No Uruguai, onde a legalização é uma iniciativa da esquerda, o governo quer fazer um tipo de política pública
Um conservador de verdade deve ser a favor ou contra a legalização da maconha? Depende, isso pelo menos nos Estados Unidos — onde, aliás, em janeiro agora, entra em vigor a legalização do plantio, processamento e venda nos estados de Colorado e Washington.
O conservador social foi contra. O argumento é ético e religioso. O uso da droga é considerado um desvio moral e um pecado, assim como, por exemplo, a homossexualidade ou a prática do aborto. Aqui se encontrou a ala mais direitista do Partido Republicano.
Já o conservador fiscal foi a favor. Para este lado, a liberdade individual é o valor dominante. Radicalizando, se a pessoa quiser fumar um baseado, ninguém tem nada com isso, desde que não prejudique a liberdade, os direitos dos outros e a vida em sociedade. E que também faça o que quiser de seu corpo, nas mesmas condições
Deste lado do mundo e também na Europa, esse é o legítimo ponto de vista liberal. Sempre que se apresenta a escolha entre uma obrigação coletiva e a liberdade individual, prevalece esta última. Por exemplo: o voto não pode ser uma obrigação social ou política, mas um direito que a pessoa exerce ou não conforme sua vontade.
Mas por que nos EUA, em meio ao debate sobre a legalização da maconha, se recorreu a essa designação de “conservador fiscal”? Por causa dos impostos.
O conservador fiscal pensa assim: o governo está perdendo a guerra contra as drogas, embora gaste um caminhão de dinheiro nisso, tanto nas operações policiais quanto nos cuidados com as doenças (físicas, psíquicas e sociais) resultantes do uso dos entorpecentes.
Logo, convém legalizar a coisa e cobrar impostos pesados em toda essa operação.
De fato, no estado de Washington, por exemplo, o governo local está dividindo o setor econômico da marijuana em três fases: produção (plantio), processamento e venda no varejo. Planeja cobrar 25% de imposto (valor agregado, tipo ICMS) na passagem de cada fase. Prefeituras também poderão cobrar taxas adicionais na produção e no varejo.
Tudo considerado, o Departamento de Controle do Álcool do governo de Washington estima que o preço do grama de maconha pura vai chegar ao consumidor final por 12 dólares, fora as eventuais taxas municipais.
Já no Uruguai, que também legalizará a maconha no ano que vem, o governo estima que o preço deve ser de um dólar por grama, da “melhor qualidade”, como assegurou o ministro da Saúde.
Preço é crucial, pois se for muito caro abre espaço de novo para o tráfico ilegal.
E assim, para se ver como o assunto é complicado, a legalização da maconha, em toda parte, juntou conservadores fiscais, conservadores liberais, liberais puros, mais o pessoal da esquerda liberal e os — como dizer? — remanescentes de Woodstock?
Cada um tem seu motivo: a liberdade individual; tirar um peso do Estado; acabar com a violência e a corrupção da guerra ao tráfico; livrar os não usuários da droga, a grande maioria, claro, dos custos provocados pelos usuários; e, afinal, tirar um barato.
Já o processo de legalização divide as opiniões de novo. No Uruguai, por exemplo, onde a legalização é uma iniciativa da esquerda, o governo quer fazer um tipo de política pública. Tudo tem que ser controlado pelo Estado, desde o plantio até a venda. Até o usuário, para ter o direito de comprar seu bagulho, precisa se registrar no departamento competente. É o barato estatizado e baratinho.
Já nos EUA, a tendência é inversa. O barato será caro. Imposto neles! O negócio será regulado e fiscalizado pelo Estado, como se faz com álcool e tabaco, mas toda produção, distribuição e consumo serão privados. A empresa precisará de licença para atuar no ramo. O governo poderá limitar o número de licenças, mas não negá-la a uma empresa legalmente constituída. Se houver mais pedidos de licença do que o definido em lei? Sorteio.
Tudo considerado, são experiências em andamento. A rigor, ninguém sabe exatamente como a coisa vai funcionar. O Washington State Liquor Control Board traz na sua página (lcb.wa.gov) um FAQ sobre o processo de legalização.
Lá se diz, por exemplo, que a receita estimada com o imposto de marijuana varia de “zero a US$ 2 bilhões em cinco anos”. Por que tanta disparidade? Porque não se sabe o tamanho real do mercado, nem qual a reação do governo federal, pois a legalização é apenas uma lei estadual.
Isso mesmo, o cidadão do Colorado e de Washington pode ser autorizado a produzir, vender, comprar e fumar um baseado pela lei estadual e preso por isso mesmo pela federal.
Mais confusão à vista. De todo modo, o governo de Washington informa que está contratando 35 funcionários para trabalhar no sistema de licenciamento e fiscalização da marijuana. E avisa: o Departamento é “local de trabalho livre de drogas”. Os candidatos serão testados para qualquer droga, incluindo marijuana.
