"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 14 de maio de 2016

O PIT-BULL DE TEMER

Foi na condição de quase ministro da Justiça que o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, reagiu às manifestações contra o impeachment que bloquearam avenidas e rodovias na manhã de terça-feira na capital paulista: "Não configuram uma manifestação porque não tinham nada a pleitear. Tinham, sim, a atrapalhar a cidade. Eles agiram como atos de guerrilha. Nós vamos identificar [as pessoas], porque há atitude criminosa".

Professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo, autor de best-sellers jurídicos, Moraes não foi a primeira opção do vice-presidente, mas tem tudo para dar ao cargo a feição que o governo que está para se iniciar precisa. Moraes reuniu seus comandantes policiais ontem para preparar a transição na secretaria. Aos 48 anos, deve ser a estrela da constelação de direita que começará a governar o país a partir de hoje.

Com Guilherme Boulos (MTST) e João Pedro Stédile (MST) a queimar pneus país afora, Moraes encarnará o vozeirão da ordem. Vai respaldar a atuação de secretários estaduais de segurança na repressão a movimentos sociais. O paradigma é sua própria gestão, que avalizou, na semana passada, a entrada de policiais militares, sem mandado judicial, numa escola ocupada por estudantes.

Os embates com movimentos sociais poderão disputar as manchetes com a Lava-jato, operação que gravita em torno de vários dos integrantes do primeiro escalão deste governo. Promotor de carreira, Moraes vem da mesma linhagem do ex-governador Luiz Antonio ´Carandiru´ Fleury e de Saulo ´Pinheirinho´ de Castro, atual secretário de Governo da gestão Geraldo Alckmin. Com a violência policial, esses promotores de carreira produziram um ibope suficiente alto para sustentar o fracasso de audiência do combate à corrupção no Estado.

Conhecido por dar a cara a bater, o secretário paulista pode ser de grande utilidade num governo dominado pelo PMDB. Duro com seus policiais, Moraes faz defesas impetuosas de ações que lhe trouxeram revezes emblemáticos. Em meio a uma cruzada para divulgar números positivos sobre a redução da letalidade de ações policiais, Moraes abraçou a versão de um delegado sobre a chacina de quatro adolescentes em Carapicuíba, periferia oeste de São Paulo. No relato oficial, os garotos haviam furtado a bolsa da esposa de um policial, mas o objeto do furto acabaria sendo encontrado a mais de quatro quilômetros da casa dos adolescentes mortos.

Antes de Alckmin se decidir pela candidatura do empresário João Dória Jr. à Prefeitura de São Paulo, Moraes postulou a vaga com um grande ativismo na divulgação dos indicadores da segurança pública. Os paulistas estão menos expostos ao homicídio do que quaisquer outros brasileiros. Em grande parte porque a polícia estadual, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é uma das que mais mata no país. No afã de contar apenas metade da história, Moraes acumulou sucessivos embates com a imprensa paulista.

O vice-presidente Michel Temer pretende criar uma secretaria de transparência e combate à corrupção para demonstrar o compromisso com o tema de um governo coalhado de investigados da Lava-jato. Espera-se que a secretaria seja diretamente subordinada à Presidência da República porque o quase ministro da Justiça protagonizou controvérsias no primeiro quesito e se mostrou pouco operante no segundo.

Revogou decreto do governador que mandava a secretaria de segurança pública divulgar os efetivos policiais de cada bairro e cidade do Estado. As informações eram estratégias, alegou-se, mas a razão, de fato, é que os dados expuseram a lacuna de investigadores e escrivães em muitos lugares e levou a representações do ministério público.

A linha dura de Moraes não entrou em conflito aberto com as máfias que há décadas subsistem nas polícias e já derrubaram vários secretários. Quando entrou na secretaria encontrou policiais que há décadas ganham por fora tanto para cumprir suas obrigações quanto para descumpri-las. Quase todos sobreviverão ao seu mandato.

O secretário que Temer está prestes a levar para seu ministério tem duas ambições, disputar o governo de São Paulo e integrar o Supremo Tribunal Federal. Pemedebistas deixam correr a notícia de que Moraes chega na cota do governador Geraldo Alckmin, mas, a despeito de ser tucano e filiado ao PSDB, Moraes foi pinçado pelo vice-presidente.

Um amigo de ambos diz que comungam das mesmas ideias, mas o impetuoso Alexandre de Moraes é útil a Temer precisamente pelo contraste que pode vir a oferecer à placidez do virtual titular do Palácio do Planalto, um dia definida pelo senador Antônio Carlos Magalhães como a de um mordomo em casa de terror.

Moraes foi secretário de Justiça do Estado de São Paulo no último ano da primeira gestão Geraldo Alckmin (2002), depois foi presidente da Fundação Casa, antiga Febem, e integrou a primeira composição do Conselho Nacional de Justiça. Suas ambições políticas ficaram mais claras quando entrou na prefeitura de São Paulo sob a gestão de Gilberto Kassab. Filiado ao DEM, acumulou a pasta de Transportes e de Serviços. Quis fazer do cargo trampolim para a disputa municipal e saiu aos gritos com o então prefeito. Temer o levou para o PMDB, mas Moraes migraria para o PSDB ao desembarcar de volta na gestão Alckmin em 2014.

Se confirmado amanhã como ministro da Justiça, o secretário de Segurança paulista terá como missão mais espinhosa a chefia da Polícia Federal. A autarquia ganhou grande autonomia depois da descentralização promovida ao longo da era petista. Subordinada ao Executivo, a PF se transformou, de fato, numa polícia judicial. É ao juiz Sérgio Moro, e não ao chefe da PF, que o delegado da Lava-jato, Márcio Anselmo, de fato, responde. Ao longo de seus dois anos como secretário de segurança, Moraes aproximou-se de delegados que conduziram as investigações mais espinhosas de sua pasta. Não é do tipo que aceita ser informado de uma operação horas antes de sua deflagração.

Foi hábil o suficiente para não assinar o manifesto dos advogados que criticaram a Lava-jato e derrubou o último dos cotados para o cargo. Seu escritório já defendeu um dos principais réus da operação, o deputado Eduardo Cunha. Em 2014 Moraes conseguiu absolver o então líder do PMDB da acusação de uso de documento falso. Foi um de seus últimos casos como advogado.



14 de maio de 2016
Maria Gristina Fernandes, Valor Econômico

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