Depois de "o cachorro comeu minha lição de casa", o Oscar de Desculpa Mais Esfarrapada vai para Márcio Holland (ex-secretário de Política Econômica), que assim justificou o excesso de gastos, origem da crise atual: "Passamos quatro anos no escuro, achando que os investimentos no país estavam caindo porque as estatísticas do IBGE apontavam para taxas inferiores a 20% do PIB".
A culpa pela crise, portanto, seria do IBGE, ou melhor, do governo, que "vê as estatísticas como se fosse uma coisa secundária e não libera os recursos necessários para o IBGE fazer bem o seu trabalho".
A hipocrisia, porém, tem perna curta. No final de 2012, Holland afirmava, em entrevista proclamando as virtudes da Nova Matriz Econômica, que estávamos "numa fase de expansão muito forte do investimento" e que "o Brasil [era] um dos poucos países do mundo que [tinham] uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos".
É verdade que o IBGE promoveu uma revisão das contas nacionais em 2015,
revelando que o crescimento em 2011 fora maior do que o inicialmente estimado, mas isso não justifica o erro, ainda mais diante de sinais inequívocos dos desequilíbrios gerados pela Nova Matriz, como a persistência da inflação, que registrou média superior a 6%, a despeito do controle de preços administrados e da nova metodologia no cálculo do IPCA.
Em particular, a inflação de serviços, impulsionada pelo aumento dos salários acima da produtividade, manteve-se entre 8% e 9% –outro sintoma da inadequação da política devidamente desconsiderado pela equipe econômica.
Já as contas externas mostravam piora visível desde meados de 2012, mesmo com preços de commodities ainda elevados, culminando no deficit recorde de 2014.
Holland quer nos convencer (ou se convencer?) de que o carro foi dirigido apenas com o olho no velocímetro, sem atenção às trepidações e ruídos, indicações dos problemas graves que hoje enfrentamos.
Questionado ainda sobre as fraudes contábeis, raiz do processo de impedimento, afirmou não ter nenhuma responsabilidade, pois "não tinha controle nenhum do caixa do governo para avaliar a qualidade daquela execução orçamentária (...).
Cada programa do Tesouro Nacional (...) não era a minha área que olhava. Era a Secretaria do Tesouro que olhava isso".
Esse pretexto também não se mantém. Embora em 2012 Holland ainda se achasse qualificado para falar de política fiscal, jurando que no ano seguinte a meta fiscal seria cumprida (o que, claro, não ocorreu), não faltava quem alertasse para as trapaças cometidas pelo Ministério da Fazenda.
Basta um passeio rápido pelo excelente Blog de Mansueto Almeida para perceber que as críticas à contabilidade criativa de governo já eram consensuais entre economistas que acompanhavam as contas públicas. Se o então secretário de Política Econômica preferiu ignorar os avisos, o fez por sua conta e risco.
O elemento comum a ambas as afirmações é a dificuldade insuperável de encarar os problemas de forma adulta. A culpa é sempre de um terceiro; jamais de si próprio.
Obviamente Holland é irrelevante. Já os sintomas que apresenta são reflexos de uma síndrome que acomete nossos keynesianos de quermesse, e, por extensão, o governo: a completa incapacidade de admitir seus próprios erros.
14 de maio de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
A culpa pela crise, portanto, seria do IBGE, ou melhor, do governo, que "vê as estatísticas como se fosse uma coisa secundária e não libera os recursos necessários para o IBGE fazer bem o seu trabalho".
A hipocrisia, porém, tem perna curta. No final de 2012, Holland afirmava, em entrevista proclamando as virtudes da Nova Matriz Econômica, que estávamos "numa fase de expansão muito forte do investimento" e que "o Brasil [era] um dos poucos países do mundo que [tinham] uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos".
É verdade que o IBGE promoveu uma revisão das contas nacionais em 2015,
revelando que o crescimento em 2011 fora maior do que o inicialmente estimado, mas isso não justifica o erro, ainda mais diante de sinais inequívocos dos desequilíbrios gerados pela Nova Matriz, como a persistência da inflação, que registrou média superior a 6%, a despeito do controle de preços administrados e da nova metodologia no cálculo do IPCA.
Em particular, a inflação de serviços, impulsionada pelo aumento dos salários acima da produtividade, manteve-se entre 8% e 9% –outro sintoma da inadequação da política devidamente desconsiderado pela equipe econômica.
Já as contas externas mostravam piora visível desde meados de 2012, mesmo com preços de commodities ainda elevados, culminando no deficit recorde de 2014.
Holland quer nos convencer (ou se convencer?) de que o carro foi dirigido apenas com o olho no velocímetro, sem atenção às trepidações e ruídos, indicações dos problemas graves que hoje enfrentamos.
Questionado ainda sobre as fraudes contábeis, raiz do processo de impedimento, afirmou não ter nenhuma responsabilidade, pois "não tinha controle nenhum do caixa do governo para avaliar a qualidade daquela execução orçamentária (...).
Cada programa do Tesouro Nacional (...) não era a minha área que olhava. Era a Secretaria do Tesouro que olhava isso".
Esse pretexto também não se mantém. Embora em 2012 Holland ainda se achasse qualificado para falar de política fiscal, jurando que no ano seguinte a meta fiscal seria cumprida (o que, claro, não ocorreu), não faltava quem alertasse para as trapaças cometidas pelo Ministério da Fazenda.
Basta um passeio rápido pelo excelente Blog de Mansueto Almeida para perceber que as críticas à contabilidade criativa de governo já eram consensuais entre economistas que acompanhavam as contas públicas. Se o então secretário de Política Econômica preferiu ignorar os avisos, o fez por sua conta e risco.
O elemento comum a ambas as afirmações é a dificuldade insuperável de encarar os problemas de forma adulta. A culpa é sempre de um terceiro; jamais de si próprio.
Obviamente Holland é irrelevante. Já os sintomas que apresenta são reflexos de uma síndrome que acomete nossos keynesianos de quermesse, e, por extensão, o governo: a completa incapacidade de admitir seus próprios erros.
14 de maio de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
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