A esta altura do escândalo dos auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo -
que teriam desviado dos cofres municipais algo como meio bilhão de reais,
emitindo boletos de ISS com valores reduzidos e ficando com uma parte do total
sonegado pelos devedores -, uma coisa ficou clara: a sindicância aberta pela
Controladoria-Geral do Município (CGM) visando ao desvendamento da operação e à
atribuição de responsabilidades é insuficiente para a investigação, exaustiva e
imune a constrangimentos, a que os paulistanos têm direito. Aliás, o desfecho do
escândalo interessa ao Brasil.
A anatomia da fraude, as conexões políticas dos fraudadores e o envolvimento de outros funcionários, se não de detentores de altos cargos na Prefeitura, além dos membros já identificados do bando, transbordam dos meios ao alcance da Controladoria.
O material levantado pela CGM e as conversas telefônicas gravadas a pedido do Ministério Público Estadual configuram caso de polícia - e assim deve ser tratado.
O divisor de águas são as apontadas ligações entre os quadrilheiros e o então secretário de Governo da Prefeitura, Antonio Donato, que deixou anteontem a função, reassumindo o mandato de vereador pelo PT.
O sociólogo de 56 anos teve atuação decisiva em persuadir os companheiros a se engajar na candidatura do ministro da Educação Fernando Haddad - o "poste" levantado por Lula para devolver ao partido o comando da cidade.
Depois, empenhou-se em "apresentar" a periferia paulistana ao novo prefeito, a quem ajudou também a conhecer os meandros do percurso entre a sede do governo municipal e a Câmara de Vereadores. Por fim, foi quem instou o chefe - cuja campanha coordenara - a criar a CGM. Com as denúncias de venda de facilidades na administração Gilberto Kassab, o braço direito de Haddad parecia ganhar a musculatura de um body builder - até que o ventilador passou a soprar em sua direção.
Descobriu-se, por exemplo, que o acusado de ser o principal operador do facilitário do ISS, Ronilson Bezerra Rodrigues, subsecretário da Receita na gestão Kassab, foi indicado por Donato para a diretoria financeira da SPTrans.
Sob suspeita, no mesmo dia em que depôs na CGM, correu a pedir ajuda ao padrinho - que teria lavado as mãos.
Descobriu-se também que outro fiscal investigado, Eduardo Horle Barcellos, trabalhou de janeiro a abril último no gabinete de Donato. O pior nem foi isso. Numa conversa gravada, a ex-companheira de outro auditor fisgado, Luis Alexandre Cardoso Magalhães, que seria o coletor das comissões, ameaçou contar que ele doara R$ 200 mil à campanha da reeleição de Donato.
A versão foi confirmada por Barcellos ao Ministério Público, com riqueza - o termo vem a calhar - de detalhes. O vereador pediu-lhe "uma ajuda". E ela veio em 10 parcelas de R$ 20 mil entre dezembro de 2011 e setembro de 2012, entregues em dinheiro a Donato na Câmara - para onde teria agora tomado a iniciativa de voltar a fim de se defender das "denúncias infundadas".
Supondo que seja fundado o relato que nega, é de perguntar por que um político com apreciável milhagem iria pedir dinheiro a um fiscal da Prefeitura.
E, depois, quando começaram a chegar os pacotes mensais, será que ele não se perguntou de onde o servidor tirava tantos recursos? Ou não se perguntou nada porque sabia de tudo?
A história, porém, não começa nem termina com Donato. Magalhães, o mais espalhafatoso dos suspeitos, gravou uma conversa com Rodrigues e outro cúmplice, Carlos Augusto Lallo Leite do Amaral.
Nela, a propósito das incertezas do futuro, advertiu que "ninguém vai mexer no meu patrimônio" e ameaçou acionar uma metralhadora giratória de revelações se cair em desgraça.
Gabando-se de ter anotado todos os acertos desde 2002 - "tenho transtorno obsessivo compulsivo" -, especula que "não vai cair ninguém (porque), se cair 5, vão cair 50", e adianta como se comportará se tiver de citar nomes. Dirá ao interlocutor: "Quer que eu comece por ordem alfabética?".
