O presidente da Câmara Alta estava indeciso. Uma vez mais, a centésima, indagou de seu assessor:
Podemos confiar nessa equipe?
Tenho todas as referências. É do bem. Nossa.
- Mande-os entrarem, mas passe antes uma varredura, instale um sistema de gravação. Documente tudo, não podemos ficar à mercê deles.
Os 40 entraram, bem-vestidos, ternos Armani e Zegna, sapatos Ferragamo, via-se que estavam de acordo com os padrões. Ligaram o PowerPoint, a tela se iluminou, vieram as explicações. O que parecia ser o líder da facção ficou ao lado do presidente da Câmara e apontou para um ponto do projeto:
- Esta construção é o prédio atual da Câmara Alta. Nele, nada será mexido. O Presídio-Parlamento, PrePar, será erguido ao lado.
- Não vejo nada!
- Claro que não excelência! Será subterrâneo, em forma de bunker. Estará tudo embaixo do solo. Alta tecnologia de climatização, respiradouros que sairão à superfície disfarçados de arbustos, flores, estatuetas de cerâmica para jardim, Branca de Neve, Hobbits, coisas inocentes, tolas.
- Quantas celas estão previstas?
- Excelência, posso fazer um reparo? Não usemos a palavra cela. É uma afronta ao decoro parlamentar, à ética.
- Sim, mas são celas, vão acomodar parlamentares condenados.
- Condenados sim, não cassados. Eles, que serão chamados de PrePar, presidiários parlamentares, manterão os mandatos.
- Foi confirmado?
O presidente se mostrava reticente. E se a mídia descobrisse? E se alguém descontente com as verbas, os repasses de propinas, a baixa porcentagem dos subornos, levantasse a lebre? Que prato teria a imprensa com os gastos daquele edifício inspirado parte no bunker de Hitler debaixo da chancelaria alemã, durante a Segunda Grande Guerra, parte no Complexo de Path, em Toronto, e também no sistema de Derinkuyu, na Capadócia, que existiu há séculos, ou nos túneis do centro militar de Cu Chi no Vietnã, sem esquecer as cidades apontadas por Henry Deacon, em 2009, que americanos estavam projetando para Marte. O presidente sabia o custo, tinha autorizado o super faturamento, as comissões, as licitações, já repassara os números das contas em paraísos fiscais de todos os envolvidos na operação.
Posso continuar, excelência. O senhor pareceu distraído!
Não, nada não.
- Veja, cada suíte terá quarto, sala, quitinete, banheiro, minissauna, Jacuzzi, quartos para receber amantes, frigobar, churrasqueira, freezer, solarium, fitness. Haverá um sistema perfeito de Wi-Fi, inacessível aos hackers, aos grampos, para que os PrePar possam manter seus blogs e sua correspondência
- E ele concordaram em arcar com parte dos custos?
- Manterão os salários, as aposentadorias, os bônus, verbas de representação, verbas de combustível. Estamos em 2015, temos 15 parlamentares presidiários. Espera-se que, com a progressão do sistema, daqui a cinco anos tenhamos 50. Mais cinco, chegaremos a 100. Calcula-se com otimismo que, em 20 anos, teremos a totalidade dos parlamentares nos presídios e a Câmara estará vazia, porque suplentes já terão assumido e sido presos.
- Mas, e as sessões, as votações...?
- O esquema Presídio Ação Cidadania, PAC, terá atingido seu auge, porque os PrePar poderão votar em sessões secretas. Todas as sessões da Câmara serão camufladas. Será vedado o acesso da imprensa, do público. Não haverá atas, gravações, registros, nada. Como na Conferência de Wannsee, em janeiro de 1942...
- O que é isso...?
- Deixemos para lá, escapou-me... Eles, os PrePar, poderão votar de suas celas..., desculpe-me, de suas suítes por celular, tuíter, MS, como quiserem. O sistema que começamos a implantar nesta época terá atingido o clímax, a perfeição.
- Não podemos deixar que nos interrompam, nessa empreitada. Nada, ninguém, nenhuma organização, protestos, manifestação.
O técnico começou a desligar os powerpoints, a sala ficou na penumbra, a tarde caía. Ele disse:
- Estaremos, breve, trazendo para este PrePar presos comuns, criminosos, marginais de grosso calibre, traficantes, para que eles façam a transferência de tecnologia de como governar de dentro das celas..., perdão, das suítes, auxiliados por total liberdade de comunicação e cumplicidade consentida pelos agentes da lei.
- Vamos calar a boca dos pessimistas. Parabéns!
13 de dezembro de 2013
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO, O Estado de S. Paulo
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