Prezado Professor Olavo de Carvalho: Meu nome é José Gobbo Ferreira, sou Coronel reformado do Exército e candidato à Presidência do Clube Militar nas próximas eleições de maio.
Tomei conhecimento de um filmete em que o Sr. tece comentários sobre o preparo e o interesse das Forças Armadas (FFAA) pelo conhecimento.
Acabo de publicar algumas palavras nas quais reconheço que o Sr. tem alguma razão no que diz e muita razão naquilo que se refere ao Clube Militar cuja orientação pretendo mudar radicalmente, se eleito.
Mas considero inaceitável o título com que seu pronunciamento me foi apresentado.
O governo de nossa nação não consta das atribuições das FFAA brasileiras. Em 1964, foram obrigadas a assumi-lo por exigência incontornável do povo brasileiro. E ali se propunham a ficar pelo tempo mínimo necessário para restabelecer completamente a ordem democrática no país.
Acontece que o inimigo desencadeou uma guerra de guerrilhas urbana e rural que acabou por frustrar as intenções de seu primeiro chefe, o Mal. Castelo Branco.
As FFAA foram obrigadas a prolongar sua estadia no poder e deram uma demonstração extraordinária de preparo e conhecimento das artes da guerra, para a qual, aliás, são preparadas. São raríssimos os exemplos na História Militar em que uma força organizada consegue derrotar e aniquilar uma força guerrilheira.
As guerras de libertação são exemplos disso. A França no Maghreb e Portugal nas colônias, as intervenções dos EEUU no Vietnã, da Rússia no Afeganistão, onde a ONU também não consegue uma decisão, e as tribulações de quase todos os exércitos latino-americanos são exemplos disso.
Graças ao suor, ao sangue e ao sacrifício dos soldados das FFAA, organizações do tipo Sendero Luminoso, FARC, Tupamaros, Frente Sandinista e Farabundo Marti, e muitas outras, que até hoje atormentam a paz e a democracia em seus países, foram completamente eliminadas no Brasil. E hoje, esses mesmos guerreiros são perseguidos por haverem cumprido seu dever de forma impecável, do ponto de vista militar.
No exterior, a Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FTM-UNIFIL) está sendo comandada pela terceira vez consecutiva por Almirantes brasileiros, graças à competência profissional dos Marinheiros do Brasil.
As missões de paz executadas pelo Exército são exemplos de eficiência e constituem êxitos retumbantes.
A tropa brasileira trouxe a paz possível para o povo haitiano e ofereceu o apoio integral a essa gente sofrida quando do terremoto que abalou aquele país, com o sacrifício da vida de vários de seus integrantes.
Depois de sucessivas derrotas, humilhações e acusações de toda ordem, um General brasileiro assumiu o comando da força de intervenção da ONU no Congo, formada por soldados do Malawi, África do Sul e Tanzânia. Sua atuação firme e decidida mas adaptada ao cenário local, em pouco tempo levou à rendição o M23, organização que estava conduzindo o país à guerra civil.
As Forças Especiais brasileiras e os Guerreiros de Selva do Brasil são dos mais profissionais e competentes do mundo.
Em suma, Sr. Olavo, as FFAA brasileiras estão entre as mais capacitadas para cumprir as missões para as quais se destinam. Dizer, de maneira genérica, que elas são despreparadas é cometer uma injustiça, o que não é de seu feitio.
Assim como dizer que os militares são desinteressados pelo conhecimento é outra, maior ainda. Das Escolas de Formação até o fim da carreira, os militares passam por inúmeros estabelecimentos de ensino, rígidos e exigentes. Escola de Sargentos das Armas, Escola Preparatória de Cadetes, Academia Militar, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e outra de Sargentos, Escola de Comando e Estado Maior, Instituto Militar de Engenharia, inúmeros cursos de especialização etc, para falar somente do Exército, que conheço melhor.
Sergio Buarque de Holanda, em sua obra História da Civilização Brasileira, aprecia a qualidade do ensino militar, desde a implantação da Academia Real Militar por D. João VI, nos seguintes termos:
“ Via de regra o nível do ensino na Academia Militar destaca-se favoravelmente quando comparado com as escolas civis. A qualidade do ensino e o engajamento do Exército na vida nacional consolidaram a formação da nacionalidade e tornaram mais sólidos os vínculos do Exército com os destinos da pátria a que servia – o Brasil. A qualidade da formação aumentou a consciência politica.”
Quanto ao desempenho político dos militares no poder, ele se caracterizou pela correção, pela ética, pela honestidade e pela meritocracia. Quanto ao econômico, eles trouxeram o Brasil de uma posição além da 40ª para a 8ª economia do mundo. Não fossem os dois choques do petróleo e nosso progresso teria sido ainda maior.
Ao contrário do que diz sua crítica, vários esforços foram despendidos para oferecer uma formação adequada à juventude. Foram introduzidas aulas de Estudo de Problemas Brasileiros e Organização Social e Política Brasileira. Foi criado o Projeto Rondon, para que a mocidade conferisse no campo as condições de nosso povo e colaborasse para sua melhoria.
Quanto à falta de comunicação, o Sr. tem razão. Acontece que os militares são infensos à publicidade. É uma deformação profissional. Estão acostumados a viver nas casernas, atentos à movimentação dos eventuais inimigos, mas sem alarde, comme il faut.
Guindados ao poder, por um motivo ou por outro, esse hábito os acompanha, para o bem ou para o mal.
Os militares não foram feitos para o poder político, mas para a guerra. E para isso as FFAA brasileiras são excepcionalmente preparadas! Porém, apesar de toda sua inadequação para a política, entregaram aos civis um país pacificado e em rota de crescimento, bastante diferente daquele em que se vive hoje.
Quanto ao Clube Militar, se eu conseguir alcançar a Presidência, o Sr. será sempre bem-vindo para nos transmitir seus preciosos ensinamentos, e tenho certeza que estabeleceremos um sadio e duradouro relacionamento pessoal e acadêmico.
Até lá, façamos o seguinte: eu continuo a considera-lo um de nossos expoentes na luta pela democracia e pela liberdade, e prossigo absorvendo avidamente seus ensinamentos. E o Sr. se abstém de fazer comentários descuidados às FFAA.
Talvez Luís de Camões possa nos ensinar alguma coisa:
De Formião, filósofo elegante,
vereis como Anibal escarnecia,
quando das artes bélicas, diante dele,
com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante,
não se aprende, Senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando ou estudando,
senão vendo, tratando e pelejando.
(Os Lusíadas, Luís de Camões, Canto X, CLIII)
09 de fevereiro de 2014
José Gobbo Ferreira, Coronel, é Candidato á Presidência do Clube Militar.
José Gobbo Ferreira, Coronel, é Candidato á Presidência do Clube Militar.
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