‘Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável’
Pode acontecer. A moça do tempo na TV entra no bar com um grupo de amigos. É recebida com óbvio desconforto pelos frequentadores do bar. Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua presença. O grupo da moça ocupa uma mesa. Depois de algum tempo, um homem da mesa ao lado não se contém e pergunta:
— Você não é a moça do tempo, na TV?
A moça diz que é, sorrindo, mas o homem não sorri. Pergunta:
— Até quando vai esse calor?
— Pois é — diz a moça, ainda sorrindo. — Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na...
— Não — interrompe o homem. — Não me venha com zona de pressão. Chega de enrolação.
Uma mulher de outra mesa se manifesta:
— Há dias que você põe a culpa pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências.
— Minha senhora, eu...
Outros começam a gritar.
— Sensação térmica de 51 graus. Onde já se viu isso?
— Não dá mais para aguentar!
— Faça alguma coisa!
A moça do tempo na TV agora está em pânico.
— O que eu posso fazer? Eu só descrevo o tempo. Não tenho o poder de...
— Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável.
— A culpa é da Natureza!
— Rá. Natureza. Muito bonito. Muito conveniente. É como culpar a corrupção pela índole do brasileiro. Aqui ninguém tem culpa de ser corrupto, é a índole. A índole do tempo, num país tropical, é essa. E quem pode reclamar da índole? Ou da Natureza? De você nós podemos reclamar, querida.
— Mas a culpa não é minha!
— Estamos cansados do seu distanciamento enquanto mostra no mapa que o calor só vai aumentar. Seu ar superior, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Chega!
A mesa da moça do tempo na TV está cercada. Caras raivosas. Ameaça de violência. A moça do tempo na TV se ergue e grita:
— Esta bem! Está bem! Amanhã eu faço chegar uma frente fria. Eu prometo!
As pessoas se acalmam. Todos voltam para as suas mesas. O garçom vem tirar o pedido do grupo da moça do tempo na TV e tenta explicar:
— É o calor... O pessoal fica meio louco.
Pode acontecer. A moça do tempo na TV entra no bar com um grupo de amigos. É recebida com óbvio desconforto pelos frequentadores do bar. Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua presença. O grupo da moça ocupa uma mesa. Depois de algum tempo, um homem da mesa ao lado não se contém e pergunta:
— Você não é a moça do tempo, na TV?
A moça diz que é, sorrindo, mas o homem não sorri. Pergunta:
— Até quando vai esse calor?
— Pois é — diz a moça, ainda sorrindo. — Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na...
— Não — interrompe o homem. — Não me venha com zona de pressão. Chega de enrolação.
Uma mulher de outra mesa se manifesta:
— Há dias que você põe a culpa pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências.
— Minha senhora, eu...
Outros começam a gritar.
— Sensação térmica de 51 graus. Onde já se viu isso?
— Não dá mais para aguentar!
— Faça alguma coisa!
A moça do tempo na TV agora está em pânico.
— O que eu posso fazer? Eu só descrevo o tempo. Não tenho o poder de...
— Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável.
— A culpa é da Natureza!
— Rá. Natureza. Muito bonito. Muito conveniente. É como culpar a corrupção pela índole do brasileiro. Aqui ninguém tem culpa de ser corrupto, é a índole. A índole do tempo, num país tropical, é essa. E quem pode reclamar da índole? Ou da Natureza? De você nós podemos reclamar, querida.
— Mas a culpa não é minha!
— Estamos cansados do seu distanciamento enquanto mostra no mapa que o calor só vai aumentar. Seu ar superior, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Chega!
A mesa da moça do tempo na TV está cercada. Caras raivosas. Ameaça de violência. A moça do tempo na TV se ergue e grita:
— Esta bem! Está bem! Amanhã eu faço chegar uma frente fria. Eu prometo!
As pessoas se acalmam. Todos voltam para as suas mesas. O garçom vem tirar o pedido do grupo da moça do tempo na TV e tenta explicar:
— É o calor... O pessoal fica meio louco.
09 de fevereiro de 2014
Luis Fernando Verissimo, O Globo
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