Embora não tenha metas obrigatórias para redução da emissão de gases de efeito estufa (GEEs), o Brasil tem assumido papel de liderança e se comprometeu a baixar entre 36,1% e 38,9% das suas emissões até 2020. Em 2012, o País não só cumpriu sua meta, mas a ultrapassou, e já reduziu 53,6% das emissões esperadas para 2020.
A constatação de que o Brasil superou sua meta só foi possível por causa do lançamento, pelo Observatório do Clima, de uma ferramenta que permite acompanhar as emissões brasileiras anuais de GEEs. A ferramenta é útil porque permite acompanhar as emissões, projetar tendências e cobrar correções dos setores antes da conclusão dos inventários oficiais, que, apesar de essenciais, já são lançados com dados desatualizados porque demoram anos para ser elaborados. Basta notar que os últimos dados oficiais são de 2005.
A ferramenta apontou que, em 2012, os três setores que mais emitiram GEEs no Brasil foram: desmatamento (32,1% do total das emissões), agropecuária (29,7%) e energia (29,4%). No entanto, é crucial notar que o termo "energia" não se refere ao setor de geração de energia elétrica.
Na rubrica "energia", além do setor elétrico, estão consideradas as emissões dos transportes (13,8%), das indústrias (6,1%), das refinarias (1,8%), das residências (1,3%) e outros. O setor elétrico emitiu apenas 3,3% do total das emissões brasileiras. Essa terminologia ("energia", que inclui vários setores tão distintos) precisa ser rapidamente alterada para evitar interpretações equivocadas sobre o setor elétrico, que, com 3,3% das emissões totais, tem assumido o peso de 29,4%. Por que não explicitar as participações dos setores de transportes e indústrias? Isso não deixaria mais claro "quem emite quanto"?
Independentemente dessa terminologia confusa e injusta, o importante é que há espaço para reduzir as emissões de GEEs brasileiras, principalmente as decorrentes de atividades criminosas como o desmatamento, que em 2012 emitiu 476,5 milhões de toneladas de CO2, ou quase 1/3 do total. Por outro lado, cobrar a redução de emissões de GEEs de setores produtivos como a indústria e a agropecuária, ou de setores que dão suporte ao crescimento econômico - como o setor elétrico -, pode comprometer o desenvolvimento econômico e social do País.
No setor elétrico brasileiro, a análise da situação é ainda mais complexa porque o aumento de emissões dos últimos anos se deve à operação mais intensa e frequente de usinas termoelétricas, em razão dos regimes hidrológicos menos favoráveis nos dois últimos anos, que prejudicaram o despacho de hidrelétricas. A segurança de abastecimento teria sido comprometida se tais termoelétricas não tivessem sido despachadas. Isso dito, não faz sentido algum cobrar redução de emissões de GEEs de um setor responsável por apenas 3,3% das emissões e que só chegou a esse patamar para poder garantir energia ao País. Além disso, é sempre bom lembrar que, em 2012, 82,5% da geração de eletricidade no Brasil foi feita a partir de fontes renováveis de energia: hidráulica, eólica e biomassa.
O Brasil já está fazendo uma belíssima lição de casa e não deve nada a ninguém: reduziu 35% de suas emissões entre 2005 e 2010, enquanto, na média, os demais países aumentaram suas emissões em 9%. Devemos, pois, nos orgulhar de nossa matriz elétrica e confrontar, com números e dados objetivos, os grupos de pressão que se aproveitam da confusão terminológica acima para construir pautas recheadas de preconceitos e opções ideológicas.
Tais grupos de pressão seriam mais eficazes se estudassem um pouco mais e direcionassem seus discursos panfletários para a redução das emissões em outros países e em outros setores. Não podemos "importar" um problema que não temos e muito menos permitir que atribuam ao setor elétrico brasileiro um passivo que não lhe cabe.
20 de novembro de 2013
CLAUDIO J. D. SALES E ALEXANDRE UHLIG, Estado de S. Paulo
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