O título recorre ao romance famoso de Somerset Maugham, adaptado para o cinema na década de 50, que, a meu ver, pode interpretar bem a situação a que está sendo conduzido o presidente Michel Temer no estranho episodio da tentativa de anistiar os culpados por terem recebido doações políticas fornecidas através do famoso Caixa Dois. O Caixa Dois, no fundo, tornou-se uma nuvem para encobrir do sol a principal forma de corrupção que atingiu o país, levando à Operação Lava Jato.
O tema está plenamente focalizado nas reportagens de Isabel Braga, Letícia Fernandes, Evandro Éboli e Jailton de Carvalho, O Globo de sexta-feira. A manobra estava urdida na Câmara Federal, mas foi bloqueada pela forte e firme reação da magistratura e da Procuradoria Geral da República.
O juiz Sérgio Moro, por exemplo, afirmou que a pretexto de anistiar doações eleitorais não registradas serão igualmente beneficiadas condutas d corrupção, incluindo lavagem de dinheiro entre outras ilegalidades.
OPERAÇÃO ABAFA – Aprovado (e sancionado) tal projeto, a Operação Lava Jato perderia seus efeitos. Até pessoas já condenadas teriam de ser soltas para, em liberdade, aproveitarem o produto dos roubos que praticaram, beneficiando-se a si mesmos.
Mas falei em fio da navalha. Isso mesmo. A expressão estende-se a Michel Temer porque, no caso de o Congresso vir a aprovar tal absurdo, caberá a ele sancionar ou vetar a alarmante anistia. Alarmante e contraditória, sob o ângulo político, violadora da realidade no plano jurídico.
Por que isso? Explico. O texto, de autor oculto, incluído sob a forma de emenda no projeto de Combate à Corrupção, qualifica-se por si mesmo. Até agora a prática de Caixa Dois é considerada crime. Deixaria de ser com a sinuosa anistia. Porém, voltaria à condição de crime daqui para frente. Ora, desnecessário sublinhar a duplicidade do conceito legal, absolver os criminosos existentes, voltar a condenar os criminosos desta data em diante.
TEMER VETARÁ? – Mas qual o motivo da matéria conduzir o presidente Michel Temer à atmosfera do clássico de Somerset Maugham? Simplesmente pelo fato de representar uma bomba em suas mãos.
Se viesse a sancionar o projeto, portanto transformando-o em lei, a reação contra ele seria intensa, muito mais intensa (e densa) do que a atmosfera que marcou as demissões de Romero Jucá, Henrique Eduardo Alves e, agora, a de Geddel Vieira Lima. Se vetar, em decorrência da pressão do Judiciário e do Ministério Público, em acordo com a população brasileira, entrará em choque com sua base parlamentar integrada por diversos personagens claramente vinculados ao mar de corrupção que inundou o convés da Petrobrás e abriu um rombo nas finanças públicas do Estado do Rio de Janeiro.
EM CAUSA PRÓPRIA – Os parlamentares defendem a anistia porque os livrará dos respectivos processos judiciais. Assim, estão nitidamente agido escandalosamente em causa própria.
Em causa própria e além da lei, chancelando uma ruptura com a moral e a ética. São aliados incômodos de Michel Temer, que se tornaria ainda mais prisioneiro dos falsos amigos no Palácio do Planalto. A reação da planície abalaria os obstáculos do poder que ainda se mantêm à sua volta.
Para Temer, foi melhor – acentuo – rejeitar o projeto agora do que ter de vetá-lo depois.
28 de novembro de 2016
Pedro do Coutto
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