Um conservador de verdade deve ser a favor ou contra a legalização da maconha? Depende, isso pelo menos nos Estados Unidos — onde, aliás, em janeiro agora, entra em vigor a legalização do plantio, processamento e venda nos estados de Colorado e Washington.
O conservador social foi contra. O argumento é ético e religioso. O uso da droga é considerado um desvio moral e um pecado, assim como, por exemplo, a homossexualidade ou a prática do aborto. Aqui se encontrou a ala mais direitista do Partido Republicano.
Já o conservador fiscal foi a favor. Para este lado, a liberdade individual é o valor dominante. Radicalizando, se a pessoa quiser fumar um baseado, ninguém tem nada com isso, desde que não prejudique a liberdade, os direitos dos outros e a vida em sociedade. E que também faça o que quiser de seu corpo, nas mesmas condições
Deste lado do mundo e também na Europa, esse é o legítimo ponto de vista liberal. Sempre que se apresenta a escolha entre uma obrigação coletiva e a liberdade individual, prevalece esta última. Por exemplo: o voto não pode ser uma obrigação social ou política, mas um direito que a pessoa exerce ou não conforme sua vontade.
Mas por que nos EUA, em meio ao debate sobre a legalização da maconha, se recorreu a essa designação de “conservador fiscal”? Por causa dos impostos.
O conservador fiscal pensa assim: o governo está perdendo a guerra contra as drogas, embora gaste um caminhão de dinheiro nisso, tanto nas operações policiais quanto nos cuidados com as doenças (físicas, psíquicas e sociais) resultantes do uso dos entorpecentes.
Logo, convém legalizar a coisa e cobrar impostos pesados em toda essa operação.
De fato, no estado de Washington, por exemplo, o governo local está dividindo o setor econômico da marijuana em três fases: produção (plantio), processamento e venda no varejo. Planeja cobrar 25% de imposto (valor agregado, tipo ICMS) na passagem de cada fase. Prefeituras também poderão cobrar taxas adicionais na produção e no varejo.
Tudo considerado, o Departamento de Controle do Álcool do governo de Washington estima que o preço do grama de maconha pura vai chegar ao consumidor final por 12 dólares, fora as eventuais taxas municipais.
Já no Uruguai, que também legalizará a maconha no ano que vem, o governo estima que o preço deve ser de um dólar por grama, da “melhor qualidade”, como assegurou o ministro da Saúde.
Preço é crucial, pois se for muito caro abre espaço de novo para o tráfico ilegal.
E assim, para se ver como o assunto é complicado, a legalização da maconha, em toda parte, juntou conservadores fiscais, conservadores liberais, liberais puros, mais o pessoal da esquerda liberal e os — como dizer? — remanescentes de Woodstock?
Cada um tem seu motivo: a liberdade individual; tirar um peso do Estado; acabar com a violência e a corrupção da guerra ao tráfico; livrar os não usuários da droga, a grande maioria, claro, dos custos provocados pelos usuários; e, afinal, tirar um barato.
Já o processo de legalização divide as opiniões de novo. No Uruguai, por exemplo, onde a legalização é uma iniciativa da esquerda, o governo quer fazer um tipo de política pública. Tudo tem que ser controlado pelo Estado, desde o plantio até a venda. Até o usuário, para ter o direito de comprar seu bagulho, precisa se registrar no departamento competente. É o barato estatizado e baratinho.
Já nos EUA, a tendência é inversa. O barato será caro. Imposto neles! O negócio será regulado e fiscalizado pelo Estado, como se faz com álcool e tabaco, mas toda produção, distribuição e consumo serão privados. A empresa precisará de licença para atuar no ramo. O governo poderá limitar o número de licenças, mas não negá-la a uma empresa legalmente constituída. Se houver mais pedidos de licença do que o definido em lei? Sorteio.
Tudo considerado, são experiências em andamento. A rigor, ninguém sabe exatamente como a coisa vai funcionar. O Washington State Liquor Control Board traz na sua página (lcb.wa.gov) um FAQ sobre o processo de legalização.
Lá se diz, por exemplo, que a receita estimada com o imposto de marijuana varia de “zero a US$ 2 bilhões em cinco anos”. Por que tanta disparidade? Porque não se sabe o tamanho real do mercado, nem qual a reação do governo federal, pois a legalização é apenas uma lei estadual.
Isso mesmo, o cidadão do Colorado e de Washington pode ser autorizado a produzir, vender, comprar e fumar um baseado pela lei estadual e preso por isso mesmo pela federal.
Mais confusão à vista. De todo modo, o governo de Washington informa que está contratando 35 funcionários para trabalhar no sistema de licenciamento e fiscalização da marijuana. E avisa: o Departamento é “local de trabalho livre de drogas”. Os candidatos serão testados para qualquer droga, incluindo marijuana.
19 de dezembro de 2013
CARLOS ALBERTO SARDENBERG, O GLOBO
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