 12,5% em agosto de 2011 para o mínimo de 7,25% a partir de outubro de 2012, lá permanecendo até abril de 2013, quando passou a subir novamente até alcançar o nível atual de 11%.
Ao perder mais essa batalha, a presidente deu razão aos que defendiam a manutenção das taxas elevadas de juros para combater a inflação. O erro cometido pela presidente é não ter percebido que o que levou a quebrar o compromisso de manutenção da Selic no patamar mínimo foi a ascensão dos preços dos alimentos, que durante 12 (!) meses seguidos (maio de 2012 a abril de 2013) superou o IPCA, conduzindo-o ao limite da meta de inflação em abril de 2013. Esse fenômeno só ocorreu uma única vez de junho de 2006 a agosto de 2007, por 14 meses seguidos, em toda a série histórica do IPCA que começou em janeiro de 1980. Também naquela ocasião, a inflação de alimentos ao final do período havia conduzido o IPCA ao topo do teto da meta.
Perdida as duas batalhas: da Selic e das taxas de juros bancárias, o governo ficou sem rumo na economia e refém do fantasma da inflação, esmorecendo no que devia ser seu objetivo central que é restaurar o crescimento perdido.
Sem volta ao passado. Mas será que os dois principais candidatos de oposição vão enfrentar essa anomalia da economia? Não parece, pois suas propostas se encerram no fracassado tripé e na independência do BC. Nada se fala sobre taxa de juros. O candidato Aécio Neves chegou a anunciar qual seria seu ministro da Fazenda, o mesmo que presidiu o BC durante todo o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999/2002).
No início daquela gestão do BC, a Selic estava em 25% e pulou para o máximo histórico de 45% em março de 1999. O mínimo alcançado foi de 15,25% durante dois meses. Terminou em 25% em dezembro de 2002. Foi, também, no início daquela gestão que nasceu o sistema de metas de inflação. O resultado deixou a desejar: a) a inflação média anual foi de 8,8% (!) e; b) o teto da meta de inflação foi rompido em 2001 e 2002.
No governo Lula, a Selic recuou um pouco, mas ainda na casa dos dois dígitos e nenhuma iniciativa para reduzir as taxas de juros ao tomador.
Retomada. Mas o que deveria ser feito para retornar à rota do crescimento? Em primeiro lugar reduzir a Selic em um ponto porcentual a cada mês até o nível de 6%, que é a média dos países emergentes. Isso permitirá evoluir o câmbio para novo patamar, eliminando a sobrevalorização que vem sacrificando a indústria e causando rombos externos acima de US$ 80 bilhões nos últimos dois anos.
O novo patamar cambial, que estimo ficar no entorno de R$ 3,00/US$, vai reativar as exportações, melhorando as contas externas e acabando com a sangria anual de US$ 10 bilhões de juros que ganha o capital especulativo internacional em títulos do governo.
O fantasma da inflação não deve, no entanto, impedir que se coloque o câmbio no lugar. Os preços na economia brasileira se encontram muito acima do nível da oferta internacional e os que exportam para cá, diante da desvalorização cambial, têm margem de lucro que permite reduzir os preços em dólar para não perder a posição que desfrutam no mercado. Assim, o efeito inflacionário seria atenuado.
Com a queda da Selic caem as despesas com juros, que devem atingir 6% do PIB neste ano, indo na direção do equilíbrio fiscal. O custo de carregamento das reservas internacionais cai fortemente pela redução da diferença entre as taxas de juro real aqui e nos Estados Unidos onde são aplicadas a maior parte dessas reservas.
Outra consequência da redução da Selic é o estímulo à ampliação dos investimentos pela comparação entre aplicar no negócio ou em título do governo.
Em segundo lugar é recolocar as taxas de juros ao tomador em níveis civilizados. À guisa de comparação, essas taxas ao consumidor na média dos países emergentes é de 10% ao ano, dez vezes inferior à nossa. Para isso, ao lado da redução da Selic é imprescindível tabelar reduzindo as escorchantes tarifas bancárias. Os bancos privados para não perder mercado terão de reduzir gradualmente suas taxas de juros.
Essa redução permitirá eliminar parte da imensa gordura que mais do que dobra os preços da economia com o crediário, e isso é apenas uma das ações que venho apontando para estimular o crescimento e combater a inflação.
Resta ver se o próximo governo vai remover a anomalia da taxa de juro, podendo desagradar, segundo o jornal Valor Econômico, a um dos três setores mais importantes no financiamento das campanhas eleitorais. A conferir.
A crise de 2008 deixou sequelas em todos os países, causando desemprego e graves problemas sociais. Reduziu o crescimento mundial de uma média de 5% ao ano no período 2005/2007 para o patamar dos últimos seis anos de 3%. É uma perda de 40%. Todos, sem exceção, estão enfrentando o desafio de recuperar o crescimento. No Brasil, essa perda atingiu no mesmo período 50% e isso foi agravado nos últimos anos a despeito das várias tentativas do governo para reanimar a economia.
Sem dúvida, o maior desafio do próximo governo é conseguir restabelecer o nível de crescimento que vigorou na fase anterior à crise, próximo a 4% ao ano.
Não está claro, no entanto, no debate econômico entre os postulantes à presidência qual a estratégia que pretendem adotar face a esse desafio. Os que defendem o tripé macroeconômico e/ou a independência do Banco Central (BC) parecem acreditar que o crescimento é consequência da adoção dessas propostas. Não creio. Artigos têm surgido na defesa e no ataque dessas propostas e isso tem desviado o foco do debate que interessa.
