Promessas de ano-novo nem sempre são lembradas depois de um mês, mas ninguém está proibido de acreditar nas boas intenções do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nem de levar a sério o recém-aprovado Orçamento-Geral da União. A política fiscal, disse o ministro, continuará rigorosa em 2014. O uso do verbo "continuar" é obviamente impróprio. A gestão das contas públicas em 2013 foi tão descuidada e irresponsável quanto nos dois anos anteriores. Para tornar menos feio o balanço do exercício o governo terá de recorrer, novamente, a receitas excepcionais e a remendos contábeis.
Qualquer seriedade exibida nos próximos 12 meses será algo novo, sem a mínima semelhança com o figurino seguido pela presidente Dilma Rousseff e por sua equipe econômica desde o começo do atual mandato, em 2011. O ministro pode ser sincero, mas a proposta orçamentária aprovada pelo Congresso já vem marcada por maus presságios.
Para conseguir a aprovação antes do recesso do Parlamento, a presidente se curvou a algumas pressões. Prometeu aceitar a regra do orçamento impositivo fixada por emenda constitucional. A intenção de vetar a mudança havia sido anunciada aos congressistas, mas em pouco tempo houve o recuo.
Além disso, o Executivo apoiou o acréscimo de R$ 100 milhões ao valor inicialmente proposto - R$ 264,3 milhões - para o Fundo Partidário. Ela também admitiu soltar mais algum dinheiro, ainda este ano, para emendas de interesse dos parlamentares da Comissão Mista de Orçamento e de líderes.
Mesmo com essas concessões, o balanço fiscal do próximo ano poderá ser razoável, dirão os homens de boa vontade. Mas o mesmo espírito natalino pode inspirar também alguma preocupação com o interesse público, vinculado prosaicamente aos fundamentos da economia. Novas pressões e novas cobranças de favores serão inevitáveis em ano de eleições. Empenhada na busca da reeleição e estreitamente vigiada por seu partido e pelos aliados, conseguirá a presidente seguir um roteiro de seriedade fiscal?
Sua folha corrida de nenhum modo autoriza essa expectativa. Na Casa Civil, sua opinião contribuiu para derrubar a proposta, defendida pelo ministro Antonio Palocci, de um prazo para equilíbrio total das contas públicas. Sua posição foi reforçada pelo futuro ministro da Fazenda, Guido Mantega, então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre 2011 e 2013, a dupla Rousseff-Mantega foi fidelíssima àquela bandeira de leniência fiscal.
A decisão de adiar por um ano o aumento das contas de luz com base na bandeira tarifária é mais um indício preocupante. Pelo novo sistema, as contas seriam reajustadas quando fosse preciso recorrer à energia - mais cara - das térmicas. Mas a cobrança será iniciada só em 2015, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os jornais noticiaram no mesmo dia essa decisão e a aprovação do Orçamento.
Em 2013 o Tesouro gastou R$ 9,8 bilhões com o setor elétrico. As despesas cresceram para cobrir o subsídio aos consumidores - um truque para conter os indicadores de inflação. Mantida essa política, novamente o Tesouro será sangrado para maquiar os preços. Se o subsídio for coberto por um banco federal, o efeito poderá ser disfarçado por algum tempo, mas acabará batendo no Tesouro.
Em ano de eleição, dificilmente o governo da presidente Dilma Rousseff atacará a inflação pelos meios mais recomendáveis e eficientes. A tentação de novamente administrar os indicadores, em vez de cuidar das pressões, continuará presente, atrapalhando o corte de subsídios e desonerações.
Além do mais, crescimento econômico de 4% e inflação de 5,3% são pressupostos do Orçamento. A meta de crescimento foi classificada como incerta pelo próprio ministro, por causa da insegurança internacional. Que truques sairão da caixa de mágicas, se a expansão econômica for insuficiente e, ao mesmo tempo, a inflação ganhar impulso?
Finalmente: a meta de superávit primário - dinheiro para pagar juros - só será fixada em janeiro ou fevereiro, disse o ministro, dando mais um argumento para os desconfiados.
19 de dezembro de 2013
Editorial do Estadão
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