"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

UMA DENÚNCIA ASSUSTADORA: OS PETRALHAS ODEIAM FISCAL QUE FISCALIZA

 

































A administradora de empresas Maria Suely Fernandes, funcionária de carreira do Banco do Brasil, sempre quis trabalhar com projetos sociais. Há três anos, graças à indicação do PT, teve sua chance.

Aos 29 anos, conseguiu uma vaga na Fundação Banco do Brasil [foto], braço filantrópico da empresa, dominado pelo PT há dez anos. Com um orçamento anual de R$ 200 milhões, ele se dedica a financiar projetos sociais.
Suely era filiada ao PT de Minas Gerais desde a adolescência e fora indicada ao cargo pelo sindicalista Jacques Pena, ex-presidente da fundação e quadro influente do partido em Brasília — ele foi um dos coordenadores da campanha presidencial de Dilma na capital da República, em 2010.

Quando assumiu o posto, Suely recebeu uma missão delicada: fiscalizar — ou não — a correta aplicação do dinheiro investido pela fundação em projetos sociais, a maioria deles ligados ao PT. Suely e o sindicalista Pena logo descobririam ter cometido os maiores erros de suas vidas.

Para desgosto de Pena e do grupo petista que controla a fundação, Suely ignorou o apadrinhamento do partido. Resolveu fazer seu trabalho — e era boa nele, segundo funcionários da fundação que conviviam com ela. Descobria tudo, fossem pequenas falhas na apresentação de projetos, fossem fraudes complexas em contratos milionários.

Os casos acumulavam-se. Revelavam, pelas semelhanças e nomes dos beneficiários, que a fundação desviava, sistematicamente, dinheiro para gente do PT. Ingênua, Suely relatava as falcatruas encontradas — a maioria envolvendo seu padrinho político, Jacques Pena — a seus superiores na fundação e no Banco do Brasil. Era ignorada. Ela insistiu, insistiu, insistiu… até que, em dezembro passado, convencida de que ali ninguém nada faria, juntou seus relatórios e denunciou as fraudes ao Ministério Público do Distrito Federal e à Polícia Civil de Brasília.

A polícia e o MP passaram a investigar o caso. Os dirigentes da fundação, ao saber da colaboração de Suely com as autoridades, promoveram-na ao almoxarifado. Não tardou para que ela deixasse a fundação e voltasse ao serviço no Banco do Brasil. Foi então que Suely finalmente percebeu com quem estava se metendo.
Poucos dias depois de deixar a fundação, segundo relatos, recebeu um torpedo no celular com seu nome, local de trabalho e nome e idade de seu filho, que tem 6 anos. Suely interpretou o torpedo como uma ameaça velada. Comunicou o ocorrido aos delegados que investigavam a fundação.

A polícia não conseguiu rastrear a origem da ameaça. Dias depois, Suely recebeu outro torpedo. Ele continha informações sobre seu cotidiano e de seu filho, como horário em que ele deixara a escola e a placa da van que o transportava diariamente. Apavorada, temendo por sua vida e pela vida de seu filho, Suely conseguiu convencer a direção do Banco do Brasil a transferi-la para outro Estado.
A decisão de enfrentar o esquema montado pelo padrinho custara-lhe a vida em Brasília. Teve de deixar tudo para trás. Levou apenas o filho. Hoje, vive longe, e vive com medo. Tanto medo que, procurada por ÉPOCA, recusou-se a dar entrevista sobre o caso.


ProcessoA decisão do juiz que resolveu investigar as irregularidades na Fundação Banco do Brasil
 
O drama de Suely, ao menos, não foi em vão. Com autorização da Justiça, os delegados e promotores do caso interceptaram os telefones dos dirigentes da fundação, incluindo o sindicalista Pena. As escutas confirmaram as informações prestadas por Suely e revelaram mais casos de desvio de dinheiro. Há dez dias, o juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Frederico Ernesto Maciel, autorizou a polícia e o MP a apreender documentos e computadores na sede da fundação, em Brasília, e nos escritórios dos suspeitos de integrar o esquema. ÉPOCA teve acesso à decisão do juiz.
Assim o juiz Maciel explica o que foi descoberto nas escutas: “Os representados (suspeitos) planejam a forma de burlar a lei para desviar dinheiro público, discutem entre si expressivos valores que poderão obter ilegalmente, irregularidade de pagamentos, fraudes em contratos e convênios e execuções de projetos que possam se apropriar do dinheiro público”.

