O sociólogo Marcos Cezar Fernandes e o historiador Daniel Aarão Reis se opõem sobre os movimentos que ocorreram recentemente no Brasil. A meu ver, ambos deixam escapar a essência do fenômeno. As ciências sociais mostram o fascismo como produto de transformações na estrutura de classes emergindo, portanto, das formações socioeconômicas capitalistas.
A fertilidade do fascismo é nutrida pela descrença no campo político-institucional: por meio do caos, propõe repor crenças e semear ordens. Tal descrença tem um núcleo: a pequena burguesia, urbana ou rural, e a ordem tão cara a esta camada sociopolítica. Há semelhanças nos movimentos daqui e as hordas amorfas, que ocorreram na Alemanha e na Itália.
No fascismo e no nazismo, o desemprego da crise de 29 afetou mais, em termos relativos, a pequena burguesia. A perspectiva da perda do emprego dessa camada social estendeu-se politicamente aos demais trabalhadores, também atingidos pelas transformações científicas e tecnológicas. O dilema dos fascistas foi: evitar que um gargalo, principalmente político, nas distintas cadeias produtivas impedisse a expansão daquelas transformações. Ao mesmo tempo, contornar conflitos de classes provenientes das expansões, canalizando receios e insatisfações pela cooptação. Surgiram “ilhas” de avanço científico-tecnológico. Estas não iriam atingir valores materiais e imateriais pequeno-burgueses, preservando, quantitativa e qualitativamente, seus campos socioprofissionais.
Tais “ilhas” mantiveram as expansões científicas e tecnológicas, hoje sabe-se apoiadas por grandes empresas na Alemanha. Seus “muros” criavam sensação de segurança, estimulada pelo apoio a atividades sociais e estéticas conservadoras. Nazistas e fascistas organizavam homenagens a valores familiares e profissionais, mantidos no interior de grupos socioprofissionais, principalmente artesanais, e herdados de fases pretéritas da Revolução Industrial.
No Brasil contemporâneo, há a pequena burguesia surgida com os últimos governos do PT: 20 a 30 milhões vivendo com, em média, dois a dois e meio salários mínimos. Quantos, dos mais de 90% contrários à violência dos black blocks, são, também, defensores da ordem!! Quantos, dentre estes defensores da ordem e contra vandalismo, pertencem a estas “novas classes médias” emergentes nos últimos governos do PT!!
Nesse sentido, há uma questão central na abordagem do fascismo: como se dá sua atualização — aggiornamento — na estrutura sociopolítica do capitalismo, que é seu berço natural! Pois, apesar de ser um fenômeno histórico, o fascismo não se perdeu na história. Como escreveu Marc Bloch, a história não é feita só pelo que se transforma. Mas, também, pelo que permanece. E uma das funções da ciência da história — e do historiador, seu discípulo! — é construir meios de distinguir um e outro.
Ainda uma observação. A expansão das fronteiras agrícolas é um dos aspectos na análise da expansão do fascismo. Na existência de reservas, as tensões e conflitos urbanos — gerados na expansão do capital — são deslocados para as fronteiras. Talvez isso sinalize com um entendimento da timidez da reforma agrária nos últimos governos do PT: uma tentativa de acomodar, ou amortecer, tais conflitos deslocando-os para fronteiras, permitindo — por meio delas — uma expansão material e imaterial, do modelo capitalista.
Lembrete final: internet não cria classes sociais. Mas potencializa e agiliza as formas de expressão de seus descontentamentos e posicionamentos sociopolíticos. Basta ler os comentários, conservadores ou progressistas, que surgem sobre as notícias nela veiculadas. Estes dispõem de um potencial político. Obviamente, predispostos a manipulações e cooptações.
20 de novembro de 2013
André Laino é Sociólogo e Historiador. O Globo
André Laino é Sociólogo e Historiador. O Globo
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