"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

COLUNA DO RAFAEL ROSSET: JOHN OLIVER E A ESQUERDA CAVIAR TELEVISIVA

“Todos esses dados estão corretos e o sistema é mesmo extremamente cruel”


Dia desses estava assistindo ao programa do John Oliver na HBO. Pra quem não conhece, John Oliver é um comediante inglês, durante anos um dos roteiristas do programa do Jon Stewart, e cujo programa faz piada com os principais fatos da semana (como o programa do Jon Stewart fazia). Claro que nem tudo é matéria de piada: num vídeo famoso que circula pelo Youtube, o comediante oferece dinheiro para que Trump concorra à presidência, simplesmente porque será divertido rir da cara do bilionário. Já as piadas com Obama, em geral, costumam ser daquele tipo de humor laudatório, aquele “humor a favor”, do tipo que nos acostumamos a ver aqui no Brasil com a “Dilma Bolada” (e cujo criador, nos últimos meses, parece que perdeu o senso de humor).

No quadro principal ele se dispôs a fazer uma crítica ao sistema de financiamento das universidades americanas, com alguns dados impressionantes: 7 a cada 10 estudantes americanos terminam o curso com dívidas. A soma das dívidas dos graduados é de um trilhão de dólares, valor superior às dívidas com cartões de crédito e financiamento de automóveis. No sistema legal americano as dívidas dos estudantes com as faculdades são as mais facilmente recuperáveis pelos credores: ficam fora de eventual insolvência civil, permitem a penhora de salários e até da restituição do imposto de renda.

Todos esses dados estão corretos e o sistema é mesmo extremamente cruel. Mas também terrivelmente eficiente: das 20 melhores universidades do mundo, 15 estão nos EUA, de acordo com o ranking da Times Higher Education de 2015. E podemos dizer que é esse sistema cruel e injusto que fez e mantém os EUA como a nação mais poderosa do planeta: qualquer pessoa com um iPhone no bolso vai constatar que ele pode ser feito na China, no Vietnã ou em qualquer lugar com mão de obra barata, mas é projetado SOMENTE na Califórnia, no Vale do Silício, por profissionais formados em Stanford ou em outras universidades de ponta.

Outro sistema de ensino frequentemente apontado como “cruel” é o alemão. Geralmente o destino do aluno é selado já no ensino fundamental, ao fim do qual, com base em seu desempenho, ele é direcionado para o curso médio preparatório para escolas técnicas (Hauptschule), ou para cursos que o encaminharão para o ensino universitário (Gymnasium). Isso significa que com 10 ou 12 anos você já sabe se será um engenheiro ou um marceneiro, sem muita chance de mudar seu destino. O desempenho do aluno ao longo dos anos determinará não só qual universidade ele frequentará, mas também em qual curso será aceito (apenas os melhores podem se habilitar a cursar medicina, por exemplo). É um sistema radicalmente meritocrático, e que já produziu 106 Prêmios Nobel. É sim um sistema gratuito em seus primeiros anos, mas várias universidades já obtiveram autorização para começar a cobrar mensalidades de seus alunos, a exemplo do que ocorre nos EUA

Já o sistema brasileiro seria o que o John Oliver qualificaria como “justo”: é totalmente grátis para os estudantes (diferentemente do norte-americano), e permite ampla liberdade de escolha (diferentemente do alemão). Mas no mesmo ranking acima citado a USP aparecia em 201º lugar, e a Unicamp depois do 300º. A universidade no Brasil é vista não como um lugar de produção de conhecimento útil para a sociedade (lembrando que a maior parte das empresas multibilionárias do Vale do Silício nasceu no campus de Stanford, porque lá, ao contrário daqui, a iniciativa privada é muito bem vinda no ambiente universitário), e sim como um mecanismo de emancipação social. E, se olharmos de perto, é o nosso sistema que parece terrivelmente injusto: quem se beneficia dos subsídios da sociedade, em grande maioria, é quem estudou em bons colégios particulares. Ou seja, quem não precisa de subsídio dos contribuintes. O sistema todo é pensado como um gigantesco mecanismo de transferência de renda, dos mais pobres para os mais ricos.

O John Oliver é um inglês que trabalha nos EUA: ele se beneficia de tudo o que o somente a economia de mercado e a democracia liberal (que o país dele inventou e aperfeiçoou) podem proporcionar, mas apesar disso (ou talvez por causa disso) sofre de uma necessidade crônica de auto-justificação combinada com uma piedade afetada pelos que ele considera “desfavorecidos” pelo sistema. Como um legítimo espécime da esquerda caviar, ele se diverte fazendo piadas autodepreciativas com tudo o que de melhor o ocidente produziu (coisas das quais ele amplamente se beneficia, incluindo medicamentos produzidos pela indústria que ele demoniza –tente descobrir quantas patentes de novas drogas foram registradas na Suécia ou no Canadá, países cujos sistemas de saúde são sempre incensados pela OMS) e sendo regiamente pago para criticar o capitalismo.

Seria interessante se ele e outros membros da esquerda caviar do primeiro mundo viessem passar uma temporada no paraíso do bem estar social criado e insculpido na nossa constituição “cidadã”.

Aliás, eu troco de lugar com qualquer um deles a qualquer hora.

24 de novembro de 2016
in implicante

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