Com a autorização do juiz, a polícia e o MP deram início à Operação Overnight, uma referência à antiga operação financeira que garantia ao investidor rendimentos diários. Às 7 da manhã da quinta-feira, dia 29, agentes entraram discretamente no 10º andar de um prédio na região central de Brasília, onde funciona a sede da fundação. Apreenderam computadores, CDs e DVDs.
Não conseguiram apreender o computador portátil do presidente da fundação, Jorge Streit, que não estava lá. Mas os policiais obtiveram uma cópia de todas as informações contidas no computador central da fundação. Na sequência, os agentes apreen­deram documentos na sede de uma ONG que pertence a Joy Pena, irmão mais novo do sindicalista e ex-presidente da fundação, Jacques Pena.

A ONG de Joy Pena funciona numa salinha dum centro comercial decadente de Brasília. Mas tem dinheiro para alugar uma salona. Essa ONG recebeu da Fundação Banco do Brasil, desde 2004, quando Jacques Pena ainda era presidente, ao menos R$ 4,6 milhões. Sem licitações. Em tese, a ONG de Joy Pena ajudava pequenos agricultores a aumentar a produtividade e renda.
Não se sabe exatamente como ele fazia isso. A Fundação Banco do Brasil afirma que todos os serviços foram prestados. Joy Pena não quis se explicar. A ÉPOCA, Jacques Pena disse apenas que já deixara a presidência da fundação quando seu irmão mais novo assumiu, formalmente, a direção da ONG. (Antes disso, seu irmão já tocava a ONG, segundo as investigações.)


                    Centro de Excelência do Café, em Caratinga Equipamentos enferrujados e aranhas mortas

Os investigadores também descobriram, por meio das escutas, que a ONG de Joy Pena apresentou uma nota fiscal fria para receber recursos antecipados da fundação. As conversas interceptadas mostram, ainda, que Joy Pena atuava como lobista do grupo. Buscava “projetos sociais”, sempre de gente ligada ao PT, que pudessem receber dinheiro da fundação.
É dos quadros do PT o prefeito do município gaúcho de Canoas, Jairo Jorge, cunhado de Pena — a fundação financiou em Canoas projetos de reciclagem de lixo e “inclusão digital”. Numa das escutas realizadas pela polícia, funcionários da fundação cogitavam transferir um equipamento de triturar lixo de obra — adquirido para o município vizinho de São Leopoldo, com recursos da fundação — para Canoas, em razão de a prefeitura de São Leopoldo ter passado para as mãos de PSDB nas últimas eleições.

O favorecimento a prefeituras administradas pelo PT fica evidente na investigação. Caratinga, terra natal de Pena, a 320 quilômetros de Belo Horizonte, é um exemplo. A cidade, até o ano passado, era administrada pelo PT. Celebrou muitos convênios com a fundação. Um deles, no valor de R$ 2 milhões, foi firmado para criar um Centro de Excelência do Café. Torraram o dinheiro da fundação à toa. ÉPOCA visitou o local na semana passada.
O galpão do centro foi entregue há apenas dois anos, sem paredes e sem, sequer, equipamentos para tratar o chorume produzido com a despolpa do café. Nos galpões onde funciona o tal centro de excelência, sobram equipamentos enferrujados, poeira e aranhas mortas. Nas escutas da polícia, os assessores da fundação demonstram preocupação com a possibilidade de alguma autoridade investigar o dinheiro investido em Caratinga.

A investigação revela que o atual presidente da fundação, Jorge Streit — petista e candidato ao governo de Roraima em 1994 —, também distribuiu dinheiro às ONGs de seus amigos. Indicado por Jacques Pena para o cargo, Streit, de acordo com as investigações, conversava com ele com frequência. Num dos diálogos interceptados entre os dois, no dia 18 de março, Streit e Pena falam abertamente sobre um projeto em que “houve desvios de recursos para tapar buracos”.
Não fica claro a qual dos convênios os dois se referem. Jacques Pena ainda pede informações a Streit com o objetivo de ajudar um amigo interessado em celebrar convênios com a fundação. Streit, então, o instrui a procurar, na fundação, o funcionário capaz de atender à demanda do amigo. Mais à frente, Streit faz uma pergunta a Jacques Pena sobre “aquele outro assunto”. Pena responde, segundo a polícia, “que não pode tratar pelo telefone”. Esse diálogo reforçou a convicção do juiz de que era necessário apreender os computadores dos suspeitos para avançar nas investigações.

