O Brasil depende da Argentina e a crise do vizinho piorou. Vão para a Argentina 87,5% das nossas exportações de automóveis, 55% das autopeças, 56% dos veículos de carga, 58% dos tratores. O país é nosso terceiro maior parceiro comercial e 91% do que o Brasil vende são manufaturados. Como a crise cambial se agrava, a AEB, Associação do Comércio Exterior Brasileiro, está de olho no país vizinho.
José Augusto de Castro, da AEB, não descarta a possibilidade de déficit comercial, o que não acontece desde 2003. Ele acha que as exportações do Brasil para a Argentina tendem a cair no mínimo 10% este ano pelas restrições impostas pela crise cambial. Em 2013, o país teve superávit de US$ 3,2 bi com a Argentina, uma alta de 103% em relação a 2012. Só as exportações de automóveis somaram US$ 4,8 bi no ano passado, um aumento de 55% em relação a 2012.
— Mas este ano o cenário já está mudando. As exportações de material de transporte, excluindo plataformas de petróleo e aviões, estão em queda de mais de 10% nesse começo de janeiro, decorrente da redução nas vendas do setor automobilístico para a Argentina. Com o agravamento da crise cambial, a queda pode ficar mais acentuada — diz.
Essa é a mesma impressão em Buenos Aires. Para Dante Sica, ex-secretário da Indústria da Argentina e diretor da consultoria Abeceb, uma crise cambial no seu país tem o efeito de debilitar a demanda interna de bens importados, porque a desvalorização vai diminuir o poder aquisitivo da população.
— As importações de bens do Brasil serão afetadas, mas, de qualquer maneira, as compras externas argentinas já estão sendo contidas desde o início de 2012. Se houver recessão, as importações cairão ainda mais — diz Dante.
Castro, da AEB, alerta também que o produto argentino vai ficar mais barato para o Brasil. Com isso,
eles podem colocar mais vinho e leite no mercado brasileiro, por exemplo, a preços mais competitivos.
— É câmbio, não é dumping. A tendência na Argentina é que, com a desvalorização, a produção volte a ser estimulada. A desvalorização aumentará a competitividade — explica.
O país passou nos últimos dias por forte valorização da moeda americana, no oficial e paralelo. As autoridades tomaram medidas confusas, voltaram atrás, mas acabaram se fixando num sistema estranho. Permite-se a compra de dólar desde que a pessoa prove que ganha mais de dois salários mínimos. Como parte da procura por moeda estrangeira é para proteção contra a inflação, o governo está, na verdade, expondo os mais pobres aos efeitos perversos de uma alta de preços que já chega a 28%, quase o triplo do índice oficial. O país está com um nível baixíssimo de reservas: US$ 28 bilhões. O Brasil, para se ter uma ideia, tem US$ 376 bilhões.
Dante Sica acha que os efeitos da estratégia que o governo pôs em prática nas últimas horas pode ser o de elevar mais o dólar e a inflação. O efeito positivo de médio prazo será aumentar a exportação, o negativo seria elevar a dívida pública.
— O maior déficit fiscal se traduzirá em uma maior emissão para financiá-lo. Com isso, a pressão sobre o mercado cambial e sobre a inflação permanecerão.
Dante estima que a inflação de 2014 pode chegar a 30%, mas com viés de alta, após a recente valorização do dólar. Segundo ele, a inflação tem acelerado recentemente, puxada por alimentos, bebidas, combustíveis e transportes. E lembra ainda que nas próximas semanas começarão a ser negociados os aumentos salariais deste ano, outra fonte de pressão.
Ele acha boa a flexibilização da compra de dólares pelos argentinos, mas diz que é preciso se preparar para os efeitos colaterais da crise.
— A menos que o BC deixe o dólar flutuar livremente, o que não parece provável, esta medida, certamente, terá um impacto negativo sobre as reservas internacionais — diz.
O governo foi contraditório. Limitou as compras de dólares e depois flexibilizou. Próprio de uma política econômica sem estratégia para enfrentar a crise. Com isso, o dólar acumulava, até sexta-feira passada, uma alta de nada menos que 22,8% no ano e de 37,5% em um ano. O dólar paralelo, quase o dobro do valor do oficial, subiu 27,8% no ano e 52,2% comparado com o mesmo período de 2013. As reservas caíram quase 30% no ano passado e devem continuar encolhendo.
