"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

UMA HISTÓRIA REAL SOBRE COMO UM JOVEM ECONOMISTA FOI HUMILHADO POR DIZER O QUE QUALQUER ECONOMISTA DEVERIA SABER

A história abaixo é real. Entre 1997 e 1999 uma série de medidas foi tomada pelo governo brasileiro para garantir a sustentabilidade fiscal dos estados e municípios. Entre elas duas ganharam destaque: a renegociação das dívidas dos estados e municípios, e a lei de responsabilidade fiscal.

Numa das diversas reuniões ocorridas para tratar das medidas acima um jovem economista disse que ambas estavam erradas, e que ambas fracassariam gerando um custo de ajuste maior ainda no futuro. O argumento do jovem economista era simples.

No caso da renegociação das dívidas isso gerava dois efeitos perversos: 1) os mais endividados eram também os mais beneficiados, isto é, quanto mais irresponsável havia sido no passado mais subsídios receberia; e 2) isso geraria um efeito óbvio do que os economistas chamam de moral hazard (a mudança no comportamento decorrente de uma nova regra). Dado que a Uniao havia renegociado a dívida e beneficiado os mais irresponsáveis, era evidente que no futuro a Uniao voltaria a fazer a mesma coisa. Isto é, a estratégia dominante passava a ser gastar ao máximo, se endividar ao máximo, e chegar num ponto onde a Uniao seria obrigada a ajudar (exatamente como o estado do Rio de Janeiro hoje).

Os economistas conhecem bem o exemplo acima, para evita-lo argumentava-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal seria a solução. O jovem economista argumentava que esse lei poderia ser burlada de várias maneiras, e que seria ineficiente no longo prazo. Além disso, tal lei parecia também ir contra os estados que haviam sido fiscalmente responsáveis lhes imputando amarras que certamente diminuiria a eficiência econômica dos estados mais prudentes, e feria claramente a ideia de federalismo. Voce pode ler sobre a argumentação aqui.

O jovem economista virou motivo de piada: "aqui não é teoria não rapaz" era o mais educado que ele ouvia. Teve até um consultor de finanças públicos bem famoso (e que ainda hoje aparece nos grandes jornais) que lhe disse "o negócio é empurrar com a barriga". Enfim, o tempo passou e a verdade é apesar de todos os esforços vários estados e municípios descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal. A prova disso é sua situação de penúria atual. Voce não ve na mídia, mas um numero absurdamente alto de municípios sequer esta pagando salários. No caso dos estados, a situação é igualmente caótica com atrasos constantes no pagamento de fornecedores e a ameaça de atrasar salários.

Engracado como são as coisas, o tempo passou e provou que o jovem economista estava certo. As soluções que ele apontava, apesar de difícieis, eram o caminho correto para a eliminação recorrente do problema de endividamento de estados e municípios. Hoje, tal como ele havia predito, o problema voltou. E, novamente, o governo vai investir na solução errada: irá renegociar NOVAMENTE a dívida de estados e municípios. Essa solução apesar de emergencial é errada. A solução para o problema é deixar que cada estado e município seja responsável por suas próprias decisões. Isso fortalece o princípio federativo e garante que o ônus e o bônus das decisões da população sejam enfrentadas pela mesma população que tomou a decisão, e não que seja repartido com os demais estados e municípios. Abaixo transcrevo o texto que escrevi em marco de 2000.

Lei de Responsabilidade Fiscal

Em março de 2000 escrevi o texto abaixo. Pergunto, se na época tivéssemos optado pela opção que eu sugiro não teria sido melhor?

A Lei de Responsabilidade Fiscal e a disciplina de mercado.

Existem 4 posturas possíveis do governo federal frente à política fiscal executada pelos governos locais: a) não interferência, com garantia de solvência; b) não interferência, sem garantia de solvência; c) interferência, com garantia de solvência; e d) interferência sem garantia de solvência. A alternativa "d" não parece plausível, pois permite a União interferir nas políticas públicas estaduais sem se responsabilizar por elas. A alternativa "a" também não é a mais adequada, pois impede que a União interfira nas políticas regionais, mas a obriga a saldar seu ônus.

Por algum motivo, que não cabe aqui discutir, a relação entre governo central e estados, no Brasil, se assemelhava a uma mistura das alternativas "a" e "c". Gerando pouca interferência do governo federal nas políticas fiscais dos estados, mas o obrigando-o a pagar pelos seus resultados. Esse tipo de relacionamento propiciou aos estados um grau de endividamento superior a sua capacidade de pagamento. Tentando mudar esse comportamento, o governo federal poderia tentar mudar a forma de relacionamento com estados e municípios, optando pelas alternativas "b" ou "c".

Com a recente aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo federal parece ter optado pela alternativa "c". Tal lei pode se caracterizar como um marco da história das finanças públicas brasileiras. Várias características trabalham nesse sentido. A possibilidade de se responsabilizar e punir maus administradores; a exigência de se mostrar a origem dos recursos para financiar novas despesas; e a proibição de se transpor determinados montantes de dívidas de um governo para o seguinte (restos a pagar), são alguns exemplos das exigências geradas por essa lei.

O grande mérito da Lei de Responsabilidade Fiscal é tentar disciplinar os gastos públicos, evitando abusos, por quem quer que seja, com fins eleitoreiros. Dessa maneira, vários dispositivos são empregados, visando ao controle das finanças da União, estados e municípios. Espera-se, com isso, diminuir as necessidades de financiamento do setor público, liberando recursos para serem usados de maneira mais produtiva.

Apesar de inegáveis méritos, surge uma questão: por que o governo federal deve versar sobre as finanças de estados ou municípios? Não seria isso uma afronta aos entes da federação? Independentemente de ferir a autonomia de estados e municípios, o posicionamento do governo federal visa proteger suas finanças. Afinal, a União é obrigada a socorrer estados, ou municípios, caso estes se tornem insolventes. Isto é, caso algum estado não consiga honrar seus débitos, em última instância, a União é que assume esse encargo. Além disso, o governo central é o responsável pela política de estabilização macroeconômica, que pode ser dificultada se os estados adotarem uma política fiscal distinta daquela praticada pela União. Assim, nada mais justo do que algum controle federal sobre as finanças estaduais e municipais.

Uma alternativa à Lei de Responsabilidade Fiscal seria o governo fazer passar, no Congresso Nacional, uma lei mais simples que torne os estados independentes e autônomos para realizar qualquer política fiscal. A única salvaguarda seria que a União não mais se responsabilizaria por eles, isto é, o governo poderia ter escolhido a opção "b".

Note que a proposta do parágrafo acima tem os mesmos objetivos que a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas com algumas vantagens. Primeiro, é mais clara e por isso mesmo menos propícia de ser burlada por manobras jurídicas. Segundo, respeita as preferências locais. Terceiro, como dá maiores poderes a administração regional, torna as políticas públicas mais flexíveis e ágeis para combater os problemas da região.

Em resumo, a idéia da Lei de Responsabilidade Fiscal parece ser correta. O que se questiona é que uma lei mais simples, e clara, poderia obter resultados superiores, evitando o engessamento das despesas e, conseqüentemente, perda de eficiência dos gastos públicos. Afinal, um político que endivida seu estado criando escolas e aumentando o salário dos professores, não pode ser visto como irresponsável.

A experiência brasileira ao longo de décadas mostra que o setor público não tem assumido uma postura de conservadorismo e prudência fiscal. Portanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser um passo importante na transição para uma regra em que a disciplina de mercado (ou seja a opção “b”) seja o melhor parâmetro para se confiar a responsabilidade fiscal.


24 de novembro de 2016
adolfo sachsida

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