A celebração do 191º aniversário da Independência foi um espetáculo deprimente nas antiga e nova capitais do país.
Em Brasília, além de deprimente, o espetáculo foi melancólico.
O escasso público foi afastado das centenas de militares que desfilavam e das autoridades da República pelas centenas de militares que protegiam o desfile.
No Rio de Janeiro, além de deprimente, o espetáculo foi patético. Militares das Forças Armadas desfilaram impassíveis isolados de algumas dezenas de manifestantes por centenas de policiais militares, em meio à fumaça das bombas de efeito moral.
Que festa cívica é esta que tem que isolar o povo?
É verdade que a celebração do 7 de setembro entre nós sempre foi uma festa para o povo, nunca uma festa do povo. Nisso ela se aproxima mais da celebração da data nacional na antiga União Soviética, marcada pela exibição de poderio militar, do que do 4 de julho americano, uma festa integralmente popular.
Entre nós, até os estudantes, forçados a participar, tinham que marchar e no velho estilo de martelar o chão com as solas dos sapatos. Este tipo de desfile nada tinha, e nada tem, a ver com os fatos de nossa independência.
Ela não se fez no 7 de setembro de 1822, como quer o quadro famoso de Pedro Américo, no qual se exalta Dom Pedro, espada erguida diante do séquito militar. Houve muito povo nos acontecimentos anteriores e posteriores ao dia 7. Basta lembrar que Dom Pedro foi quase constrangido a ficar no Brasil por um manifesto de 8 mil habitantes de uma cidade de 150 mil, e que, dois dias depois, 10 mil pessoas se reuniram no Campo de Santana para enfrentar, armas na mão, a Divisão Auxiliadora portuguesa, afinal expulsa do país.
Fora da capital, a independência custou sangue de brasileiros na Bahia, no Maranhão, no Piauí, no Pará. Nossa emancipação é mais adequadamente representada na fantasia do quadro de François-René Moreaux , de 1844, que mostra Dom Pedro no meio do povo erguendo o chapéu. Ou mesmo no quadro de Debret sobre a aclamação do imperador em 12 de outubro de 1822, onde ele aparece em uma janela sendo ovacionado pelo povo.
Depois das jornadas de junho deste ano, quando o povo invadiu em massa as ruas de nossas cidades reclamando da exclusão política, não faz mais sentido, se alguma vez o tenha feito, excluí-lo da participação nesta que é a maior festa cívica nacional.
É preciso trazer o povo de volta à festa de uma Independência que ele ajudou a fazer, alterando radicalmente a natureza do evento. Para além da festa, e como requisito, é também indispensável trazer todo esse mesmo povo para dentro da República.
Excelente agenda para preparar o segundo centenário da Independência, daqui a nove anos.
10 de setembro de 2013
José Murilo de Carvalho, O Globo
Em Brasília, além de deprimente, o espetáculo foi melancólico.
O escasso público foi afastado das centenas de militares que desfilavam e das autoridades da República pelas centenas de militares que protegiam o desfile.
No Rio de Janeiro, além de deprimente, o espetáculo foi patético. Militares das Forças Armadas desfilaram impassíveis isolados de algumas dezenas de manifestantes por centenas de policiais militares, em meio à fumaça das bombas de efeito moral.
Que festa cívica é esta que tem que isolar o povo?
É verdade que a celebração do 7 de setembro entre nós sempre foi uma festa para o povo, nunca uma festa do povo. Nisso ela se aproxima mais da celebração da data nacional na antiga União Soviética, marcada pela exibição de poderio militar, do que do 4 de julho americano, uma festa integralmente popular.
Entre nós, até os estudantes, forçados a participar, tinham que marchar e no velho estilo de martelar o chão com as solas dos sapatos. Este tipo de desfile nada tinha, e nada tem, a ver com os fatos de nossa independência.
Ela não se fez no 7 de setembro de 1822, como quer o quadro famoso de Pedro Américo, no qual se exalta Dom Pedro, espada erguida diante do séquito militar. Houve muito povo nos acontecimentos anteriores e posteriores ao dia 7. Basta lembrar que Dom Pedro foi quase constrangido a ficar no Brasil por um manifesto de 8 mil habitantes de uma cidade de 150 mil, e que, dois dias depois, 10 mil pessoas se reuniram no Campo de Santana para enfrentar, armas na mão, a Divisão Auxiliadora portuguesa, afinal expulsa do país.
Fora da capital, a independência custou sangue de brasileiros na Bahia, no Maranhão, no Piauí, no Pará. Nossa emancipação é mais adequadamente representada na fantasia do quadro de François-René Moreaux , de 1844, que mostra Dom Pedro no meio do povo erguendo o chapéu. Ou mesmo no quadro de Debret sobre a aclamação do imperador em 12 de outubro de 1822, onde ele aparece em uma janela sendo ovacionado pelo povo.
Depois das jornadas de junho deste ano, quando o povo invadiu em massa as ruas de nossas cidades reclamando da exclusão política, não faz mais sentido, se alguma vez o tenha feito, excluí-lo da participação nesta que é a maior festa cívica nacional.
É preciso trazer o povo de volta à festa de uma Independência que ele ajudou a fazer, alterando radicalmente a natureza do evento. Para além da festa, e como requisito, é também indispensável trazer todo esse mesmo povo para dentro da República.
Excelente agenda para preparar o segundo centenário da Independência, daqui a nove anos.
10 de setembro de 2013
José Murilo de Carvalho, O Globo
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