Pode ser.
N. da R. - Ao contrário do que informou o editorial A ética mandada pelos ares (13/11),
o presidente do Cade, Vinicius Marques de Carvalho, não é sobrinho do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
13 de novembro de 2013
O Estado de S.Paulo
A anatomia da fraude, as conexões políticas dos fraudadores e o envolvimento de outros funcionários, se não de detentores de altos cargos na Prefeitura, além dos membros já identificados do bando, transbordam dos meios ao alcance da Controladoria.
O material levantado pela CGM e as conversas telefônicas gravadas a pedido do Ministério Público Estadual configuram caso de polícia - e assim deve ser tratado.
O divisor de águas são as apontadas ligações entre os quadrilheiros e o então secretário de Governo da Prefeitura, Antonio Donato, que deixou anteontem a função, reassumindo o mandato de vereador pelo PT.
O sociólogo de 56 anos teve atuação decisiva em persuadir os companheiros a se engajar na candidatura do ministro da Educação Fernando Haddad - o "poste" levantado por Lula para devolver ao partido o comando da cidade.
Depois, empenhou-se em "apresentar" a periferia paulistana ao novo prefeito, a quem ajudou também a conhecer os meandros do percurso entre a sede do governo municipal e a Câmara de Vereadores. Por fim, foi quem instou o chefe - cuja campanha coordenara - a criar a CGM. Com as denúncias de venda de facilidades na administração Gilberto Kassab, o braço direito de Haddad parecia ganhar a musculatura de um body builder - até que o ventilador passou a soprar em sua direção.
Descobriu-se, por exemplo, que o acusado de ser o principal operador do facilitário do ISS, Ronilson Bezerra Rodrigues, subsecretário da Receita na gestão Kassab, foi indicado por Donato para a diretoria financeira da SPTrans.
Sob suspeita, no mesmo dia em que depôs na CGM, correu a pedir ajuda ao padrinho - que teria lavado as mãos.
Descobriu-se também que outro fiscal investigado, Eduardo Horle Barcellos, trabalhou de janeiro a abril último no gabinete de Donato. O pior nem foi isso. Numa conversa gravada, a ex-companheira de outro auditor fisgado, Luis Alexandre Cardoso Magalhães, que seria o coletor das comissões, ameaçou contar que ele doara R$ 200 mil à campanha da reeleição de Donato.
A versão foi confirmada por Barcellos ao Ministério Público, com riqueza - o termo vem a calhar - de detalhes. O vereador pediu-lhe "uma ajuda". E ela veio em 10 parcelas de R$ 20 mil entre dezembro de 2011 e setembro de 2012, entregues em dinheiro a Donato na Câmara - para onde teria agora tomado a iniciativa de voltar a fim de se defender das "denúncias infundadas".
Supondo que seja fundado o relato que nega, é de perguntar por que um político com apreciável milhagem iria pedir dinheiro a um fiscal da Prefeitura.
E, depois, quando começaram a chegar os pacotes mensais, será que ele não se perguntou de onde o servidor tirava tantos recursos? Ou não se perguntou nada porque sabia de tudo?
A história, porém, não começa nem termina com Donato. Magalhães, o mais espalhafatoso dos suspeitos, gravou uma conversa com Rodrigues e outro cúmplice, Carlos Augusto Lallo Leite do Amaral.
Nela, a propósito das incertezas do futuro, advertiu que "ninguém vai mexer no meu patrimônio" e ameaçou acionar uma metralhadora giratória de revelações se cair em desgraça.
Gabando-se de ter anotado todos os acertos desde 2002 - "tenho transtorno obsessivo compulsivo" -, especula que "não vai cair ninguém (porque), se cair 5, vão cair 50", e adianta como se comportará se tiver de citar nomes. Dirá ao interlocutor: "Quer que eu comece por ordem alfabética?".
Pode ser.
N. da R. - Ao contrário do que informou o editorial A ética mandada pelos ares (13/11),
o presidente do Cade, Vinicius Marques de Carvalho, não é sobrinho do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
13 de novembro de 2013
O Estado de S.Paulo
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