José Augusto de Castro, da AEB, não descarta a possibilidade de déficit comercial, o que não acontece desde 2003. Ele acha que as exportações do Brasil para a Argentina tendem a cair no mínimo 10% este ano pelas restrições impostas pela crise cambial. Em 2013, o país teve superávit de US$ 3,2 bi com a Argentina, uma alta de 103% em relação a 2012. Só as exportações de automóveis somaram US$ 4,8 bi no ano passado, um aumento de 55% em relação a 2012.
— Mas este ano o cenário já está mudando. As exportações de material de transporte, excluindo plataformas de petróleo e aviões, estão em queda de mais de 10% nesse começo de janeiro, decorrente da redução nas vendas do setor automobilístico para a Argentina. Com o agravamento da crise cambial, a queda pode ficar mais acentuada — diz.
Essa é a mesma impressão em Buenos Aires. Para Dante Sica, ex-secretário da Indústria da Argentina e diretor da consultoria Abeceb, uma crise cambial no seu país tem o efeito de debilitar a demanda interna de bens importados, porque a desvalorização vai diminuir o poder aquisitivo da população.
— As importações de bens do Brasil serão afetadas, mas, de qualquer maneira, as compras externas argentinas já estão sendo contidas desde o início de 2012. Se houver recessão, as importações cairão ainda mais — diz Dante.
Castro, da AEB, alerta também que o produto argentino vai ficar mais barato para o Brasil. Com isso,
eles podem colocar mais vinho e leite no mercado brasileiro, por exemplo, a preços mais competitivos.
— É câmbio, não é dumping. A tendência na Argentina é que, com a desvalorização, a produção volte a ser estimulada. A desvalorização aumentará a competitividade — explica.
O país passou nos últimos dias por forte valorização da moeda americana, no oficial e paralelo. As autoridades tomaram medidas confusas, voltaram atrás, mas acabaram se fixando num sistema estranho. Permite-se a compra de dólar desde que a pessoa prove que ganha mais de dois salários mínimos. Como parte da procura por moeda estrangeira é para proteção contra a inflação, o governo está, na verdade, expondo os mais pobres aos efeitos perversos de uma alta de preços que já chega a 28%, quase o triplo do índice oficial. O país está com um nível baixíssimo de reservas: US$ 28 bilhões. O Brasil, para se ter uma ideia, tem US$ 376 bilhões.
Dante Sica acha que os efeitos da estratégia que o governo pôs em prática nas últimas horas pode ser o de elevar mais o dólar e a inflação. O efeito positivo de médio prazo será aumentar a exportação, o negativo seria elevar a dívida pública.
— O maior déficit fiscal se traduzirá em uma maior emissão para financiá-lo. Com isso, a pressão sobre o mercado cambial e sobre a inflação permanecerão.
Dante estima que a inflação de 2014 pode chegar a 30%, mas com viés de alta, após a recente valorização do dólar. Segundo ele, a inflação tem acelerado recentemente, puxada por alimentos, bebidas, combustíveis e transportes. E lembra ainda que nas próximas semanas começarão a ser negociados os aumentos salariais deste ano, outra fonte de pressão.
Ele acha boa a flexibilização da compra de dólares pelos argentinos, mas diz que é preciso se preparar para os efeitos colaterais da crise.
— A menos que o BC deixe o dólar flutuar livremente, o que não parece provável, esta medida, certamente, terá um impacto negativo sobre as reservas internacionais — diz.
O governo foi contraditório. Limitou as compras de dólares e depois flexibilizou. Próprio de uma política econômica sem estratégia para enfrentar a crise. Com isso, o dólar acumulava, até sexta-feira passada, uma alta de nada menos que 22,8% no ano e de 37,5% em um ano. O dólar paralelo, quase o dobro do valor do oficial, subiu 27,8% no ano e 52,2% comparado com o mesmo período de 2013. As reservas caíram quase 30% no ano passado e devem continuar encolhendo.
28 de janeiro de 2014
Miriam Leitão, O Globo
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