O domínio do PT na fundação estendia-se até aos contratos. Um deles, no valor de R$ 4 milhões, foi fechado com a Vibe Marketing e Publicidade. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União descobriu que a fundação contratou essa empresa numa licitação suspeita, em que todas as concorrentes foram desclassificadas. A Vibe não ofereceu as garantias necessárias de que cumpriria o contrato.
Mesmo diante dessas irregularidades, a fundação renovou o contrato com ela por duas vezes — e até elevou o valor. A Vibe pertence ao publicitário André Fratti, que se engajou na campanha da presidente Dilma Rousseff em 2010. Procurado por ÉPOCA, Fratti afirmou que a situação da Vibe com a fundação já foi acertada e que não trabalhou oficialmente na campanha de Dilma. “Só apoiei a candidata. Só isso”, afirmou.


    Fora do Eixo. A Casa das Redes e Pablo Capilé — A Fundação BB banca o aluguel de nove ativistas e um bebê

Quanto mais os investigadores cavavam na fundação, mais encontravam. Numa das escutas, funcionários disseram que o presidente da cooperativa de catadores de lixo de Uberaba, a Cooperu, se apropriara de dois caminhões doados com dinheiro da fundação, para transportar material de uma empresa particular.  Os funcionários da fundação ainda apelidaram a cooperativa de Coopergato, numa alusão à quantidade fantasiosa de catadores de lixo associados à cooperativa. Descobriu-se que a fundação investe em qualquer coo­perativa. Uma delas, espécie de cooperativa do novo milênio, chamada Casa das Redes, recebeu R$ 370 mil. A associação é comandada pelo jornalista Pablo Capilé, guru do Movimento Fora do Eixo e da Mídia Ninja.  O dinheiro serviria para criar uma “estação digital” em Brasília. E o que faria essa estação? Difícil saber. O argumento de Capilé para convencer a fundação a lhe entregar dinheiro é irresistível: chaleirar o governo petista. “Na gestão Lula, o acesso aos recursos e bens de produção, principalmente sustentados pelas novas tecnologias, somados ao empoderamento da sociedade civil, como partícipe da construção de políticas públicas para o setor foram medidas importantes que contribuíram para a articulação, fortalecimento e ampliação de alternativas econômicas à classe cultural em todo o país”, escreveu Capilé. Com o dinheiro na mão, Capilé e seus amigos Fora do Eixo alugaram uma casa bacana em Brasília. Mobiliaram e equiparam o imóvel com tudo o que têm direito: bons móveis, TVs de LCD, computadores MacBook, mas não quaisquer MacBooks: MacBooks Air, aqueles fininhos, mais modernos e charmosos.
A fundação banca o aluguel, contas de água, luz e telefone de nove ativistas e um bebê de 9 meses, Benjamin, filho de um deles. (Não se sabe se a fundação paga as fraldas.) Por dentro, a tal casa criativa parece mais uma start up de tecnologia que uma comunidade de “agitadores culturais”, como eles se definem. Como a luta de Capilé e de seus amigos Fora do Eixo nunca foi pelos 20 centavos, há também um carro para servir a casa.

Até recentemente, de acordo com uma apuração da própria fundação, o carro circulava pelas ruas de São Carlos, no interior paulista.
Jacques Pena afirma que saiu da fundação há mais de três anos e que não comentaria assuntos da instituição. A gestora da Casa das Redes, Carolina Tokuyo, diz que atendeu a todas as exigências da fundação. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, diz que ser cunhado de Jacques Pena só atrasou a aprovação de um convênio solicitado pela prefeitura. O presidente da Cooperu, José Eustáquio de Oliveira, afirma não ter se apropriado dos caminhões doados com recursos da Fundação Banco do Brasil. A Fundação Banco do Brasil disse que colabora com as investigações e que “atua em conformidade às normas dos órgãos de administração, controle e fiscalização externos e internos”. A direção do Banco do Brasil afirma que não tem conhecimento das irregularidades praticadas na fundação.

10 de setembro de 2013
Reportagem de Murilo Ramos, colaboraram Flávia Tavares e Marcelo Rocha
ÉPOCA Online

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