Quem estuda Direito Internacional no Brasil se acostumou a aguardar a entrada em vigor de tratados
A espera e o retorno são temas recorrentes na literatura. Basta lembrarmos a marca que a narrativa do retorno de Ulisses a Ítaca deixou no imaginário ocidental. Tal como Penélope na Odisseia de Homero, também aqueles que se dedicam ao estudo do Direito Internacional no Brasil se acostumaram a esperar. Não tanto pelo retorno do homem astuto após a Guerra de Troia, mas pela entrada em vigor de inúmeros tratados internacionais.
O mais recente exemplo vem sendo dado pela Convenção das Nações Unidas sobre Venda Internacional de Mercadorias, também conhecida como CISG. Trata-se de um tratado que uniformiza parcela relevante das normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias. Como vigora em quase 80 países, representativos de cerca de três quartos do comércio internacional de bens (incluindo os principais parceiros do Brasil), o tratado tem potencial para aumentar a segurança jurídica e reduzir os custos das transações internacionais. Não é pouca coisa.
Por isso, o Congresso Nacional aprovou, no final de 2012, a adesão ao tratado e, ainda no primeiro trimestre de 2013, o Brasil depositou o instrumento de adesão perante a ONU. Bastava então — seguindo a nossa tradição constitucional — que o seu texto fosse promulgado por meio de decreto presidencial e publicado no Diário Oficial para que o tratado pudesse entrar em vigor, e a narrativa da espera chegasse ao fim.
Mas o decreto não veio. E, agora, o Brasil se encontra na estranha posição de há mais de um ano ter assumido o compromisso internacional de aplicar o tratado a partir de 1 de abril de 2014, mas as suas normas ainda não fazerem parte do Direito brasileiro. Isso porque, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto não forem promulgados e publicados, tratados não fazem parte do Direito nacional.
O Brasil aderiu ao tratado voluntariamente. Ninguém nos forçou, senão a correta razão e convicção de que a CISG seria positiva para os interesses nacionais. O Congresso Nacional aprovou o tratado sem reservas, e o Executivo o ratificou sem demora. Nenhum dos dois estava obrigado a tanto. Mas, uma vez que o tratado foi aprovado e ratificado, sua promulgação e publicação passaram a ser um dever. Infelizmente, a demora na edição do decreto de promulgação e publicação de tratados não é inédita. O mesmo ocorreu, por exemplo, com a Convenção da Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, e a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro.
O retorno de Ulisses não foi fácil. A espera de Penélope foi longa. Quando o astuto herói estava muito perto de regressar à terra natal, o capricho dos deuses o impedia de concluir a jornada. Vê-se agora que a narrativa da espera não é exclusividade da literatura.
A espera e o retorno são temas recorrentes na literatura. Basta lembrarmos a marca que a narrativa do retorno de Ulisses a Ítaca deixou no imaginário ocidental. Tal como Penélope na Odisseia de Homero, também aqueles que se dedicam ao estudo do Direito Internacional no Brasil se acostumaram a esperar. Não tanto pelo retorno do homem astuto após a Guerra de Troia, mas pela entrada em vigor de inúmeros tratados internacionais.
O mais recente exemplo vem sendo dado pela Convenção das Nações Unidas sobre Venda Internacional de Mercadorias, também conhecida como CISG. Trata-se de um tratado que uniformiza parcela relevante das normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias. Como vigora em quase 80 países, representativos de cerca de três quartos do comércio internacional de bens (incluindo os principais parceiros do Brasil), o tratado tem potencial para aumentar a segurança jurídica e reduzir os custos das transações internacionais. Não é pouca coisa.
Por isso, o Congresso Nacional aprovou, no final de 2012, a adesão ao tratado e, ainda no primeiro trimestre de 2013, o Brasil depositou o instrumento de adesão perante a ONU. Bastava então — seguindo a nossa tradição constitucional — que o seu texto fosse promulgado por meio de decreto presidencial e publicado no Diário Oficial para que o tratado pudesse entrar em vigor, e a narrativa da espera chegasse ao fim.
Mas o decreto não veio. E, agora, o Brasil se encontra na estranha posição de há mais de um ano ter assumido o compromisso internacional de aplicar o tratado a partir de 1 de abril de 2014, mas as suas normas ainda não fazerem parte do Direito brasileiro. Isso porque, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto não forem promulgados e publicados, tratados não fazem parte do Direito nacional.
O Brasil aderiu ao tratado voluntariamente. Ninguém nos forçou, senão a correta razão e convicção de que a CISG seria positiva para os interesses nacionais. O Congresso Nacional aprovou o tratado sem reservas, e o Executivo o ratificou sem demora. Nenhum dos dois estava obrigado a tanto. Mas, uma vez que o tratado foi aprovado e ratificado, sua promulgação e publicação passaram a ser um dever. Infelizmente, a demora na edição do decreto de promulgação e publicação de tratados não é inédita. O mesmo ocorreu, por exemplo, com a Convenção da Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, e a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro.
O retorno de Ulisses não foi fácil. A espera de Penélope foi longa. Quando o astuto herói estava muito perto de regressar à terra natal, o capricho dos deuses o impedia de concluir a jornada. Vê-se agora que a narrativa da espera não é exclusividade da literatura.
16 de maio de 2014
Carmen Tibúrcio e Daniel Gruenbaum, O Globo
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