A economia brasileira vive travada e os vários estímulos tentados pelo atual governo não deram resultado e isso porque não foram removidos os freios que desestimulam o consumo e o investimento, que são as elevadas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro.
Tentativa. A presidente ainda tentou enfrentar essa questão em abril de 2012, quando declarou não ver justificativa técnica para o alto nível das taxas de juros bancárias e determinou ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal que as reduzissem e solicitou aos bancos privados que fizessem o mesmo. Estes reagiram alegando riscos com uma possível elevação da inadimplência na sua carteira de empréstimos.
Fato é que a presidente não deu a sequência necessária à sua iniciativa que teria sido a redução sem volta da Selic para o nível da inflação, como o fizeram todos os países na taxa básica de juros, e tabelasse reduzindo as tarifas bancárias.
Os ganhos de tesouraria na aplicação de títulos do governo e as tarifas bancárias constituem parcela significativa do lucro bancário, permitindo aos bancos posição cômoda na oferta de crédito. Essas medidas induziriam o sistema bancário a competir mais duramente no mercado de crédito, trazendo como consequência a redução natural das taxas de juros.
Atendendo à orientação da presidente, o BC reduziu a Selic de 12,5% em agosto de 2011 para o mínimo de 7,25% a partir de outubro de 2012, lá permanecendo até abril de 2013, quando passou a subir novamente até alcançar o nível atual de 11%.
Ao perder mais essa batalha, a presidente deu razão aos que defendiam a manutenção das taxas elevadas de juros para combater a inflação. O erro cometido pela presidente é não ter percebido que o que levou a quebrar o compromisso de manutenção da Selic no patamar mínimo foi a ascensão dos preços dos alimentos, que durante 12 (!) meses seguidos (maio de 2012 a abril de 2013) superou o IPCA, conduzindo-o ao limite da meta de inflação em abril de 2013. Esse fenômeno só ocorreu uma única vez de junho de 2006 a agosto de 2007, por 14 meses seguidos, em toda a série histórica do IPCA que começou em janeiro de 1980. Também naquela ocasião, a inflação de alimentos ao final do período havia conduzido o IPCA ao topo do teto da meta.
Perdida as duas batalhas: da Selic e das taxas de juros bancárias, o governo ficou sem rumo na economia e refém do fantasma da inflação, esmorecendo no que devia ser seu objetivo central que é restaurar o crescimento perdido.
Sem volta ao passado. Mas será que os dois principais candidatos de oposição vão enfrentar essa anomalia da economia? Não parece, pois suas propostas se encerram no fracassado tripé e na independência do BC. Nada se fala sobre taxa de juros. O candidato Aécio Neves chegou a anunciar qual seria seu ministro da Fazenda, o mesmo que presidiu o BC durante todo o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999/2002).
No início daquela gestão do BC, a Selic estava em 25% e pulou para o máximo histórico de 45% em março de 1999. O mínimo alcançado foi de 15,25% durante dois meses. Terminou em 25% em dezembro de 2002. Foi, também, no início daquela gestão que nasceu o sistema de metas de inflação. O resultado deixou a desejar: a) a inflação média anual foi de 8,8% (!) e; b) o teto da meta de inflação foi rompido em 2001 e 2002.
No governo Lula, a Selic recuou um pouco, mas ainda na casa dos dois dígitos e nenhuma iniciativa para reduzir as taxas de juros ao tomador.
Retomada. Mas o que deveria ser feito para retornar à rota do crescimento? Em primeiro lugar reduzir a Selic em um ponto porcentual a cada mês até o nível de 6%, que é a média dos países emergentes. Isso permitirá evoluir o câmbio para novo patamar, eliminando a sobrevalorização que vem sacrificando a indústria e causando rombos externos acima de US$ 80 bilhões nos últimos dois anos.
O novo patamar cambial, que estimo ficar no entorno de R$ 3,00/US$, vai reativar as exportações, melhorando as contas externas e acabando com a sangria anual de US$ 10 bilhões de juros que ganha o capital especulativo internacional em títulos do governo.
O fantasma da inflação não deve, no entanto, impedir que se coloque o câmbio no lugar. Os preços na economia brasileira se encontram muito acima do nível da oferta internacional e os que exportam para cá, diante da desvalorização cambial, têm margem de lucro que permite reduzir os preços em dólar para não perder a posição que desfrutam no mercado. Assim, o efeito inflacionário seria atenuado.
Com a queda da Selic caem as despesas com juros, que devem atingir 6% do PIB neste ano, indo na direção do equilíbrio fiscal. O custo de carregamento das reservas internacionais cai fortemente pela redução da diferença entre as taxas de juro real aqui e nos Estados Unidos onde são aplicadas a maior parte dessas reservas.
Outra consequência da redução da Selic é o estímulo à ampliação dos investimentos pela comparação entre aplicar no negócio ou em título do governo.
Em segundo lugar é recolocar as taxas de juros ao tomador em níveis civilizados. À guisa de comparação, essas taxas ao consumidor na média dos países emergentes é de 10% ao ano, dez vezes inferior à nossa. Para isso, ao lado da redução da Selic é imprescindível tabelar reduzindo as escorchantes tarifas bancárias. Os bancos privados para não perder mercado terão de reduzir gradualmente suas taxas de juros.
Essa redução permitirá eliminar parte da imensa gordura que mais do que dobra os preços da economia com o crediário, e isso é apenas uma das ações que venho apontando para estimular o crescimento e combater a inflação.
Resta ver se o próximo governo vai remover a anomalia da taxa de juro, podendo desagradar, segundo o jornal Valor Econômico, a um dos três setores mais importantes no financiamento das campanhas eleitorais. A conferir.
24 de setembro de 2014
Amir Khair, O Estadão
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