O vovô era um homem sério. Não carrancudo, mas sério. Tanto que os netos fizeram uma aposta: ganharia quem fizesse o vovô rir. O local da competição seria a mesa do almoço, aos domingos, quando toda a família se reunia, com a vovó numa cabeceira e o vovô na outra. Foram estabelecidas certas regras. Para ganhar, seria preciso provocar uma gargalhada no vovô. Um sorriso não bastaria. O objetivo era uma risada. Ou - para não haver duvida do que se buscava - uma BOA risada.
***
Algumas dúvidas tiveram que ser esclarecidas, antes de começar a disputa.
- Cócegas, vale?
Ninguém imaginava que o vovô sentisse cócegas, mas, de qualquer maneira, cócegas foram vetadas. E anedota? Se o vovô risse de uma anedota, a vitória seria do contador ou da anedota? Decidiram permitir anedotas. Quem soubesse contar uma anedota tão bem que fizesse o vovô dar uma risada, uma BOA risada, mesmo que não fosse seu autor, mereceria ganhar.
***
No primeiro domingo depois da aposta, o Marquinhos - segundo o consenso geral na família o mais palhaço dos netos - sentou-se à mesa fantasiado de mico, fazendo ruídos e gestos de mico e pedindo banana. Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse: "Muito engraçado, Marquinhos, agora tire essa roupa e coma direito". Mais tarde o Marquinhos argumentaria que o vovô dizer "Muito engraçado" equivalia a uma risada, mas seu protesto foi ignorado.
***
No domingo seguinte, o Eduardinho contou uma anedota.
- Sabem aquela do cara que tirou uma radiografia e o médico disse que ele precisava ser operado? O cara perguntou quanto custaria a operação e o médico deu o preço. O cara achou muito e perguntou quanto custaria um tratamento sem precisar operar. O médico deu o preço, que o cara também achou muito. Aí o médico disse: se o senhor preferir, pela metade do preço, eu retoco a radiografia.
Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse que aquela história envolvia questões muito sérias, como a saúde de um ser humano e a ética médica, e não era assunto para ser tratado na mesa, na frente das outras crianças. O Eduardinho protestou:
- Era uma anedota, vovô.
- Muito sem graça - disse o vovô.
***
Nas semanas seguintes, todos os netos tentaram, de um jeito ou de outro, fazer o vovô rir. Apelaram para mímica, imitações (o Tico fazia um Silvio Santos impagável), números musicais, concurso de quem chupava o espaguete mais ligeiro, tudo. E o vovô sério. Finalmente desistiram. E no último domingo aconteceu o seguinte: a vovó sentou-se na sua cadeira na cabeceira, depois de trazer a travessa de frangos da cozinha e colocá-la sobre a mesa - e caiu da cadeira. E o vovô explodiu numa gargalhada. Uma BOA risada que não parava mais, enquanto a vovó era atendida e dizia que estava bem, que não tinha se machucado, que não se incomodassem com ela.
***
Depois houve controvérsia. Uns netos achavam que a vovó cair da cadeira tinha sido mesmo um acidente, outros achavam que a vovó tinha caído de proposito. Depois de tantos anos sabia o que faria o vovô rir e dera uma mãozinha para os netos.
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Algumas dúvidas tiveram que ser esclarecidas, antes de começar a disputa.
- Cócegas, vale?
Ninguém imaginava que o vovô sentisse cócegas, mas, de qualquer maneira, cócegas foram vetadas. E anedota? Se o vovô risse de uma anedota, a vitória seria do contador ou da anedota? Decidiram permitir anedotas. Quem soubesse contar uma anedota tão bem que fizesse o vovô dar uma risada, uma BOA risada, mesmo que não fosse seu autor, mereceria ganhar.
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No primeiro domingo depois da aposta, o Marquinhos - segundo o consenso geral na família o mais palhaço dos netos - sentou-se à mesa fantasiado de mico, fazendo ruídos e gestos de mico e pedindo banana. Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse: "Muito engraçado, Marquinhos, agora tire essa roupa e coma direito". Mais tarde o Marquinhos argumentaria que o vovô dizer "Muito engraçado" equivalia a uma risada, mas seu protesto foi ignorado.
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No domingo seguinte, o Eduardinho contou uma anedota.
- Sabem aquela do cara que tirou uma radiografia e o médico disse que ele precisava ser operado? O cara perguntou quanto custaria a operação e o médico deu o preço. O cara achou muito e perguntou quanto custaria um tratamento sem precisar operar. O médico deu o preço, que o cara também achou muito. Aí o médico disse: se o senhor preferir, pela metade do preço, eu retoco a radiografia.
Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse que aquela história envolvia questões muito sérias, como a saúde de um ser humano e a ética médica, e não era assunto para ser tratado na mesa, na frente das outras crianças. O Eduardinho protestou:
- Era uma anedota, vovô.
- Muito sem graça - disse o vovô.
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Nas semanas seguintes, todos os netos tentaram, de um jeito ou de outro, fazer o vovô rir. Apelaram para mímica, imitações (o Tico fazia um Silvio Santos impagável), números musicais, concurso de quem chupava o espaguete mais ligeiro, tudo. E o vovô sério. Finalmente desistiram. E no último domingo aconteceu o seguinte: a vovó sentou-se na sua cadeira na cabeceira, depois de trazer a travessa de frangos da cozinha e colocá-la sobre a mesa - e caiu da cadeira. E o vovô explodiu numa gargalhada. Uma BOA risada que não parava mais, enquanto a vovó era atendida e dizia que estava bem, que não tinha se machucado, que não se incomodassem com ela.
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Depois houve controvérsia. Uns netos achavam que a vovó cair da cadeira tinha sido mesmo um acidente, outros achavam que a vovó tinha caído de proposito. Depois de tantos anos sabia o que faria o vovô rir e dera uma mãozinha para os netos.
29 de dezembro de 2013
Luis Fernando Veríssimo
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