Embora confusa e sem foco, a flexibilização do controle das negociações com moeda estrangeira (cepo cambiário) na Argentina conteve, provisoriamente, a corrida ao dólar.
Mas é improvável que conserte a economia. A crise cambial não ocorreu porque o argentino precisou aumentar sua poupança familiar. Ocorreu porque falta confiança na política econômica e a moeda local está sendo rejeitada. O governo da Argentina se comporta como se o problema fosse de natureza cambial. Tudo indica que o vazamento do câmbio seja a manifestação de uma doença mais grave.
O principal problema é fiscal. O setor público não consegue arrecadar o suficiente para dar conta das despesas de seu programa populista e tem recorrido a emissões de moeda e à queima de reservas para cobrir despesas correntes. Há dois anos, as reservas eram de US$ 48 bilhões, o equivalente a 70,6% das importações anuais. Na semana passada, não passavam de US$ 29 bilhões, 39,2% das importações de 2013.
Ou seja, não basta liberalizar parcialmente o fluxo de moeda estrangeira para reduzir a corrida às casas de câmbio. Uma solução sustentável exige a estabilização das contas públicas. Para isso, será preciso impor sacrifícios à população, algo que o governo de Cristina Kirchner pretende evitar. De mais a mais, de que valeria redistribuir a conta sem um plano consistente de saneamento?
O primeiro foco imediato de incêndio está na praticamente inevitável escalada dos preços e dos salários. A desvalorização do peso diante do dólar, de 23,5% nos últimos três meses (veja o gráfico), deve provocar pressão sobre os preços internos. Não alcançará apenas os importados, agora mais caros em pesos. Cairá sobre os alimentos, que são cotados em dólares, especialmente o trigo e a carne. O primeiro obstáculo é o de que preços, salários e aposentadorias estão controlados e não há nenhuma indicação de como se dará a transferência da alta do dólar sobre os preços da economia.
O segundo foco imediato está nos juros. É muito difícil de obter estabilidade cambial sem forte alta dos juros, com o objetivo tanto de conter a inflação como de reestimular a poupança interna em pesos. Não é o dólar que precisa subir. É o peso que vale cada vez menos porque perdeu consistência. Reduzir a disponibilidade de pesos contribuiria para dar mais valor à moeda, mas seria preciso consertar muito mais. Toda a economia precisa de ajuste e não está claro que haja condições políticas para isso. O efeito colateral tende a ser uma recessão, o que implica perda de renda que, como sempre, prejudicaria as camadas da população menos defendidas. A verdadeira crise não é econômica; é política.
A desvalorização do peso, a eventual puxada nos juros e outras correções da economia tenderiam a derrubar as exportações de produtos manufaturados do Brasil para a Argentina. No ano passado, apesar das travas sobre importações baixadas pelo governo Kirchner, a Argentina comprou quase US$ 20 bilhões em produtos brasileiros, o correspondente a 8,1% das exportações totais (veja o Confira). Parte desse fluxo comercial, especialmente no setor de veículos e autopeças, corre riscos.
Mas é improvável que conserte a economia. A crise cambial não ocorreu porque o argentino precisou aumentar sua poupança familiar. Ocorreu porque falta confiança na política econômica e a moeda local está sendo rejeitada. O governo da Argentina se comporta como se o problema fosse de natureza cambial. Tudo indica que o vazamento do câmbio seja a manifestação de uma doença mais grave.
O principal problema é fiscal. O setor público não consegue arrecadar o suficiente para dar conta das despesas de seu programa populista e tem recorrido a emissões de moeda e à queima de reservas para cobrir despesas correntes. Há dois anos, as reservas eram de US$ 48 bilhões, o equivalente a 70,6% das importações anuais. Na semana passada, não passavam de US$ 29 bilhões, 39,2% das importações de 2013.
Ou seja, não basta liberalizar parcialmente o fluxo de moeda estrangeira para reduzir a corrida às casas de câmbio. Uma solução sustentável exige a estabilização das contas públicas. Para isso, será preciso impor sacrifícios à população, algo que o governo de Cristina Kirchner pretende evitar. De mais a mais, de que valeria redistribuir a conta sem um plano consistente de saneamento?
O primeiro foco imediato de incêndio está na praticamente inevitável escalada dos preços e dos salários. A desvalorização do peso diante do dólar, de 23,5% nos últimos três meses (veja o gráfico), deve provocar pressão sobre os preços internos. Não alcançará apenas os importados, agora mais caros em pesos. Cairá sobre os alimentos, que são cotados em dólares, especialmente o trigo e a carne. O primeiro obstáculo é o de que preços, salários e aposentadorias estão controlados e não há nenhuma indicação de como se dará a transferência da alta do dólar sobre os preços da economia.
O segundo foco imediato está nos juros. É muito difícil de obter estabilidade cambial sem forte alta dos juros, com o objetivo tanto de conter a inflação como de reestimular a poupança interna em pesos. Não é o dólar que precisa subir. É o peso que vale cada vez menos porque perdeu consistência. Reduzir a disponibilidade de pesos contribuiria para dar mais valor à moeda, mas seria preciso consertar muito mais. Toda a economia precisa de ajuste e não está claro que haja condições políticas para isso. O efeito colateral tende a ser uma recessão, o que implica perda de renda que, como sempre, prejudicaria as camadas da população menos defendidas. A verdadeira crise não é econômica; é política.
A desvalorização do peso, a eventual puxada nos juros e outras correções da economia tenderiam a derrubar as exportações de produtos manufaturados do Brasil para a Argentina. No ano passado, apesar das travas sobre importações baixadas pelo governo Kirchner, a Argentina comprou quase US$ 20 bilhões em produtos brasileiros, o correspondente a 8,1% das exportações totais (veja o Confira). Parte desse fluxo comercial, especialmente no setor de veículos e autopeças, corre riscos.
28 de janeiro de 2014
Celso Ming, O Estado de S. Paulo
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